Em setembro de 2009, por meio de ato do Governador e do Secretário da Fazenda do Estado do Ceará, entrou em vigor o Decreto Estadual n° 29.817/2009. Conforme se verá adiante, alguns pontos de tal decreto mostram-se temerários e claramente ilegais, na medida em que impõe obrigações tributárias principais e acessórias com base em mero ato administrativo, contrariando expressamente o princípio da legalidade previsto em nossa Constituição Federal. Enquanto a nossa Carta Magna determina que nas operações interestaduais com não contribuintes do ICMS devem ser aplicadas alíquotas internas dos Estados de onde as mercadorias derem saída (artigo 155, parágrafo segundo, inciso VII, alínea "b"), nos artigos 6-A e 6-B do referido Decreto, dispõe-se que quaisquer operações interestaduais devem ser tributadas, desde que estas estejam acima de um determinado valor (500 UFIRCEs). Ou seja, referido dispositivo estabelece expressamente que, quando ocorrer a entrada de mercadorias no território do Ceará, oriundas de outras unidades da Federação, o fornecedor ou transportador deverá recolher um diferencial de alíquota de ICMS, calculado sobre o valor da nota fiscal que acompanha a mercadoria, não distinguindo as operações entre contribuintes das operações com não-contribuintes, o que gera completa insegurança jurídica e ofende frontalmente a Lei Maior. Por óbvio, aludida regra deveria ser aplicada somente às operações entre contribuintes do ICMS, em respeito à Constituição Federal, sob pena de ofensa aos princípios da estrita legalidade tributária e da hierarquia das leis.
O que aos olhos do jurisdicionado parece ser mais absurdo é o fato de o artigo 6-B exigir tal diferencial de alíquota de ICMS, inclusive, quando os destinatários finais dos produtos que entram no Ceará são não contribuintes do referido imposto. Ora, caros leitores, tal cobrança é ilegal não só por conta do art. 155 da Constituição Federal, como também em virtude do art. 6º da Lei Complementar n. 87/1996, que dispõe que a substituição tributária nas operações interestaduais envolvem apenas o diferencial de alíquota que é exigido em operações entre contribuintes do imposto. Fora dessa hipótese, tal exigência tributária pode ser vista como um verdadeiro "se colar colou" utilizado pelo legislador cearense.
Se não bastassem as ilegalidades acima apontadas, a Secretaria da Fazenda do Ceará, através de seus postos fiscais de fronteira, não para aí com as arbitrariedades cometidas, vez que nas operações de entrada de mercadorias naquele Estado ela vem apurando o valor do famigerado ICMS complementar supostamente devido e já emitindo o DAE (documento de arrecadação estadual), retendo as mercadorias até que seja pago o valor constante daquele boleto. Ou seja, o fisco não vem dando sequer a oportunidade de o contribuinte discutir pelas vias próprias a incidência daquele imposto, caso não concorde com aquela cobrança, coagindo-o a pagar imediatamente o imposto para ver suas mercadorias liberadas.
No entanto, óbvio que atos dessa lavra (retenção/apreensão de mercadorias) não merecem vicejar. Primeiro, porque o próprio Supremo Tribunal Federal,por meio da Súmula 323,já decidiu ser ilegal a APREENSÃO de mercadorias, como forma de coagir o contribuinte ao pagamento do tributo lançado. É o que se colhe pela mera leitura da Súmula 323, segundo a qual "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos". No mesmo sentido é a Súmula nº 31 do TJ/CE: "Padece de ilegalidade e ilicitude a apreensão de mercadorias pelo fisco como forma coercitiva de pagamento de tributos, devendo a satisfação do crédito tributário ocorrer mediante a instauração de procedimento administrativo e jurisdicional próprios à sua constituição e execução, respectivamente".
A matéria acima explanada não só é polêmica e atual, bem como vem causando muita repercussão e revolta no meio empresarial, o que pode ser visto com o ajuizamento de muitas demandas perante o Poder Judiciário Cearense, em ataque às ilegalidades aqui debatidas. Assim, pela melhor interpretação do Direito, dos magistrados cearenses nada menos se espera senão a formação de uma jurisprudência que caminhe no sentido de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade das ilegalidades resultantes do Decreto Estadual Cearense n° 29.8217/2009, bem como dos atos praticados pela SEFAZ do Estado do Ceará.