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A prova ilícita no CPPM em face das novas alterações da legislação processual penal comum

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22/11/2010 às 16:22
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7.Reflexos da alteração do CPP na disciplina da prova ilícita na persecução do crime militar

Partindo agora para a razão deste breve estudo, a inovação legislativa trazida pela Lei n. 11.690/08, esquecendo-se o legislador, como de costume, de idealizar alterações no CPPM, trouxe a necessidade de estudarmos se a teoria da prova ilícita grafada no CPP pode ser também conduzida ao processo penal militar.

Inicialmente deve-se lembrar que o art. 295 do CPPM dispõe que é admissível, nos termos do Código, qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia ou a disciplina militares. Consagra-se, assim, o princípio da liberdade da prova, que ao lado dos princípios da busca da verdade real e do livre convencimento do juiz, fixa a tríade reitora da disciplina das provas no processo penal.

Note-se que a lei processual penal militar não se refere à prova ilícita, o que poderia ter sido sanado se a Lei n. 11.690/08 lembrasse do Código Processual Castrense.

Na omissão da lei processual penal militar, no entanto, devemos buscar uma solução plausível para os problemas acerca da matéria que nos são apresentados.

Nesse mister, a primeira solução idealizada seria a aplicação dos dispositivos do CPP ao CPPM, com a permissão da alínea "a" do art. 3º do próprio CPPM, diante da omissão verificada, como acima se demonstrou viável em outras situações discutidas.

Todavia, parece-nos mais adequado simplesmente entender que a disciplina da prova ilícita deva guardar semelhança com o que já era discutido no Direito Processual Penal comum antes das alterações legislativas, sem a necessidade de aplicação do CPP, ou seja, com as devidas correções, o artigo 295 do CPPM deve sofrer uma releitura, segundo a qual são inadmissíveis no processo penal militar – e, é claro, também no procedimento de polícia judiciária militar – a prova obtida, diretamente ou por derivação, por meio ilícito, nos termos do inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal. Todavia, essa inadmissibilidade deve ser temperada pelo princípio da proporcionalidade, também podendo ser usadas as provas ilícitas diretas ou por derivação – apenas pro reo, frise-se bem –, utilizando-se dos mesmos critérios hoje vigentes na legislação processual penal comum.


8.Conclusão

Dia após dia, percebe-se um descompasso entre a legislação penal comum e militar, tanto material como processual. Esse descompasso, em grande monta, senão totalmente, deve-se a uma odiosa prática legislativa que costumeiramente idealiza soluções para lei penal comum, olvidando-se da lei penal militar.

Em face dessas disparidades, cabe-nos apenas, sob os mais efusivos protestos, tentar aproximar as duas legislações, naquilo que não afrontar as peculiaridades intangíveis do Direito Castrense, lançando mão de técnicas de interpretação nem sempre bem aceitas.

Esse é exatamente o caso da disciplina das provas ilícitas no CPPM que, por mais uma desastrosa técnica legislativa, não conheceu, pela recente alteração do CPPM, inovações importantes trazidas ao mundo jurídico à norma posta, fazendo presente uma visão já defendida pela doutrina e jurisprudência dominantes.

Todavia, parece-nos óbvia a possibilidade de aplicação dos novos postulados aos procedimentos e processos atrelados à persecução do crime militar, havendo, inclusive, respaldo no próprio Código Processual Castrense para essa aplicação supletiva, conforme demonstrado, o que esperamos seja, senão seguido, ao menos debatido pelos atores do Direito Penal Militar, substantivo e adjetivo.


Notas

  1. GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 371.
  2. Idem, ibidem, citando o Livro III, Título 63 das Ordenações Filipinas.
  3. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 105
  4. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 106.
  5. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 63.
  6. LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Método, 2009, p. 354.
  7. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 2007, p. 90-2.
  8. Como se sabe, com o advento da Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, a perícia, nos termos do art. 159 do CPP, quando realizada por perito oficial, ou seja, de órgão oficial de perícia do Estado, pode ser realizada por apenas um perito. Apesar de essa lei não ter alterado o CPPM, a compreensão deve ser a mesma, ou seja, se, por exemplo, no curso de um IPM o encarregado solicitar uma perícia ao Instituto de Criminalística, o laudo virá lavrado por apenas um perito. Contudo, em se tratando de perícia por órgão não oficial, a nomeação deve recair ainda sobre dois peritos, em observância à Súmula 361 do STF. Na visão de Ronaldo Roth, no entanto, mesmo no caso da nomeação de perito não oficiais (ou perito louvado) é possível a nomeação de único perito, seguindo estritamente o disposto no art. 319 do CPPM, que menciona a nomeação de dois peritos sempre que possível. Para o caro autor claro "está que a participação de dois peritos na realização da perícia será sempre mais conveniente, quando isso for possível, tornando aquele procedimento mais robusto tecnicamente, pois contará, assim, com o exame de mais de um expert nomeado pelo juiz no processo penal militar; todavia, não há censura se a perícia for feita por único perito, conforme autoriza a lei". In ROTH, Ronaldo João. Peritos no processo penal militar: um ou dois, o que é válido? Revista Direito Militar, Ano XII, Nº 82. Florianópolis:AMAJME, março/abril 2010, p. 18.
  9. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES; Antonio Scarance e FILHO; Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2007, p. 163.
  10. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 2007, p. 96-7.
  11. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2007, p. 161.
  12. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2007, p. 162.
  13. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2007, p. 162.
  14. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 2010, 6ª ed., p. 86.
  15. LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Método, 2009, p. 41.
  16. AZEVEDO, Luiz Eduardo de Oliveira. Questões controvertidas de processo penal militar. Revista Direito Militar, Ano XII, Nº 82. Florianópolis:AMAJME, março/abril 2010, p. 25
  17. COLDIBELLI, Nelson e MIGUEL, Cláudio Amin. Elementos de direito processual penal militar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 145-6.
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Sobre o autor
Cícero Robson Coimbra Neves

Promotor de Justiça Militar em Santa Maria/RS. Mestre em Direito Penal pela PUC/SP (2008) e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo (2013). Foi Oficial Temporário do Exército, de Artilharia (1989 a 1991), e Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ingressando na Reserva não Remunerada no posto de Capitão (1992 a 2013). Foi professor de Direito Penal Militar na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (2000 a 2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Cícero Robson Coimbra. A prova ilícita no CPPM em face das novas alterações da legislação processual penal comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2700, 22 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17159. Acesso em: 19 abr. 2024.

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