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Da (im)possibilidade de denúncia genérica nos crimes societários

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Considerações Finais

Diante de todo o exposto, evidencia-se, para a boa compreensão da matéria ora em apreço, a essencialidade da distinção entre ‘denúncia geral’ e ‘denúncia genérica’. Entendida a primeira como a descrição clara e precisa do fato criminoso, na inicial acusatória, e a sua imputação a todos os acusados (seja pelo fato de que todos dele participaram, seja pela impossibilidade de esmiuçar a conduta de cada acusado, individualmente considerado), não se vislumbra maiores problemas à sua aceitação na doutrina e na jurisprudência pátrias, uma vez que a denúncia geral possibilita ao acusado o conhecimento preciso da imputação que lhe é feita, não lhe impedindo ou dificultando a defesa.

Por outro lado, a denúncia genérica caracteriza-se justamente pela não-individualização das condutas/fatos criminosos narrados, de forma que todos são atribuídos, indistintamente, a todos os acusados – atitude esta de inegável desrespeito, pelo órgão acusador, aos princípios constitucionais que tutelam o acusado e, em última análise, que asseguram o próprio "ius libertatis".

Desse modo, a ausência de relação de pertinência subjetiva entre os acusados e os fatos narrados na inicial acusatória – traço marcante da denúncia genérica – viola diversos postulados constitucionais, tais como o devido processo legal em sua vertente adjetiva, em que se enquadram as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88), o princípio da não-culpabilidade ou da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88), o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88) e, em última análise, o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). Destarte, defende-se a impossibilidade de aceitação da denúncia genérica em quaisquer crimes, inclusive, nos denominados crimes societários.


Referências Bibliográficas

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_____________________. A acusação genérica nos crimes societários. Revista CEJ/ Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Ano IV, n. 10, jan./abr. 2000. Brasília: CJF, 2000, p. 35 a 41.

QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Denúncia genérica nos crimes societários: um retrocesso ao Estado Novo. Análise sob o ponto de vista da atual ordem constitucional, do direito supralegal e da legislação ordinária. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, v. 08, n. 47, dez./jan. 2008. Porto Alegre: Síntese, 2008, p. 67-77.


Notas

  1. MACHADO, Hugo de Brito. Responsabilidade penal no âmbito das empresas. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3009>. Acesso em: 13 abr. 2010.
  2. PRATES, Renato Martins. A acusação genérica nos crimes societários. Revista CEJ/ Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Ano IV, n. 10, jan./abr. 2000. Brasília: CJF, 2000, p. 36.
  3. Idem, ibidem, p. 36.
  4. STJ – RHC n°. 22.593/SP, Relatora Min. JANE SILVA (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Sexta Turma, DJe 13.10.2008.
  5. STJ – RHC n°. 24.515/DF, Relator Min. CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 16.03.2009.
  6. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, apud PRATES, Renato Martins. A acusação genérica nos crimes societários. Revista CEJ/ Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Ano IV, n. 10, jan./abr. 2000. Brasília: CJF, 2000, p. 37.
  7. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal – 5. ed. rev., atual. e ampl. 3. tir. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 220.
  8. STJ - HC 31.294/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Sexta Turma, DJ 09/10/2006.
  9. STJ - HC 62.328/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, DJe 04/08/2008.
  10. STJ – RHC n°. 22.593/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Sexta Turma, DJe 13.10.2008.
  11. QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Denúncia genérica nos crimes societários: um retrocesso ao Estado Novo. Análise sob o ponto de vista da atual ordem constitucional, do direito supralegal e da legislação ordinária. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, v. 08, n. 47, dez./jan. 2008. Porto Alegre: Síntese, 2008, p. 70.
  12. STF - Habeas Corpus nº. 86.879/SP, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Rel. Ministro para acórdão GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJ 16.06.2006.
  13. STJ – RHC n°. 24.515/DF, Relator Min. CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 16.03.2009.
  14. STJ - HC 65.463/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 25/05/2009.
  15. PRATES, Renato Martins. A acusação genérica nos crimes societários. Revista CEJ/ Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Ano IV, n. 10, jan./abr. 2000. Brasília: CJF, 2000, p. 38.
  16. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 528.
  17. Excerto extraído do voto do Ministro CELSO DE MELLO, no julgamento do Habeas Corpus nº. 86.879/SP, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Rel. Ministro para acórdão GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJ 16.06.2006.
  18. STJ – RHC n°. 24.515/DF, Relator Min. CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 16.03.2009.
  19. QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Denúncia genérica nos crimes societários: um retrocesso ao Estado Novo. Análise sob o ponto de vista da atual ordem constitucional, do direito supralegal e da legislação ordinária. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, v. 08, n. 47, dez./jan. 2008. Porto Alegre: Síntese, 2008, p. 67-68.
  20. PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 53.
  21. QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Denúncia genérica nos crimes societários: um retrocesso ao Estado Novo. Análise sob o ponto de vista da atual ordem constitucional, do direito supralegal e da legislação ordinária. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, v. 08, n. 47, dez./jan. 2008. Porto Alegre: Síntese, 2008, p. 73.
  22. STF - Habeas Corpus nº. 86.879/SP, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Rel. Ministro para acórdão GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJ 16.06.2006.
  23. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 529.
  24. Idem, ibidem, p. 529.
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Sobre a autora
Marília Silva Ribeiro de Lima

Advogada; Pós-graduanda em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Marília Silva Ribeiro. Da (im)possibilidade de denúncia genérica nos crimes societários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2592, 6 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17111. Acesso em: 29 mar. 2024.

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