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O preso pode ser autor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública?

02/08/2010 às 18:38
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A Lei nº 9.099/95, em seu art. 8º, prevê que "não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil".

Portanto, nos Juizados Especiais da Justiça Estadual, a presença no feito de incapaz, preso, pessoa jurídica de direito público, empresa pública da União, massa falida, ou do insolvente civil, leva à incompetência absoluta, em virtude da expressa vedação legal.

Por sua vez, a Lei nº 12.153/2009, em seu art. 5º, delimita a capacidade de ser parte nos Juizados Especiais da Fazenda Pública dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios:

"Art. 5º  Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:

I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006;

II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas".

Contudo, essa diferença de redação nos dispositivos, bem com a ausência de regra específica na Lei nº 12.153/2009 trará controvérsia sobre a possibilidade – ou não – de o preso demandar nos Juizados Especiais da Fazenda Pública (o mesmo debate provavelmente ocorrerá para as demais pessoas listadas pelo art. 8º da Lei nº 9.099/95).

A discussão já existe nos Juizados Especiais Federais e, em decorrência da similaridade de redação entre o art. 6º, I, da Lei nº 10.259/2001, e o citado art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, certamente será repetida nos Juizados da Fazenda Pública.

Comentando o dispositivo similar da Lei nº 10.259/2001, Carreira Alvim afirma que "o incapaz, o preso e as pessoas jurídicas de direito público são afastados pela maior garantia que o processo perante a justiça comum lhes oferece, o que não acontece com o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais" [01].

De forma similar, Alexandre Freitas Câmara não admite a presença de reclusos nos processos dos Juizados Especiais, sob dois fundamentos: a impossibilidade de participarem das audiências, e a existência de um "Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis", do qual decorre a interpretação sistemática das Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001, devendo o art. 6º, I, desta ser aplicado em conjunto com o art. 8º daquela, proibindo-se o preso de ser parte [02] (esse raciocínio tem aplicação sobre o art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, em face da similaridade de normas). No mesmo sentido, Marcelo da Fonseca Guerreiro afirma que o preso não pode litigar nos juizados em virtude do impedimento legal da Lei nº 9.099/95 [03].

Por outro lado, Vilian Bollmann sustenta que a Lei nº 10.259/2001 esgota o assunto, não incidindo na Justiça Federal o art. 8º da Lei nº 9.099/95 [04]. Antonio do Amaral e Silva e Jairo Schäfer afirmam que nesse ponto a Lei nº 9.099/1995 conflita diretamente com a Lei nº 10.259/2001, motivo pelo qual não pode ser aplicada, considerando que esta permite que qualquer pessoa natural seja autora nos JEF Cíveis [05]. Luiz Fernando Silveira Netto reconhece as dificuldades para o preso comparecer às audiências, contudo, ressalta que não se pode restringir o seu direito a se deslocar para os atos do processo, como ocorre na própria ação penal [06]. Tais fundamentos podem ser estendidos aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, pois o art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, também arrola expressamente quem possui capacidade de ser parte no rito dos Juizados.

Apesar de a Lei nº 9.099/95 incidir subsidiariamente nos Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 27 da Lei nº 12.153/2009), e seu art. 8º vedar a presença de presos nos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, o art. 5º, I, da Lei nº Lei nº 12.153/2009, limita-se a afirmar que as pessoas naturais podem ser partes. Logo, resta evidente o conflito, pois aquela restringe o rol desta. Tal lacuna gera controvérsia, principalmente na doutrina, mas na prática deve ser reconhecida a capacidade de o preso ser parte, diante da ausência de expressa proibição legal.

Caso o art. 8º da Lei nº 9.099/95 fosse aplicável aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o preso não veria seu direito satisfeito durante o período de reclusão (pois certamente estaria livre após o desenlace de uma ação ordinária), e as pessoas jurídicas de direito público não poderiam ser demandadas (pois o mencionado art. 8º também veda sua atuação), esvaziando totalmente a competência do Juizado.

Também não se pode efetuar uma aplicação parcial desse dispositivo, selecionando algumas pessoas e excluindo outras da citada norma, restringindo o acesso aos juizados.

O recluso tem capacidade de ser parte e capacidade processual, e o art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, não possui qualquer exceção, admitindo como autores as pessoas naturais, as microempresas e as empresas de pequeno porte. Portanto, não se pode limitar a presença de presos nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o que seria inclusive contrário à garantia do amplo acesso ao Judiciário previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição.

Salienta-se que ao preso (e ao seu advogado) incumbe diligenciar junto à Vara de Execução Penal para comparecer a determinados atos processuais (como a realização de audiência), sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito (art. 51, I, da Lei nº 9.099/95).

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Por ser, em regra, economicamente hipossuficiente, a via célere dos juizados deve ser assegurada para a satisfação de seu direito, sem o pagamento de custas ou despesas processuais em primeira instância (art. 54, da Lei nº 9.099/95).

Logo, não se pode admitir a incidência do art. 8º, da Lei nº 9.099/95 nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, pois além de restringir o acesso dos presos ao Judiciário, contraria os próprios objetivos dos juizados, nos quais, apesar de serem julgadas causas de menor valor financeiro, produzem reflexos sociais e econômicos consideráveis [07].


Notas

  1. ALVIM, J. E. Carreira; SILVA, Leandro Ribeiro da; CAMPOS, Antônio. Lei dos juizados especiais cíveis comentada e anotada. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 56
  2. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais e federais: uma abordagem crítica. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 56
  3. GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Como postular nos Juizados especiais federais cíveis. Niterói: Impetus, 2007, p. 52.
  4. BOLLMANN, Vilian. Juizados especiais federais: comentários à legislação de regência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 47.
  5. SILVA, Antonio F. S. do Amaral e; SCHÄFER, Jairo Gilberto. Juizados especiais federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 58.
  6. SILVEIRA NETTO, Luiz Fernando. Juizados especiais federais cíveis. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 131-132.
  7. Sobre o assunto: CARDOSO, Oscar Valente. Juizados Especiais da Fazenda Pública (Comentários à Lei nº 12.153/2009). São Paulo: Dialética, 2010.
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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. O preso pode ser autor nos Juizados Especiais da Fazenda Pública?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2588, 2 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17070. Acesso em: 26 dez. 2024.

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