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A aplicabilidade do princípio lógico da não-contradição à Ciência do Direito segundo o pensamento de Hans Kelsen e Lourival Vilanova

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RESUMO

O presente trabalho analisa a aplicabilidade do princípio lógico da não-contradição à ciência do Direito conforme o pensamento de Hans Kelsen e Lourival Vilanova, observando que mesmo diante da existência de diversas antinomias, ou conflitos de normas no ordenamento jurídico, essa aparente "contradição" não desconstitui a cientificidade da ciência do Direito. Para uma melhor compreensão do tema abordado, elucidam-se conceitos de filosofia, ciência e ciência do Direito, na tentativa de situá-los em sua inter-relação. Para exemplificar perplexidades tratadas sob o prisma doutrinário, o artigo traz a baila casos de antinomias que existem no ordenamento brasileiro, ilustrando assim a indissociável natureza de teoria e prática. Enfim, conclui observando que para verificação do conhecimento edificado a partir do estudo do ordenamento jurídico, inclusive com suas antinomias, é preciso observar a aplicabilidade do princípio lógico da não-contradição a tal conhecimento, porém, essa reflexão por si só não tem o condão de afastar a eficácia de uma norma que está em conflito com outra, devendo o aplicador do Direito, em um ato de decisão, e não de interpretação ou hermenêutica jurídica, decidir com fundamento no Direito posto, qual norma conflitante deve ser afastada e qual deve ser mantida, para julgar o caso que lhe foi submetido, apesar de, mesmo após esta decisão ser proferida, um conflito normativo dentro do ordenamento, e não uma contradição de enunciados científicos, continuar a existir.

Palavras- chave: Filosofia. Princípio lógico da não-contradição. Antinomias. Ciência do Direito.

"Quando a experiência jurídica encontrou suas correspondentes estruturas lógicas, surgiu a ciência do Direito como sistema autônomo e bem caracterizado de conhecimento."

(Miguel Reale)


1 INTRODUÇÃO

Na evolução histórica do pensamento sobre o fenômeno jurídico, sempre se discutiu sobre a possibilidade de tal reflexão gerar um conhecimento verificável, ou seja, científico, destacando-se nesta celeuma a concepção de Direito e de ciência do Direito desenvolvidas por Hans Kelsen, uma vez que este jus filósofo dedicou-se de maneira inexorável à pretensão de resolver os problemas aparentes à existência de uma teoria geral do Direito, elaborada de acordo com os princípios da pureza metodológica para afirmação de um conhecimento científico-jurídico, de modo que fosse possível precisar a posição da ciência do Direito no sistema das ciências.

Com o intuito de comprovar a cientificidade da ciência do Direito, Kelsen observa a aplicabilidade de princípios lógicos ao conhecimento gerado a partir das reflexões sobre as normas jurídicas, ou seja, sobre o Direito, que segundo o autor é o objeto de estudo dessa ciência, não se confundindo com outros, notadamente os de natureza política ou moral.

De maneira muito clara e objetiva Hans Kelsen determina que conforme a sua Teoria Pura do Direito, Direito é sinônimo de norma jurídica, ou seja, norma positivada pelo Estado e, portanto dotada da coercitividade estatal, configurando-se destarte a norma jurídica como o objeto de estudo da ciência do Direito, que também pode ser chamada de ciência jurídica, e que cotidianamente também é mencionada como sinônimo de doutrina, ou dogmática.

Nesse diapasão, também com intuito de afirmar a cientificidade da ciência do Direito, partindo das bases do pensamento kelseniano, o professor Lourival Vilanova desenvolveu aprofundada análise da lógica jurídica, dedicando-se às reflexões filosóficas que segundo este mestre brasileiro, é imprescindível ao domínio da teoria e da prática jurídica.

Observe-se que a função da lógica é analisar as conexões de todo o conhecimento, todas as asserções da ciência, e dessa forma destaca-se o princípio lógico da não-contradição, como instrumento de investigação abstrata acerca da coerência, consistência e veracidade do conhecimento científico.

Nesse pórtico, o presente trabalho tem como escopo contribuir para elucidação de aspectos deveras importantes acerca da cientificidade da ciência do Direito, e para tanto analisa as circunstâncias da presença do princípio lógico da não-contradição no conhecimento que surge a partir do estudo das normas jurídicas, demonstrando ao final a concepção esposada sobre essa temática, com certa divergência, mas sempre à luz do pensamento de Kelsen e Vilanova, que por sua complexidade requer considerável empenho e inspiração.

Destarte, para que as relações existentes entre filosofia, lógica, ciência, Direito e ciência do Direito sejam mais claramente elucidadas, é necessária a observação de alguns conceitos, afim de que as seguintes conclusões tenham premissas doutrinárias bem fundamentadas, e por fim se perceba a aplicabilidade do princípio lógico da não-contradição à ciência do Direito, bem como as características de sua relação com as normas jurídicas.


2. FILOSOFIA, CIÊNCIA E CIÊNCIA DO DIREITO

Observe-se que ao analisar o ordenamento jurídico e constatar e existência de antinomias, surge um entendimento sobre a atual conjuntura normativa que se encontra esse ordenamento, e tal entendimento para se tornar conhecimento, ou seja, ciência do Direito, precisa ser verificado, o que invariavelmente ocorrerá pela submissão de tal entendimento à reflexão filosófica, ou, aos "ramos" da filosofia, nos quais se encontra a lógica, que quando aplicada às concepções sobre o Direito, assume um viés de lógica deôntica, ou seja, a lógica aplicada aos entendimentos sobre as normas jurídicas, para formação da ciência do dever ser.

Logo, na submissão de um entendimento sobre a existência de antinomias em um ordenamento, à reflexão filosófica, mais especificamente ao campo da lógica, a razão conduz à análise da aplicabilidade do princípio lógico da não-contradição, segundo o qual dentre duas premissas conflitantes no interior de um sistema científico, apenas uma está correta, porém no que concerne o Direito posto, ou Direito positivo, tal conclusão somente será eficaz após a uma manifestação jurisdicional.

Hodiernamente, é comezinho o entendimento que a filosofia é juízo sobre a ciência e não conhecimento de objetos, uma vez que reflete sobre o abstrato, sobre a verdade genérica, não específica, e conforme o professor Miguel Reale (1999, p.12) "A filosofia é, assim, um conhecimento que converte em problema os pressupostos das ciências, como por exemplo, o "espaço", objeto da geometria".

Configura-se então objetivo da filosofia a validade do saber, ou a determinação de seus limites, condições e possibilidades, pois é a investigação crítica e racional do conhecimento geral, não-específico, realizada através de reflexões que permeiam os chamados "ramos ou campos da filosofia", dentre os quais está a lógica.

No entendimento da professora Marilena Chauí (2006, p. 23-24) "A filosofia não é ciência: é uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é, sobre procedimentos e conceitos científicos", ou seja, a filosofia estabelece os pressupostos essenciais da ciência.

Conforme a classificação aristotélica, a filosofia divide-se em ramos ou campos de investigação, quais sejam: 1) reflexões sobre o ser: ontologia ou metafísica; 2) reflexões sobre as ações humanas: ética e estética; e 3) reflexões sobre a capacidade humana de conhecer: epistemologia e lógica. (CHAUÍ/2006, p. 45). Note-se que essas reflexões permitem a verificação, racional e empírica, das matrizes do conhecimento, ou seja, das bases da ciência.

Para Miguel Reale (1999, p.13) "Ciência é sistema de conhecimentos metodicamente adquiridos e de validade universal pela verificação, inclusive experimental, da certeza de seus dados e resultados", ou seja, a ciência é o conhecimento testado, submetido à prova.

Nas palavras de Marilena Chauí (2006, p.221) sobre o conceito ciência:

A concepção empirista – que vai da medicina grega até o final do século XIX – afirma que a ciência é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento.

Ou seja, classicamente o conceito de ciência permaneceu (e em boa medida ainda permanece) considerado como um conhecimento racional e empiricamente verificado de objetos, entretanto, hodiernamente há um entendimento que partindo da concepção acima mencionada, ressalta a importância de, quando necessário, se corrigir verdades científicas a partir da modificação de premissas, para que o conhecimento acompanhe as modificações da verdade, ou da realidade do seu objeto de estudo.

Assim, sobre o mais recente conceito de ciência, para qual o pensamento de Immanuel Kant [01] contribuiu de maneira indelével, Marilena Chauí (2006, p. 222) afirma que:

A concepção construtivista – iniciada em nosso século (XX) – considera a ciência uma construção de modelos explicativos para a realidade, e não uma representação da própria realidade. O cientista combina dois procedimentos – um vindo do racionalismo, outro vindo do empirismo – e a eles acrescenta um terceiro, vindo da idéia de conhecimento aproximativo e corrigível.

Destarte, evidenciada a indispensabilidade de se determinar o objeto de estudo da ciência do Direito, para que então se pudesse desenvolver um conhecimento consistente sobre esse objeto, Kelsen, com rigor metodológico observa que Direito, na verdade, era sinônimo de normas jurídicas, ou seja, as normas que emanam do Estado, e que outros aspectos do saber humano, como normas morais e máximas políticas não deveriam se confundir com ele.

Conforme Hans Kelsen (2006, p.79) "Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação –menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica.", assim, na busca pela definição precisa do objeto de estudo da ciência do Direito, Kelsen afastou os elementos que compõem objetos do estudo de outras ciências ou ramos da filosofia, como o poder e a moral, que respectivamente são os objetos de estudo da ciência política e da ética, não da ciência do Direito.

Todavia, ele não desconsiderou que tanto o poder como a moral possuem muitas e intensas relações com o Direito, mas com ele não devem se confundir, e nesse mesmo pórtico, também não foi desconsiderado o fato de haver imperfeições e conflitos de Direito, ou seja, antinomias no interior do sistema positivo, tendo em vista que a perfeição do ordenamento jurídico além de não ser viável, não é pressuposto indispensável para a edificação e afirmação de uma ciência do Direito, pois se fosse seria o mesmo que ignorar a realidade, o que uma ação desprovida de sensatez, ainda mais quando o que se busca é conhecer esta realidade!

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Segundo Hans Kelsen (2006, p.1):

A teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo. [...] quando a si própria designa como "pura" teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir desse conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente determinar como Direito. Quer isso dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhes são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

Buscou-se destarte, a construção de uma Teoria Pura do Direito, não de uma Teoria do Direito Puro, pois tamanha é a complexidade, e muitos são os conflitos normativos que caracterizam o Direito, é justamente por essa razão que se ressalta a importância da verificação do entendimento que surge a partir do estudo do Direito, ou seja, das normas jurídicas, assim é preciso observar a aplicabilidade de princípios lógicos a este entendimento, como condição primeira de sua cientificidade, e uma vez constatada a presença de tais princípios lógicos no entendimento analisado, surge então o conhecimento jurídico, ou seja, a ciência do Direito, ou ainda, a concepção correta sobre as normas que disciplinam o convívio social, conseguinte tão caras a este, pois é a "pedra angular" da viabilidade de toda sociedade.

Para o professor Lourival Vilanova (2005, p.195):

A consistência (compatibilidade formal) repousa na lei de não-contradição: dois enunciados contraditórios, p e não-p, não podem ser ambos verdadeiros no interior do mesmo sistema. Se a consistência funda-se na lei de não- contradição, a completude repousa na lei de exclusão de terceiro, ou seja: dois enunciados contraditórios não podem ser ambos falsos dentro do sistema.

Desse modo, observa-se que para um determinado sistema de conhecimentos ser considerado científico, é necessário que tal sistema seja consistente e coerente, ou seja, que suas proposições, ou seus enunciados, sejam verdadeiros e tenham sentido harmônico, sem contradições, logo, na busca por essa condição, com o escopo de realizar tal verificação, é possível e preciso aplicar o princípio lógico de não-contradição aos entendimentos que surgem a partir do estudo do Direito.


3 APLICABILIDADE DO PRINCIPIO LÓGICO DA NÃO-CONTRADIÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO E ÀS NORMAS SEGUNDO KELSEN

Note-se que o princípio lógico da não-contradição, é o princípio segundo o qual duas proposições conflitantes não podem ser ao mesmo tempo verdadeiras no interior de um sistema científico. Considerando-se que a ciência do Direito é o conjunto de conhecimentos sistematizados, e filosoficamente verificados acerca das normas jurídicas, que segundo Kelsen é sinônimo de norma positivada, é de suma importância que esses conhecimentos sejam verificados através da aplicabilidade desse princípio, pois consoante John Stuart Mill apud Hans Kelsen (1986, p.242) "Lógica, pois, é a "ciência" [02] das operações do entendimento, as quais são úteis à avaliação da evidência".

De acordo com Rudolf Carnap apud Hans Kelsen (1986, p. 243) "A função da análise lógica é analisar todo conhecimento, todas as asserções da ciência e da vida cotidiana a fim de tornar claro o sentido de cada semelhante asserção e as conexões entre elas.", ou seja, a lógica, e a filosofia como um todo, se atém à analise da viabilidade do conhecimentosobre os objetos, pois do conhecimento propriamente acerca dos objetos trata a ciência.

Então, observa-se que os princípios lógicos, e notadamente o de não-contradição, governam, como princípios universais, todas as ciências, e observando-se a aplicabilidade de princípios lógicos ao entendimento adquirido a partir do estudo metódico sobre as normas jurídicas, ou seja, sobre o Direito, surgindo um conhecimento, é possível concluir que este é racionalmente verificável, ademais, estando os enunciados sobre o Direito em harmonia com o princípio lógico da não-contradição, é possível confirmar a veracidade desse conhecimento, o que proporciona no aspecto teórico uma conclusão sobre a cientificidade da ciência do Direito, e no prático uma melhor, mais clara e eficiente prestação jurisdicional.

Nota-se então, que a atividade de investigação que tem a norma jurídica como objeto de estudo, é de fato ciência, devido adquirir e sistematizar metodicamente um conhecimento no qual existem estruturas lógicas, e ao qual se é possível aplicar o princípio lógico da não-contradição, e que por essa razão é racionalmente verificável.

Entretanto, resta saber se tais princípios lógicos se aplicam às normas, uma vez que elas também se apresentam através de proposições, ou seja, de orações, e por que não dizer? Da linguagem. Eis um relevante diferencial entre o objeto da ciência jurídica, e o objeto de ciências naturais como a biologia, que estuda os organismos dos seres vivos, enquanto a ciência do Direito estuda as intelecções que emanam do texto normativo, logo, o substrato das normas jurídicas só existe no plano material em forma de orações, períodos ou frases.

Conforme Hans Kelsen (1986, p.241) "normas nem são verdadeiras nem falsas, os princípios da lógica tradicional, conforme opinião usual, podem ser aplicados somente a proposições que são verdadeiras ou falsas", assim, surgiu diversas teorias acerca de como este conhecimento, verdadeiro ou falso, que é criado a partir do estudo das normas, ao qual é possível aplicar os princípios lógicos, é produzido, e Kelsen no Livro Teoria Geral das Normas cita e desconstrói todas as respectivas teorias, apresentando entendimento diverso.

Para Kelsen, segundo Jorgensen: esse conhecimento surge através do "fator indicativo" imanente ao "fator imperativo"; segundo Husserl: surge através do "conteúdo teorético"; segundo Sigwart: surge através da asserção contida no imperativo; segundo Dubislav: surge através da "transformação" das proposições de exigência em proposições de asserção; segundo Hofstadter e Mckinsey: surge através da analogia entre "certeza de um imperativo" e "verdade de um enunciado"; segundo Alf Ross: surge a partir da paralela "entre valor-cumprimento de um imperativo" e "valor verdade de um enunciado"; e segundo Gerhard Frey: surge através da "correspondência das proposições descritivas às proposições imperativas". (KELSEN/1986, p. 244-263)

Kelsen discorda de todas as teorias de surgimento desse conhecimento por entender não haver quaisquer imanências, correspondências, transformações ou analogias entre norma e enunciado, devido conceber que ao sentido da norma corresponde ou não corresponde apenas e tão somente à efetiva conduta do destinatário da norma, uma vez que os enunciados, ou seja, o conhecimento científico sobre a norma surgirá em outras perspectivas, dependendo destarte de interpretações diversas que possam aparecer no ambiente de reflexão científica, porém ao destinatário da norma caberá o seu efetivo cumprimento. (KELSEN/1986, p.264)

Por exemplo, no antigo processo de execução de título judicial, o executado defendia-se através da ação autônoma de embargos à execução, que necessitava da prévia segurança do juízo através da penhora ou de depósito, e tinha efeito suspensivo, conforme o texto modificado do art.736 e revogado dos artigos 737 e 739 § 1º do CPC – Código de Processo Civil.

Após a reforma realizada pela Lei 11.232/05, na execução de título judicial o executado irá defender-se através do instituto da impugnação, que diferentemente dos antigos embargos à execução, não têm, a rigor, efeito suspensivo, mas o juízo também precisa estar seguro para sua proposição, conforme determinou a redação do § 1ºdo art. 475-J, e caput do art. 475-M do CPC.

Consoante Nery Junior e Nery (2006, p.642):

A impugnação tem natureza jurídica híbrida – misto de ação e de defesa – e deve ser ajuizada por meio de petição inicial, observados no que couber, o disposto no CPC 282 e 283. Na execução de sentença, que se faz pelo instituto do cumprimento de sentença, a segurança do juízo se dá pela penhora, de modo que o devedor só poderá valer-se da impugnação depois de realizada a penhora. Como diz a norma comentada, o executado será intimado para oferecer impugnação, depois de haver sido realizada a penhora e a avaliação. (grifo nosso)

Esse entendimento sobre a norma em questão, ao qual nos perfilhamos, também é esposado por outros autores, pois nas palavras de Wambier, L.; Wambier, T. e Medina (2007, p. 194):

No caso do cumprimento de sentença, foi mantida a penhora como condição para apresentação de impugnação. Diante disso, parece-nos correto entender que a exceção de pré-executividade continua admissível, antes da realização da penhora, nos casos em que falte algum dos requisitos para execução da sentença. (grifo nosso)

Entretanto, há uma interpretação aparentemente contra legem do § 1º do art. 475-J, com entendimento diverso de que não é necessária a segurança do juízo para o oferecimento da impugnação ao cumprimento sentença, pois segundo Marinoni (2007, p. 290):

Para a apresentação de impugnação não se requer a prévia segurança do juízo. Não há regra sobre a questão e o Art. 475-J, § 1º, poderia insinuar outra resposta, já que diz que a intimação para o executado impugnar se dá depois de realizada a penhora. O Art. 736 expressamente permite o oferecimento de embargos à execução de título extrajudicial independentemente de prévia garantia do juízo. [...] A prévia realização da penhora não é mais imprescindível para tornar o juízo seguro enquanto são processados a impugnação e os embargos [...] e como a impugnação não exige prévia segurança do juízo, a exceção de pré-executividade somente pode invocar questões posteriores à penhora.(grifos nossos)

O entendimento do autor supramencionado reside no fato de após a reforma realizada com o advento das Leis 11.232/05 e 11.382/06, o CPC exigir a segurança do juízo apenas para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença, e autorizar a proposição de embargos à execução de título extrajudicial, sem a prévia segurança do juízo. Ora, se os processos de execução são distintos é razoável que o executado também tenha meios de defesa específicos em cada processo, conforme foi estabelecido pela reforma legislativa.

Desse modo, aplicando o pensamento de Kelsen ao exemplo mencionado, que versa sobre a ciência do Direito processual civil, observa-se que apesar da existência de um enunciado científico que difere completamente do que determina a norma processual civil, ela, a norma, permanece incólume em sua eficácia, e continua correspondendo apenas à conduta que deve ter o seu destinatário, qual seja, neste caso, o executado que pretende oferecer impugnação ao cumprimento de sentença, ou seja, àquele que pretende defender-se na execução de título judicial, e não corresponde de modo algum ao entendimento do supramencionado autor ou de qualquer outro pensador que também contribua para o desenvolvimento da ciência do Direito.

Logo, na situação trazida como exemplo, na qual se evidenciam enunciados conflitantes sobre uma determinada norma, é possível, guiando-se pelo rigor indispensável ao raciocínio científico, aplicar o princípio lógico da não-contradição aos tais enunciados, analisando-os e concluindo-se pela veracidade de um em face da inverdade de outro, e da mesma forma poder-se-ia proceder, caso houvesse duas normas conflitantes que suscitassem enunciados diversos, pois assim resolver-se-ia a contradição de enunciados científicos acerca de normas conflitantes, porém o conflito normativo continuaria a existir, até o advento de nova lei que revogasse expressamente o conteúdo conflituoso das anteriores.

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Sobre o autor
Hudson Palhano de Oliveira Galvão

Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Norte. Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2008), é Mestrando em Direito Constitucional pelo PPGD - Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRN, e bolsista do PRH - ANP/MCT Nº36.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALVÃO, Hudson Palhano Oliveira. A aplicabilidade do princípio lógico da não-contradição à Ciência do Direito segundo o pensamento de Hans Kelsen e Lourival Vilanova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17098. Acesso em: 19 abr. 2024.

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