5. DO PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO SETOR DAS OPERADORAS MÓVEIS VIRTUAIS.
5.1. Do papel das Agências Reguladoras como orientadoras e fomentadoras do mercado.
Analisada a origem e a importância da atuação das Agências Reguladoras perante a economia, resta-nos discorrer acerca de seus papéis como orientadoras e controladoras do mercado.
A Agência Reguladora não tem só o papel de regulamentar a área a qual vincula-se. Há também, de acordo com a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, a obrigação de fomentar a concorrência no mercado, com a possibilidade de acabar com a exclusividade de determinados setores, de forma que tragam aos usuários grandes benefícios.
Ao tempo em que as Agências Reguladoras propiciam a livre concorrência no setor, suas responsabilidades aumentam, pois, com a introdução de tal modalidade econômica, passarão, de forma definitiva, a arbitrar conflitos entre os prestadores de serviços [37], bem como poderá intervir na relação entre estes de forma direta, ou até na relação destes com a sociedade.
Uma Agência Reguladora pode variar de acordo com o modelo adotado pelo Poder Público que a desenvolva, para que atue de forma reguladora ou intervencionista, mas sempre deve guardar como prerrogativa o atendimento do mercado-alvo, a prevalência dos princípios da especialidade e da autonomia das partes, a extinção do monopólio e o atendimento aos interesses coletivos (SILVA, 2002, s/p).
Há a responsabilidade da Agência Reguladora em equalizar os interesses da sociedade (como preços acessíveis e boa qualidade na prestação dos serviços) e o dos prestadores de serviços (como a garantia da viabilidade econômica na exploração de determinada atividade), de forma que se mantenha uma satisfatória oferta de serviços em conformidade com o interesse da coletividade. A cobrança deve ser justa para o consumidor, bem como garantir ao prestador um adequado retorno ao investimento efetuado.
A existência de mecanismos que possibilitam a autonomia financeira destas Agências Reguladoras, por intermédio da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964 [38], bem como a implementação de mecanismos que possibilitam a arrecadação de taxas de fiscalização e manutenção previstas nos contratos de concessão emitidos, garantem os recursos que demonstram sua existência.
Destarte, tamanha autonomia não implica em total desvinculação para com os deveres inerentes à Administração Pública. Pois, através da aplicação do princípio da jurisdição única [39], qualquer indivíduo que vislumbrar por maculado seu direito, pode – e deve – recorrer ao Poder Judiciário.
Portanto, as Agências Reguladoras, através do exercício da independência administrativa e financeira que lhes é garantido por lei, são capazes de exercer de forma satisfatória as prerrogativas inerentes às suas atividades-alvo, pois o bem jurídico a ser tutelado nesta relação é a prevalência do interesse público sob qualquer outro, e que impreterivelmente deve caminhar à merçê de eventuais interesses políticos.
5.2. Da ausência do poder regulatório no setor. Da necessidade de regulação das MVNO´s.
O princípio do Direito Econômico que prega a livre concorrência traz em seu bojo inúmeros reflexos de sua implantação. A partir do momento em que o Estado garante que a livre iniciativa exista em um determinado mercado, há a tendência de que a concorrência porventura instalada incentive uma expansão econômica, e traga consigo uma redução nos preços praticados.
Associando-se tal conceito ao âmbito das telecomunicações, se extrai que, a partir do momento em que há esta expansão no mercado, a tendência é que as tarifas de telefonia móvel venham a sofrer significante redução, podendo acentuar-se com o passar dos anos. Isto se deve principalmente ao maior nível de competição.
Exemplo das modificações na política das operadoras se dá no comportamento da TIM, que de forma ousada passou a cobrar aos seus usuários o valor de R$ 0,25 para cada chamada estabelecida para números de sua rede, independente da quantidade de minutos utilizados.
Com a ideia de que o aumento na concorrência venha a influenciar em uma redução de preços, e a impossibilidade de se promover a oferta de faixas de frequência para a instalação de novas operadoras móveis tradicionais limite esta expansão, a adoção das MVNO´s surgem como alternativas bastante viáveis ao sucesso deste planejamento.
O surgimento das MVNO´s, com a crescente oferta de serviços diferenciados, aumentaria significativamente a competição no mercado de telefonia móvel, forçando com isto uma queda de preços, e proporcionando uma aquisição e retenção de usuários.
Conforme apontado no segundo capítulo, um exemplo específico de sucesso de uma MVNO é a entrada em operação da Virgin Mobile, primeiramente no Reino Unido, em meados dos anos 1990, e posteriormente nos Estados Unidos, através de investimentos da gravadora Virgin Records.
Esta MVNO focou suas atenções especificamente no seu público-alvo: jovens que costumam adquirir álbuns musicais da gravadora. Através da utilização de sua marca, e do agregamento do conteúdo produzido (neste caso, música), a operadora rapidamente destacou-se no mercado, obtendo parcela razoável dos mercados que disputou.
Diferente dos Estados Unidos e do Reino Unido, a predominância da rede de telefonia móvel no Brasil é de assinantes pré-pagos, que geralmente gastam menos com sua utilização mensal. Tal fenômeno decorre do próprio mercado consumidor, pois falamos de países de primeiro mundo, com uma renda per capita bastante superior à brasileira.
Ademais, o custo para a utilização de telefones celulares nestes países é inferior ao praticado no Brasil. Segundo levantamento efetuado por Infoplantão (2010, s/p), enquanto que nos Estados Unidos o valor médio do minuto no celular custa R$ 0,06, no Brasil este mesmo tempo custa R$ 0,45. Embora naquele país o usuário móvel seja obrigado a pagar mesmo quando recebe chamadas, o valor final ainda continua bastante razoável, em comparação com os preços praticados no Brasil.
Tais diferenças de preços refletem a alta carga tribuária existente no Brasil, bem como o incentivo à livre concorrência e ao estabelecimento de novas operadoras.
A FCC - Federal Communications Commission, agência reguladora estadunidense, que possui em seu país as mesmas características da ANATEL, desenvolve políticas administrativas que incentiva a entrada de novas operadoras, através das MVNO´s, aumentando a competitividade no setor e, por consequência, observando uma redução nos preços cobrados.
A possibilidade de implantação de uma MVNO no mercado brasileiro já foi alvo de discussão e análise em momentos anteriores. Conforme Gomes (2010, s/p), em abril de 2001, a empresa Actium Telecomunicações solicitou à ANATEL autorização para prestar serviços de telefonia móvel como uma operadora virtual, mas teve seu pleito negado, ante a alegação de que "a solicitação é para um serviço que não existe, pois um SME sem radiofrequências é uma contradição dos próprios termos" [40].
Embora o Conselho Diretor da ANATEL tenha reconhecido que a iniciativa "parece ser uma boa solução para aumentar a eficiência no uso do espectro e a penetração, principalmente do Serviço Móvel Pessoal – SMP, em cidades de pequeno porte", decidiu por indeferir a requisição, pela alegação de inexistência de uma previsão legal que regule o setor.
Atualmente no Brasil não há a previsão legal da entrada de MVNO´s no mercado, e a ANATEL limita-se a promover consultas públicas com o intuito de debater a influência desta modificação no atual cenário (OPERADORA, 2009, s/p).
Embora tenha se manifestado a favor da criação das MVNO´s em território nacional, a ANATEL omite-se na regulamentação do setor. E, a partir do momento em que deixa de atender às necessidades do mercado, deixa de cumprir com seu papel legal de controlar e fomentar a telefonia brasileira, olvidando-se de seu papel como agente regulador do Estado [41].
5.3. Da proposta sobre o novo marco regulatório. Da Consulta Pública nº 50/2009.
A ANATEL lançou, em 22 de dezembro de 2009, a Consulta Pública nº 50, que em seu bojo aborda novas regras para a possibilidade de regulação e funcionamento das MVNO´s.
A minuta que comporta a Regulamentação sobre a exploração de Serviço Móvel Pessoal – SMP por meio de Rede Virtual (RRV-SMP) esteve, até o dia 11 de março de 2010, submetida à opinião pública para análises e possibilidade de sugestões. Findado o prazo, a ANATEL passou a apreciar o resultado, mas não há uma previsão concreta do início da implantação desta nova modalidade.
Na proposta apresentada pela ANATEL, alvo de críticas de especialistas no setor, a concepção internacional de uma MVNO seria recepcionada, com diferenciações significativas, que impossibilitariam o pleno desenvolvimento desta nova modalidade (MELCHIOR, 2010, s/p).
Com a Consulta Pública nº 50/2009, pode-se observar a classificação das MVNO´s em duas modalidades: operadoras credenciadas (art. 2º, II) e operadoras autorizadas (art. 2º, III).
As credenciadas seriam compreendidas como "operadoras de serviços de valor agregado à telefonia móvel", mas não seriam enquadradas como uma prestadora de serviços de telecomunicações (art. 6º). Assim, estas operadoras deverão atuar como distribuidoras de serviços, potencializando apenas sua marca, bem como ampliando a capacidade de sua rede varejista.
De acordo com a regulação proposta, estas empresas limitariam-se a atuar como representantes comerciais, revendendo o serviço que contratariam exclusivamente a uma operadora tradicional por área de registro (art. 11º), por meio de um contrato de representação comercial (art. 34º).
Estas credenciadas não teriam autonomia de vontades, tampouco poderiam contratar de outra operadora tradicional, limitando consideravelmente a sua atuação.
Já as operadoras autorizadas seriam compreendidas como prestadoras de serviços de telecomunicações (art. 52º), submetendo-se a todas as diretrizes existentes para uma operadora móvel, no que lhe for compatível. Tais operadoras terão possuir um maior controle sobre a rede celular utilizada, bem como deverão ter uma maior responsabilidade sobre a qualidade do serviço.
Há a previsão legal da existência de um contrato entre esta autorizada e uma operadora tradicional, prevendo expressamente os termos e condições da relação pactuada (art. 55º).
De forma geral, a Consulta Pública garante às operadoras autorizadas a possibilidade de atuarem concretamente no mercado como uma MVNO, de duas formas distintas: apenas revendendo os serviços contratados de forma adaptada, sem qualquer participação com as atividades técnicas (uma MVNO básica); ou através de uma integração total com a operação (art. 56º), inclusive no licenciamento de ERB´s, e deixando apenas para as operadoras tradicionais a obrigação de transmitir o sinal.
5.4. Da problemática acerca do marco regulatório proposto.
O modelo abordado pela Consulta Pública nº 50 compreende as operadoras autorizadas como prestadoras de serviços de telecomunicações. Mas, na verdade, estas operadoras autorizadas nada mais são do que prestadoras de serviços de valor agregado [42], conforme o art. 61, §1º da LGT.
Já o parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.295, de 19 de julho de 1996, que dispõe sobre os serviços de telecomunicações e sua organização, reza que:
"Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações."
(BRASIL: 1996, s/p)
Visualizamos com temor esta proposta da ANATEL para o setor, que descaracterizaria o próprio sentido de uma MVNO, criando duas modalidades distintas, entre credenciadas e autorizadas. As credenciadas limitariam-se a "serem contratados das operadoras tradicionais", para revender o tráfego das operadoras tradicionais, apenas associando sua marca. Seriam meras "repassadoras de minutos", revendendo cartões que contenham créditos a serem usados por quaisquer usuários de operadoras, não ofertando qualquer serviço ou conteúdo específico que não este repasse de minutos.
Para todos os fins, a operadora autorizada por ter sido beneficiada por uma das modalidades autorizatórias do direito administrativo, para que um ente particular explore efetivamente um serviço público, atenderia os requisitos legais para o início de suas operações, embora esteja equivocadamente enquadrada como uma prestadora de serviços de telecomunicações.
Já o perfil associado à operadora credenciada não guarda qualquer relação com o poder regulatório da ANATEL, haja vista que na própria Consulta Pública sua configuração se dá como um simples revendedor, constituído mediante um contrato particular de representação comercial.
A regulação proposta prevê a inexistência de relação entre a credenciada e a ANATEL, limitando o vínculo daquela com a operadora tradicional, que poderia romper o contrato com a credenciada a qualquer tempo, pois lhe seria ofertado total liberdade para transacionar. Inclusive, a proposta prevê que qualquer obrigação em relação ao consumidor deverá ser apontada diretamente à tradicional.
A contradição de expõe a partir do momento em que a determinação legal não reconheceria a atividade exercida pelas operadoras credenciadas como de prestação de serviços de telecomunicações, apenas como uma relação inter-partes. E, em sendo assim, tal relação jurídica deveria estar regida pelas regras do direto público, e não pelo Direito Administrativo (MELCHIOR, 2010, s/p).
Ademais, ao tempo em que as operadoras credenciadas possuem restrições na contratação de serviços das operadoras tradicionais, sua existência passa a ser ameaçada pela dificuldade de crescimento no mercado, uma vez que poderia tornar-se refém dos preços praticados pela detentora da estrutura técnica que utiliza. E, por assim, este modelo prejudicaria a livre concorrência, afetando de forma direta a possibilidade de redução dos preços praticados, indo na contramão do papel estatal de incentivar uma menor tarifa praticada.
Já a proposta para as MVNO´s autorizadas abrangem a concepção adotada no resto do mundo, vinculando-a à ANATEL mas dispensando-a de certos requisitos lógicos e apenas exigíveis às operadoras tradicionais, como a licença para a operação de rádio-frequência (que não utilizariam porque alugariam a rede das tradicionais). As demais obrigações legais para com os usuários deveriam ser evidentemente arcadas pelas autorizadas, que atuariam como se uma operadora tradicional fossem, excetuando-se a desnecessidade de construção de uma estrutura própria de transmissão.
O único ponto que acreditamos estar equivocado nesta proposição é a liberdade atribuída às operadoras tradicionais, que não estão obrigadas a ceder trechos de sua rede para o surgimento destas MVNO´s. Isto poderia gerar um problema, pois certamente as empresas tradicionais poderiam organizar-se para impedir o surgimento das MVNO´s, pois as consideram como perigosas concorrentes.
Ademais, a própria ANATEL possui uma determinação que obriga as operadoras tradicionais a compartilharem infra-estrutura de transmissão entre si, para evitar a construção de novas torres e uma maior poluição visual. Se há a obrigatoriedade de cessão de estrutura entre as operadoras tradicionais, porque não poderia haver entre as tradicionais e as MVNO´s?
A ANATEL, constitucionalmente, está obrigada a garantir a sustentabilidade do SMP, através da manutenção do relacionamento comercial existente entre as MVNO´s e as empresas tradicionais, doadoras da tecnologia, evitando limitações no estímulo do mercado. A ANATEL tem por obrigação propiciar condições para que esta novidade comercial venha a atuar com vistas a fomentar a concorrência no setor, ocasionando uma redução no preço final cobrado, beneficiando diretamente o consumidor final.