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Teoria da argumentação: a proposta de Robert Alexy para a fundamentação racional da decisão jurídica

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Sumário: 1. Introdução. 2. O conteúdo axiológico da decisão jurídica. 3. Tratamento da problemática do valor na decisão. 3.1. Fundamentação em convicções fáticas. 3.2. Recurso ao sistema de valores da ordem jurídica. 3.3. Princípios suprapositivos. 3.4. Conhecimentos empíricos como fundamento da decisão. 4. Teoria do Discurso Racional. 4.1. Tópica e Teoria da Argumentação. 4.2. A importância de uma metodologia para o discurso racional. Conclusão. Referências. Notas.


1. INTRODUÇÃO

Ante a concepção construtivista moderna, a atividade jurídica contemporânea invariavelmente passa pelo esforço argumentativo. Com efeito, doutrina respeitável considera, com acerto, ser o Direito não "ciência", mas "prudência", na perspectiva de que o jurista não desvenda a norma jurídica, como se houvesse supostamente encerrada no ordenamento, mas a produz, legitimando o enunciado normativo na proporção da força argumentativa do discurso jurídico.

Se a premissa é verdadeira para a mera emanação opinativa quanto à norma, quanto mais se verifica no ato decisório que põe fim a um conflito, cujo conteúdo é materialmente norma no caso concreto. De fato, a decisão jurídica de fundamento defeituoso carece de legitimidade, ao passo que a desprovida de motivação sequer validade ostenta. Somente essa constatação já justificaria a preocupação teórica em elaborar um arcabouço metodológico para o trabalho argumentativo.

Ocorre que razões outras fazem necessária a investigação. Consoante Robert Alexy, "em um grande número de casos, a decisão jurídica que põe fim a uma disputa judicial, expressa em um enunciado normativo singular, não se segue logicamente das formulações das normas jurídicas vigentes." [1] Significa dizer: a par das decisões que têm por fundamento claro dispositivo legal, verifica-se, não raramente, decidendum cuja ratio se encontra externa ao ordenamento jurídico.

Não é difícil vislumbrar as razões. A imprecisão terminológica nos textos jurídicos pode conduzir a lacuna normativa material, em decorrência da obscuridade das fontes formais; antinomias não aparentes vêm a produzir efetivo impasse jurídico; situações factuais especificas, ainda não reguladas, reclamam solução judicial praeter legem; e o anseio pela efetivação da justiça no caso concreto não raro conduz, na prática forense, à solução judicial contrária à literalidade da norma. Em todos esses casos, a decisão jurídica não decorrerá das normas vigentes ou dos axiomas empíricos aplicáveis. A força argumentativa é o que indicará a legitimidade da decisão. Uma metodologia para apreciar a racionalidade do argumento decisório, portanto, coloca-se como verdadeiro instrumento de controle da atividade estatal, além de conferir precisão científica à atividade jurídica, que se vale do discurso prático.

A construção de tal metodologia, conforme proposta por Robert Alexy, é o objeto deste estudo.

Nascido em Oldenburg, Alemanha, em 9 de setembro de 1945, Alexy é um dos mais influentes jusfilósofos alemães da contemporaneidade. Graduou-se em Direito e Filosofia pela Universidade de Göttingen, tendo recebido o título de PhD em 1976, com a dissertação Uma Teoria da Argumentação Jurídica, e a habilitação em 1984, com a Teoria dos Direitos Fundamentais – trabalhos que se tornaram dois clássicos da Filosofia e Teoria do Direito. A definição de direito de Alexy se assemelha a uma mistura do normativismo de Hans Kelsen com o jusnaturalismo de Gustav Radbruch. A teoria da argumentação, contudo, colocou-o bem próximo do interpretativismo jurídico. [2]

Valendo-se dos avanços da Filosofia da Linguagem do século XX, expressa nos trabalhos de Wittengenstein, Frege, Austin, Hare, Toulmin, Viehweg, Perelman, Apel e, dentre outros, Habermas, Alexy sustenta ser possível elaborar uma metodologia composta por regras ou procedimentos que permitam a transição de um conjunto de normas e axiomas válidos para uma decisão juridicamente relevante, ainda que esta não decorra logicamente do ordenamento.

Considerando apenas superficialmente o mecanismo de transição propriamente dito, este estudo analisa as questões envolvidas na concepção da proposta, elucidativas de uma série de asserções cruciais para a Teoria Geral do Direito.


2. O CONTEÚDO AXIOLÓGICO DA DECISÃO JURÍDICA

A primeira questão pontuada por Alexy diz respeito às valorações presentes na fundamentação da decisão jurídica. Quando os "cânones de interpretação" não são suficientes para que do ordenamento decorra logicamente a decisão, sua fundamentação conterá elementos valorativos.

"Cânones de interpretação" são regras para compreensão e aplicação do direito. Segundo a definição exegética,

"Interpretar é explicar, esclarecer, dar o sentido de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair de frase, sentença ou norma tudo o que na mesma se contém." [3]

Para Tércio Sampaio, contudo, a doutrina hermenêutica é um discurso do poder de violência simbólica, que não se constrói como teoria descritiva, explicando o sentido do direito, mas se expressa na forma de teoria dogmática, indicativa de como deve ser o direito interpretado.

"O consenso ou a busca do sentido funcional exige respaldo social. A justiça ou a busca do sentido justo exige que se atinjam os objetivos axiológicos do direito. Em função deles, podemos falar em métodos lógico-sistemático, sociológico e histórico e teleológico-axiológico.

Como, além disso, o poder de violência simbólica se exerce por paráfrases que acrescem a força normativa das relações de autoridade, liderança ou reputação conforme decodificações consoante um código forte ou código fraco, é possível, didaticamente, distinguir tipos básicos de interpretação: a especificadora, a restritiva e a extensiva." [4]

O que Tércio denomina "código forte" e "código fraco" correspondem à forma como a norma jurídica é apresentada pelo legislador ao destinatário. O código forte consiste na disposição textual da norma de forma restritiva, fechada; o legislador dá à norma um sentido preciso, o que engessa a ação do destinatário, o qual tem a tendência – dependendo do caso concreto – de buscar uma decodificação da norma em um código fraco, que favorece maior liberdade de ação e se traduz por meio de estratégias que visam a alargar o sentido dos termos prescritos na norma. O oposto também ocorre: uma norma pode ser disposta com base num código fraco, de forma flexível, dada a ambigüidade e a vagueza dos signos insertos no texto normativo, o que faz com que o receptor fique imobilizado por todos os lados, por não saber qual atitude tomar. Nesse caso, a tendência é a de que decodifique a norma com base num código forte, de forma a precisar significados. [5]

Segundo Larenz, são cinco os critérios de interpretação: a busca pelo sentido literal, o significado da lei segundo o contexto, as intenções e metas normativas do legislador (mens legislatoris, a "vontade do legislador"), os critérios objetivos e finalísticos da norma (mens legis, "avontade da lei") e a interpretação conforme a constituição. [6]

As regras de interpretação falham na tarefa de produzir critérios lógicos de formulação da decisão jurídica basicamente por duas razões:

1)Ainda não se chegou a um consenso quanto à ordem hierárquica dos cânones interpretativos. Em verdade, nem mesmo sua quantidade é definida. Como cânones diferentes podem conduzir a resultados distintos, não se pode considerá-los critério seguro para a dedução puramente lógica da decisão jurídica.

2)A imprecisão na definição dos cânones os coloca como de pouca utilidade à construção avalorativa da decisão. As regras interpretativas não raro são vagas e ambíguas, o que deixa margem para a introdução de critérios subjetivos na fundamentação.

Diante disso, alternativa que já se propôs foi, em lugar de se buscar regras de fundamentação, estabelecer-se um sistema de enunciados do qual se possam deduzir as premissas normativas ausentes, necessárias à fundamentação. Tal proposta esbarra no simples fato de que, se o sistema de enunciados não for dedutível das normas pressupostas, a decisão deles decorrente não terá fundamentação lógica ante as normas do ordenamento; se, por outro lado, o sistema axiológico proposto se puder extrair das normas pressupostas, estaremos diante do caso comum, em que as regras de interpretação bastam à construção silogística da decisão.

A conclusão a que se chega é: quando a solução justa de um caso concreto exigir uma decisão que não decorra logicamente do ordenamento, nem puder ser fundamentada com a ajuda das regras de interpretação, restará ao aplicador escolher qual o enunciado normativo singular será afirmado (porque selecionado por volição) ou construído (porque embasado em argumentos extrajurídicos) na decisão. Visto que o decidir envolverá o ato de preferir um comportamento a outro, na base de tal ação estará a alternativa eleita como melhor em algum sentido; a necessária escolha encerra, portanto, um juízo de valor, que será o núcleo da fundamentação.


3. TRATAMENTO DA PROBLEMÁTICA DO VALOR NA DECISÃO

A doutrina já reconheceu que não é possível ao legislador prever toda situação fática possível de modo fechado e perfeito. Um "fetiche pela lei", tal como se verificou nos primórdios do positivismo (Escola da Exegese) conduz à injustiça na solução conferida a determinados casos e, frequentemente, ao impasse decorrente da ausência de previsão normativa expressa.

"O modelo clássico do silogismo jurídico pelo qual se subsume um fato a uma norma, encontrando-se a decisão jurídica (jurídica, em sentido lato, envolvendo tanto a decisão resultante do desenvolvimento abstrato, teórico, do Direito, como a decisão judicial, na jurisprudência), não se efetiva mediante a utilização apenas dos princípios da lógica deôntica (com a cópula hipotético-condicional "deve ser", diferentemente da lógica apofântica, que tem como cópula "é") e seus modalizadores deônticos é ordenado, é proibido, é permitido. Soma-se à tradicional lógica deôntica a lógica do discurso, que, embora formal, adentra o aspecto pragmático do enunciado jurídico apresentado como argumento da discussão." [7]

Desse modo, intérpretes como juízes e membros da Administração Pública não ordenam e fundamentam suas decisões mediante pura subsunção lógica, mas têm de valorar autonomamente e "decidir como colegisladores". [8] Uma consideração realista afirmará que o julgador poderá se valer de qualquer valor como fundamento de sua decisão, mascarando-o pela argumentação jurídica. A aplicação do Direito não necessariamente terá por fundamento a moral objetiva, mas se pode embasar em uma moral específica, visando à satisfação de um interesse individual específico.

Tal constatação não significa dizer, contudo, que há um campo livre para convicções morais subjetivas dos aplicadores do direito. Com o fito de possibilitar uma apreciação racional da argumentação contida na decisão jurídica de conteúdo axiológico, a teoria do discurso tentou de diversos modos estabelecer mecanismos para limitar a fundamentação dita racional a ordens objetivas de valores.

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3.1. Fundamentação em convicções fáticas

A primeira das estratégias de objetivação do universo de valores a ser utilizado na decisão é a noção de que a argumentação deve ter por fundamento os "valores da coletividade" ou de "círculos determinados" [9]. Trata-se da regra segundo a qual deve o intérprete fundar-se na moral objetiva que permeia uma sociedade determinada no tempo e no espaço ou nas convicções éticas de um determinado grupo, considerado de autoridade para a solução do problema em análise.

Critica-se essa posição, primeiramente, pelo fato de que os valores da coletividade não podem ser determinados com exatidão. Em verdade, a sociedade contém um emaranhado de valorações divergentes e mesmo contraditórias entre si. Não se poderia, então, aceitar como critério de racionalidade da argumentação a exigência de fundamentação em uma noção que não passa de um conceito ideal.

Por sua vez, os valores de "círculos determinados", como os doutrinadores do direito e a classe dos juízes, também não raro se mostram sob concepções divergentes. Ademais, uma fundamentação assim, para que se pudesse considerar legítima, teria de demonstrar por que o valor ali representado é decisivo.

Sem embargo desse fato, considerando a atua preocupação com a legitimidade democrática dos julgados, entende-se que deve o juiz, na medida do possível, tomar por base as convicções daqueles em nome de quem decide. Paralelamente, não deve desconsiderar as reflexões realizadas por gerações de juristas antes de si ou pela jurisprudência. Uma metodologia de argumentação apropriada, portanto, deve ser capaz de abarcar ambas essas pretensões.

3.2. Recurso ao sistema de valores da ordem jurídica

Uma segunda alternativa seria considerar racional a decisão que se fundametasse no "sistema interno de valorações da ordem jurídica" [10]. Consiste em julgar válida a argumentação quando realize referência expressa aos valores que se podem extrair do ordenamento.

Formalmente correta, essa concepção traduz o verdadeiro ideal. Os valores que permeiam a ordem jurídica não se encontram perfeitamente determinados a partir dos princípios que os informam. Deve-se isso, em parte à necessária forma abstrata da principiologia jurídica, que se exterioriza por completo somente diante do caso concreto, ante a conformação por que passa um princípio quando tomado em confronto com os demais.

"O ponto decisivo para distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo será realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e realidades existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais sendo também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos." [11] (Grifo nosso)

Com efeito, se os princípios jurídicos se cumprem "na maior medida possível", podem cumprir-se no todo ou em parte, o que acaba por deixar o problema do valor inerente ao seu comando uma questão em aberto. É o aplicador que acabará por o definir.

Outra razão para a considerar-se impraticável a tentativa de recurso aos valores da ordem jurídica é que esta é construída a partir de uma "luta" (Jhering) em que são cristalizadas valorações distintas, quiçá contraditórias. Decidir com base na axiologia do ordenamento, portanto, envolve atribuir um peso aos valores que dela se podem extrair, o que significa julgar subjetivamente.

3.3. Princípios suprapositivos

Preleciona esta tese que, para que a decisão de cunho axiológico seja racionalmente construída, deve se valer de uma ordem objetiva de valores, ainda que não expressa na Constituição, como enunciados de direito natural objetivamente reconhecíveis.

A tese está sujeita a todas as críticas de cunho filosófico dirigidas às premissas a ela pertinentes: a existência de um direito natural e a legitimidade de um institucionalismo metaético [12]. A par delas, cabe a reflexão de que, ainda que fosse possível falar em uma ordem objetiva de valores, transformá-los em enunciados capazes de solucionar os problemas normativos específicos seria tarefa de cunho subjetivo. Conforme coloca Cláudia Toledo:

"A teoria da verdade aristotelicamente formulada é assim superada, pois não mais se considera a verdade como a correspondência da asserção à realidade, mas algo construído discursivamente, o que significa ser científico o resultado do consenso fundado, alcançado em relação ao objeto estudado. A verdade não está no mundo presente, na natureza, mas é produção cultural humana. É subordinada, assim, à refutabilidade, conforme expõe Karl Popper, a qual é necessariamente inerente à ciência, sob pena de suas conclusões tornarem-se dogmas (inquestionáveis, portanto)." [13]

A objetividade do discurso, portanto, não está em sua correlação com uma "verdade" no sentido aristotélico, que seria a referida ordem axiológica universal, mas no respeito sistemático de uma série de condições ou regras de caráter formal. A obediência aos critérios lógicos de estruturação do discurso é o que confere a medida da racionalidade para a argumentação.

3.4. Conhecimentos empíricos como fundamento da decisão

De acordo com essa orientação, a decisão pode fazer referência ao conhecimento empírico de mundo para fundamentar os valores que acate.

O empirismo pode ser definido como a asserção de que todo conhecimento sintético é baseado na experiência. Assim, a decisão fundada no saber empírico é basicamente a que se vale de constatações sensoriais. Os sentidos, contudo, não raro contrariam a razão. Desse modo, a decisão que apele à evidência ou a ordens naturais preexistentes utiliza um procedimento no mínimo duvidoso do ponto de vista metódico.

Como visto, as diferentes estratégias apontadas não solucionam a questão da delimitação racional do conteúdo da decisão. Tampouco a mera soma delas alcançaria o desiderato. Não significa isso, contudo, que não é possível estabelecer justificações psicológicas ou sociológicas para a decisão. A tese de Alexy é no sentido de preencher essa lacuna.


4. TEORIA DO DISCURSO RACIONAL

Considerando os resultados da Filosofia da Linguagem, a Teoria da Argumentação de Alexy, que com ela converge em muitos pontos, trata da metodologia adequada para a atividade linguística de correção dos enunciados normativos, que consiste no denominado discurso jurídico.

O discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral. Diz-se "prático" o discurso relativo à conduta humana, consoante as mais variadas ordens normativas (moral, religião, direito, etc.).

"O discurso jurídico é prático, por se constituir de enunciados normativos. É racional por se submeter à pretensão de correção discursivamente obtida. É especial, por se subordinar a condições limitadoras ausentes no discurso prático racional geral, a saber – a lei, a dogmática e os precedentes. Essas condições, que institucionalizam o discurso jurídico, reduzem consideravelmente seu campo do discursivamente possível, na medida em que delimitam mais precisamente de quais premissas devem partir os participantes do discurso, fixando ainda as etapas da argumentação jurídica, mediante as formas e regras dos argumentos jurídicos." [14]

É possível estabelecer pelo menos três perspectivas de análise para o discurso jurídico:

1.Empírica: descreve e explica a frequência de determinados argumentos, a correlação entre determinados grupos de falantes, situações linguísticas, o uso de determinados argumentos, o efeito dos argumentos, a motivação para seu uso e as concepções de determinados grupos sobre a validade de argumentos específicos. Utiliza-se de métodos das ciências sociais.

2.Analítica: verifica a estrutura lógica dos argumentos efetuados ou possíveis. Tem por escopo a determinação do tipo de silogismo apresentado (se apofântico/apodítico, erísitico ou entinemático).

3.Normativa: estabelece critérios para a racionalidade do discurso jurídico.

Por sua vez, a racionalidade do discurso pode ser observada sob dois ângulos:

a)Formal: verifica a racionalidade procedimental dos argumentos, condizente no atendimento das regras da lógica discursiva.

b)Material: adentra no conteúdo das normas, estabelecendo uma análise quanto ao conteúdo ético dos argumentos.

A proposta de Alexy para a racionalidade pode ser considerada "analítico-normativa". Tendo em vista os requisitos formais para a lógica do discurso, o autor propõe um conjunto de regras a partir das quais é possível afirmar ser o discurso "racional".

Diferentemente do discurso prático geral, as regras de validade do discurso jurídico levam em conta limitadores especiais (norma jurídica, dogmática e precedentes). Utilizando-se da Ética Analítica de Stevenson, da Teoria Consensual da Verdade de Habermas e da Teoria da Argumentação de Perelman, Alexy constrói uma Teoria do Discurso Prático Racional Geral, que servirá de base para sua Teoria do Discurso Jurídico Racional.

Segundo Cláudia Toledo, Alexy coloca, dentre outras, as seguintes regras para qualificação de um discurso jurídico como racional:

1.Qualquer um pode tomar parte no discurso, introduzir e problematizar qualquer asserção (uma das regras de razão de Alexy – chamada por Habermas de "princípio D", princípio da concreção);

2.Se o falante aplicar um predicado a determinado objeto, deve aplicá-lo também a qualquer outro objeto semelhante nos aspectos essenciais (uma das regras fundamentais de Alexy – chamada por Habermas de princípio U, princípio da universalidade – é regra expressa no Direito, tanto pelo princípio da isonomia, quanto pela analogia como método de integração do ordenamento jurídico);

3.O falante não pode se contradizer (princípio da não-contradição tanto da lógica formal – envolvendo então, o princípio da identidade e do terceiro excluído – quanto da lógica do discurso, determinando a não-contradição performativa);

4.O falante só pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita (pretensão de veracidade habermasiana);

5.O falante não pode usar a mesma expressão que outros falantes com significados diferentes (pretensão de inteligibilidade formulada por Habermas);

6.O falante deve fundamentar o que afirma se lhe for pedido (regra geral da fundamentação). [15]

4.1. Tópica e teoria da argumentação

Alexy pretende não fazer confundir sua Teoria da Argumentação com a Tópica Jurídica, de Viehweg.

A Tópica pode ser vista como 1) uma técnica para a busca de premissas, 2) uma teoria sobre a natureza das premissas e 3) uma teoria do uso das premissas na fundamentação jurídica.

"Viehweg (1979) crê ser possível, por meio e processos comunicativos em que são aduzidos argumentos com base em premissas que possuem uma estrutura tópica, controlar a racionalidade das tomadas de posição em relação aos valores, abandonando a postura não-cognoscitivista que caracteriza as doutrinas positivas sobre o raciocínio jurídico." [16]

Como teoria para a o uso das premissas na fundamentação jurídica, a Tópica orienta considerar todos os pontos de vista, que, ao ver de Viehweg, é um conjunto de enunciados normativos prováveis, que permeiam a consciência coletiva e são contraditórios.

"A tópica se organizou como uma técnica de pensar por problemas, desenvolvida pela retórica antiga. Uma das maiores criações da cultura greco-romana, a retórica, originalmente desenvolvida pelos sofistas como Górgias e Pródigos, atingiu a sua organização maior no texto A Arte Retórica de Aristóteles. Disciplina capital à formação das elites culturais – mormente aquelas ligadas ao trabalho com o Direito – no mundo greco-romana. Recebendo desenvolvimentos importantes na obra de dois ilustres intelectuais romanos, como Cícero e Quintiliano, constituiu elemento crucial do processo formativo intelectual dos juristas romanos. Afinada à perspectiva eminentemente casuística do procedimento judicial romano, serviu como arcabouço teórico que permitiu a progressiva elaboração lógico-doutrinária da paradigmática experiência jurídica romana." [17]

"A tópica serve ao jurista prático, em especial, para encontrar os argumentos utilizáveis na justificação concreta de uma decisão. Esse procedimento se dá por meio do emprego discursivo dos topoi, que constituem, para Aristóteles (apud VIEHWEG, 1979, p. 26-27), "pontos de vista utilizáveis e aceitáveis em toda parte, que se empregam a favor ou contra o que é conforme a opinião aceita e que podem conduzir à verdade". Os topoi "funcionam como fórmulas de procura no sentido retórico", como orientações para a invenção (VIEHWEG, 1979, p. 104)." [18]

Viehweg afirma, corretamente, que a instância de controle da racionalidade do discurso é a discussão. Mas é preciso estabelecer um limite. Se não for assim, corre-se o risco de, a título de uma busca legítima pelo discurso racional, perpetuar-se a argumentação ad infinitum. Ademais, deve haver um mínimo estabelecido no tocante às regras da discussão, pois, do contrário, não há como caracterizá-la "racional".

Nesse sentido, coloca Alexy que, em que pese sua teoria ter as mesmas intenções da Tópica, a saber, a construção de uma metodologia para a argumentação racional, seu trabalho com ela não se confunde, não devendo as críticas dirigidas à Viehweg ser meramente redirecionadas a seu ensaio.

4.2. A importância de uma metodologia para o discurso racional

A considerar no mínimo indesejável a imposição de decisões jurídicas de caráter subjetivo, mascaras pela argumentação entinemática e mesmo erística, sustentas meramente pelo astuto engodo de uma retórica sagaz, a questão da melhor metodologia para o julgamento do discurso quanto à racionalidade tem de ser enfrentada.

De fato, se o juiz não pode decidir apenas com base na capacidade de extrair logicamente conclusões válidas, deve ser capaz de argumentar racionalmente quando não houver pressupostos para a demonstração lógica. O método para essa "racionalidade" é, portanto, uma preocupação legítima.

Visto que a lei escrita não cumpre o papel de resolver um problema jurídico de forma justa, a decisão judicial tem de preencher essa lacuna, segundo os critérios da razão prática e as concepções de justiça consolidadas na coletividade. [19]

A teoria, contudo, não é imune a críticas. Como coloca Toledo:

"Há a crítica de que a teoria da argumentação jurídica não se aplicaria ao Direito no momento do processo judicial, pois os falantes não se encontram em posição homóloga, já que cabe ao juiz a decisão sobre o que é justo (correto) a partir dos argumentos trazidos por cada uma das partes. Contudo, a completa homologia factual entre os participantes não é condição de possibilidade do discurso. Ocorre que algumas das regras do discurso são passíveis de cumprimento de forma apenas aproximada, como a exigência de participação de todos na discussão, de absoluta inexistência de coação no debate etc.. A regra que demanda a simetria entre os falantes é mais um exemplo de prescrição cuja concretização, na realidade, é feita, muitas vezes, de modo somente aproximado, ou seja, na maior medida possível, o que não retira o caráter de racionalidade da conclusão do discurso." [20]

Muito debatida também é a questão da consideração do discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral. [21] Nesse sentido, Habermas afirma:

"[...] nem o primado heurístico dos discursos prático-morais, nem a exigência segundo a qual regras de direito não podem contradizer normas morais, permitem que se conclua, sem mais nem menos, que os discursos jurídicos constituem uma parte das argumentações morais. Contra esta tese do caso especial, de Alexy (defendida inicialmente de modo não específico com relação a discursos de fundamentação e de aplicação), levantou-se uma série de objeções. [...]

A tese do caso especial é plausível sob pontos de vista heurísticos; porém ela sugere uma falsa subordinação do direito à moral, porque ainda não está totalmente liberta de conotações do direito natural. A tese pode ser superada a partir do momento em que levamos a sério a diferenciação paralela entre direito e moral, a qual surge no nível pós-convencional." [22]

Outra crítica é a de que o agir estratégico invalida a teoria da argumentação, que é fundada no argumento pragmático-transcendental. [23] Tal noção é rebatida pela concepção dupla da validade da ação, a saber, a validade subjetiva (motivação) e a validade objetiva (conduta externa). Em que pese subjetivamente o indivíduo encerre regra inválida, o simples fato de respeitar a validade objetiva já pode ser considerado uma vitória para a Democracia, do ponto de vista da controlabilidade das decisões.

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Sobre o autor
Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Teoria da argumentação: a proposta de Robert Alexy para a fundamentação racional da decisão jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2612, 26 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17268. Acesso em: 29 mar. 2024.

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