Em junho de 2007 a Lei nº. 11.495 alterou a redação do art. 836 da CLT, instituindo depósito prévio de vinte por cento sobre o valor da causa para admissão de ação rescisória na Justiça do Trabalho. Antes não havia esta obrigação.
Por instrução
normativa o TST determinou que "o valor da causa da ação rescisória que visa desconstituir decisão da fase de execução corresponderá ao valor apurado em liquidação de sentença" e na fase de conhecimento o valor da condenação. Tudo deve ser reajustado pela variação cumulada do INPC do IBGE até a data do seu ajuizamento.Também por instrução normativa decidiu o TST que "o valor depositado será revertido em favor do réu, a título de multa, caso o pedido deduzido na ação rescisória seja julgado, por unanimidade de votos, improcedente ou inadmissível".
A obrigação é insubsistente e nula. É inconstitucional a Lei que estabeleceu o depósito em tal percentual, bem como a normativa do TST, em atividade legislativa.
Ofensas Constitucionais
Ao impor o prévio depósito em tal percentual como condição à postulação de ação rescisória, a regra fere, a um só tempo, o inciso IV do art. 3º, o inciso XXXV do artigo 5º, e o art. 170, todos da CRFB.
Ao teor do inciso XXXV do art. 5º, "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito".
A exigência de prévio depósito em monta correspondente a um quinto do valor da condenação, que se quer revertida, representa obstáculo e cerceio ao direito do jurisdicionado de acesso ao Poder Judiciário.
Somando-se as já limitadíssimas hipóteses clausuladas pelo CPC no art. 485 que são adotadas no Processo Trabalhista, o legislador impôs condição que, por comando do TST, se converteu em risco de expressão econômica.
A garantia do acesso ao Judiciário veio pela primeira vez explícita na Constituição Federal de 1946, que em seu art. 141, parágrafo 4º, dispunha: "A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual". Pontes de Miranda classificou-o como "a mais típica e a mais prestante criação de 1946".
A Lei 11.495/2007, que alterou o art. 836 da CLT, repete dispositivos já condenados e declarados inconstitucionais pelo STF.
Quando da edição da Súmula Vinculante nº. 28, muito se discutiu sobre a exigência de realização de depósito prévio como requisito de ação judicial.
De acordo com o texto aprovado pelo STF "é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário".
O intuito do STF, nas palavras da Min. Ellen Gracie, foi impedir "a exigência de qualquer centavo de depósito".
Quando de seu voto na aprovação da citada Súmula, a Min. Cármen Lúcia declara que "na verdade, a legislação tinha criado uma condição para ter acesso ao Judiciário, que é vedado constitucionalmente. É isso que nós estamos querendo dizer. Repetir a Constituição: pode entrar em juízo e para tanto não se pode exigir depósito prévio".
Do conteúdo desta declaração tem-se que o depósito exigido no art. 836 CLT cai sob a hipótese da Súmula Vinculante 28 do STF.
É sepultado também pelo teor da Súmula Vinculante nº. 21, segundo a qual "é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo".
Ao se exigir um quinto do valor da causa para a propositura de ação rescisória na Justiça do Trabalho, nada mais fez o legislador do que repetir dispositivo similar já declarado inconstitucional pelo STF.
Na Justiça Comum o percentual é de 5% (cinco por cento), já consolidado como razoável.
A elevação de percentual em tal monta na Justiça do Trabalho, mormente pelo teor das instruções normativas expedidas pelo TST, constitui ato de absoluta discriminação e repressão à atividade empresária no Brasil (art. 3º, IV da CRFB).
Ofende também a Ordem Econômica (art. 170 da CRFB), posto haver casos em que o quinto exigido muitas vezes corresponde a 100% (cem por cento) do patrimônio ou capital social do jurisdicionado, isto porque não buscou o legislador contemplar a pessoa física em atividade empresária individual, a pequena e a micro-empresa, dando-lhes tratamento diferenciado.
O perdimento do depósito por norma do TST, com todo o respeito, é ofensivo ao direito de propriedade.
De notar que o legislador da Lei 11.495/07 não autorizou a expropriação ou a conversão do depósito prévio em multa em favor do réu. O legislador tão somente estabeleceu uma condição de acesso à jurisdição. Em momento algum o legislador autoriza conversão do depósito a título de multa, tampouco o seu perdimento em favor do réu.
Aliás, de dizer que o que se imaginou inicialmente com tão elevado percentual é que o legislador estivesse querendo estabelecer melhor garantia e recebimento imediato da execução da sentença, passada eventual suspensão da execução, por ato emanado da ação rescisória.
O legislador, na alteração da redação do art. 836 CLT, passou ao largo da ordem ditada no inciso II do art. 488 do CPC, que trata da elaboração da petição de Ação Rescisória no Processo Civil Comum Estadual ou Federal.
O Quinto, os Sindicatos, a Derrama, a Inconfidência Mineira e a República
Não foram poucas as vezes, nos julgamentos de ações de cumprimento e/ou dissídios coletivos nos tribunais trabalhistas, em que emergiram as dúvidas dos julgadores quanto à efetiva disposição de defesa dos departamentos jurídicos de uma ou outra empresa pública, mormente quanto às reposições salariais.
Notório o conflito, razão pela qual muitas empresas se afastavam do seu quadro de advogados, optando por contratar escritórios e/ou advogados independentes.
Imagine-se o caso de um sindicato que logrou em dissídio coletivo decisão favorável contra empresa pública ou de economia mista cuja ação de cumprimento resultou em liquidação de R$420 milhões. 420 milhões de reais é o valor da execução. A empresa na questão imaginada identifica situação que autorize a anulação da execução, também rescisão da condenação, e assim resolve mover ação rescisória. Ao teor do art. 836 da CLT, com a redação dada pelo art. 1º da Lei 11.495/2007, será obrigada a depositar R$84 milhões como condição prévia para recebimento de sua ação no Tribunal trabalhista competente.
Agora imagine que a "situação identificada" tenha sido engendrada com o deliberado propósito de obter a sucumbência da empresa/autora e o consequente "perdimento" do depósito em favor do sindicato/réu. Resultado: R$84 milhões nos cofres do sindicato/réu. É muito dinheiro!!!
Considere-se também situação em que o corpo jurídico desta mesma empresa, com problemas em seu fluxo de caixa, contra jurisprudência dominante, desenvolva petição de ação rescisória e que, diante da obrigação do depósito prévio de R$84 milhões, a decisão do ajuizamento seja levada ao cargo do Conselho Deliberativo que, por temor da conversão do depósito em multa, decide pagar a conta de R$420 milhões em 60 parcelas mensais, acordados com o sindicato. Imagine-se, então, passados dois anos, viessem os tribunais superiores a rever o entendimento jurisprudencial e, tendo optado por "arriscar" o depósito prévio, tivesse a empresa alcançado a rescisão da condenação/execução. Teria o Conselho Administrativo conservado capital de R$420 milhões na empresa. Vitória do erário, do contribuinte do desenvolvimento empresarial/econômico.
Por temor ou impossibilidade de pagar a conta para ultrapassar o obstáculo criado no acesso à Justiça, à efetividade jurisdicional, perdem a empresa, o cidadão, o contribuinte. Perdem o conjunto social, a atividade empresária, o Estado Democrático, a República Federativa do Brasil.
Nenhum dispositivo legal pode impor temor de acesso ao Judiciário, tampouco oportunizar a construção de vias ao enriquecimento sem causa, seja às custas do dinheiro público ou privado.
São enormes os riscos que tal depósito prévio e seu perdimento a título de multa oportunizam contra os que empreendem individualmente, contra as médias e pequenas corporações – menos organizadas e destituídas de controles.
"Nosso código genético carrega instintos egoístas e agressivos que foram vantagens necessárias para a sobrevivência no passado"1. A observação é do astrofísico Stephen Hawking prevendo desastre humano nos próximos 100 anos diante da devastação perpetrada contra os recursos finitos do planeta.
A Lei 11.495/2007 e as Instruções Normativas nº. 31/2007 e nº. 154/2009 fertilizam o campo para ações inimagináveis de agentes em cujo DNA prepondera o egoísmo e a agressividade.
O Poder Judiciário não pode admitir – nem abrir oportunidade, por mínima que seja – o exercício humano de tais instintos, ainda mais quando há possibilidade de que o patrimônio público e o contribuinte sejam vítimas.
"A fragilização da coisa julgada como reação a injustiças, absurdos, fraudes ou transgressões a valores que não comportam transgressão é suscetível de ocorrer em qualquer área das relações humanas que são trazidas à apreciação do Poder judiciário. Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente impossíveis e, portanto, não incidirá a autoridade da coisa julgada material – porque, como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico-constitucional."2
Com todo o respeito pela intenção do legislador da Lei 11.495/2007 e dos redatores das Instruções Normativas, a lição acima transcrita de Cândido Dinamarco Rangel sobre a utilidade do instituto da Ação Rescisória em hipótese alguma pode ser esquecida.
Justificando o título e a atenção do leitor deste artigo, também de lembrar que no final do século XVIII o povo de Minas Gerais se levantou contra pagamento de idêntico percentual e a consequente Derrama decretada por Portugal.
O legislador da República do Brasil também não foi feliz ao instituir este quinto, o do art. 836 da CLT.
Referência:
1.TERRA. Stephen Hawking: única chance do ser humano será deixar a Terra. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI4613298-EI301,00-stephen+Hawking+unica+chance+do+ser+humano+sera+deixar+a+Terra.html>.
2.DINAMARCO, Cândido Rangel. Revista de Processo. n. 109, jan-mar/2003, p. 31