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A constitucionalidade do julgamento liminar de improcedência do pedido em ações repetidas instituído pelo art. 285-a do CPC

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27/08/2010 às 18:23
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RESUMO

Esta monografia pretende reconhecer a constitucionalidade do art. 285-A do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.277/06, que possibilita o julgamento liminar de improcedência das ações repetidas. Inicia-se demonstrando a crescente força dos precedentes judiciais nas reformas do direito processual civil. Identificam-se os requisitos necessários para a correta compreensão e aplicação do novo dispositivo: matéria unicamente de direito; sentença de total de improcedência em outros casos idênticos, precedentes do juízo de acordo com a jurisprudência sumulada ou dominante. Também são analisados a possibilidade de recurso, o juízo de retratação, a citação do réu nessa fase, as hipóteses de julgamento da apelação. Conclui-se pela constitucionalidade do novo instituto processual, após analisar separadamente os princípios com sede constitucional ou infraconstitucional: acesso à justiça; contraditório; ampla defesa; duplo grau de jurisdição; isonomia; publicidade; motivação; devido processo legal; segurança jurídica; celeridade e duração razoável do processo.

Palavras-chave: Constitucionalidade. Art. 285-A do CPC. Julgamento liminar. Improcedência. Ações repetidas.

SUMÁRIO:I ART. 285-A DO CPC: JULGAMENTO ANTECIPADÍSSIMO DA LIDE OU JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA DAS AÇÕES REPETIDAS. 1.1 TUTELA JURISDICIONAL TEMPESTIVA E OS PRECEDENTES JUDICIAIS. 1.2 REQUISITOS. 1.2.1 Matéria unicamente de direito. 1.2.2 Sentença de total improcedência em outros casos idênticos. 1.2.3 Precedentes do juízo.. 1.2.4 Sentença paradigma de acordo com a jurisprudência dominante. 1.2.5 Recurso de apelação, juízo de retratação, citação do réu para oferecer contra-razões e seus efeitos.. 1.2.6 Julgamento da apelação. 1.2.7 Sucumbência. 1.2.8 Aplicabilidade e direito intertemporal.. II CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 285-A DO CPC – ADIN 3.695/DF.. 2.1 VÍCIOS APONTADOS PELA OAB E REFUTADOS PELO INSTITUTO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE. 2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 2.2.1 Princípios jurídicos e o direito processual civil. 2.2.1.1 Princípio da proporcionalidade. 2.2.2 Acesso à justiça. 2.2.3 Contraditório e ampla defesa. 2.2.4 Duplo grau de jurisdição. 2.2.5 Isonomia. 2.2.6 Publicidade. 2.2.7 Motivação. 2.2.8 Devido processo legal. 2.2.9 Segurança jurídica. 2.2.10 Duplo grau de jurisdição. 2.2.11 Celeridade e duração razoável do processo. III. CONSIDERAÇÕES FINAIS. IV. REFERÊNCIAS


I. ART. 285-A DO CPC: JULGAMENTO ANTECIPADÍSSIMO DA LIDE OU JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA DAS AÇÕES REPETIDAS

1.1 TUTELA JURISDICIONAL TEMPESTIVA E OS PRECEDENTES JUDICIAIS

As reformas do Processo Civil brasileiro realizadas nos últimos anos objetivam criar novos mecanismos para a efetividade processual, bem como conferir maior celeridade aos feitos, em especial, às ações repetidas.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 deu nova redação ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, assegurando a razoável duração do processo e os meios adequados que garantam a celeridade de sua tramitação.

Os precedentes judiciais têm obtido, cada vez mais, papel de destaque para garantir a tempestividade da tutela jurisdicional, privilegiando a uniformização dos julgados.

Nesse contexto, ainda em 1998, destaca-se o art. 557, do CPC, permitindo ao relator monocraticamente negar seguimento ao recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, bem como dar provimento ao recurso se estiver em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Em 2001, a alteração do art. 475, do CPC, com o acréscimo do § 3º, afastou a necessidade de reexame necessário quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

Recentemente, em 2006, surgiu a possibilidade de o juiz não receber a apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal – súmula impeditiva de recursos, por força do art. 518, § 1º, do CPC.

O art. 285-A do CPC segue essa tendência, potencializando ainda mais a força dos precedentes judiciais, na medida em que permite que, antes mesmo da citação do réu, o juízo de primeiro grau, quando a matéria controvertida for unicamente de direito e já houver proferido sentença de improcedência daquela pretensão em outros casos semelhantes, possa prolatar a sentença no mesmo sentido com a reprodução daqueles mesmos fundamentos.

Diante da necessidade de se analisar neste capítulo os requisitos do novo instituto processual previsto no art. 285-A do CPC, importante sua transcrição:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1º. Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2º. Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso [01].

Assim, verifica-se a crescente força dos precedentes judiciais, não só do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, dos Tribunais de Justiça, mas também das sentenças de improcedência do próprio julgador de primeiro grau. Tudo em prol da celeridade com a antecipação do resultado judicial esperado com base em precedentes, tendo em vista a busca pela isonomia de solução entre os jurisdicionados.

Apesar da nova disciplina prevista no artigo em comento, existem institutos processuais anteriores que seguiam a mesma linha, viabilizando o julgamento liminar de improcedência da ação.

O primeiro deles era a possibilidade de indeferimento da inicial se identificada a prescrição ou a decadência, matérias que constituem preliminares de mérito e, por isso, trata-se de julgamento de mérito, de acordo com o art. 269, IV e o art. 295, IV, ambos do CPC. Hipótese que teve seu alcance ampliado com o novo Código Civil de 2002, admitindo o reconhecimento da prescrição em matéria de direitos patrimoniais em favor de absolutamente incapaz e com a mudança do art. 219, § 5º, do CPC [02][03].

Nas ações de improbidade administrativa, também existia a possibilidade de julgamento imediato pela improcedência com análise do mérito, caso o julgador estivesse convencido da inexistência de ato de improbidade pelos elementos dos autos, de acordo com a disciplina do art. 17, da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45/2001. Diferencia-se do art. 285-A, do CPC, porque tal julgamento só ocorria após a fase de defesa prévia e porque se aplicava restritivamente aos processos daquela natureza.

1.3 REQUISITOS

1.3.1 Matéria unicamente de direito

O primeiro pressuposto para aplicação do art. 285-A, do CPC é que a matéria controvertida seja unicamente de direito.

Tal regra deve ser interpretada no sentido de que a matéria seja exclusivamente de direito ou, havendo matéria de fato, já esteja comprovada pelos documentos apresentados, não dependendo de produção de outras provas em audiência. Trata-se, portanto, de regra semelhante àquela prevista para o julgamento antecipado da lide, previsto no art. 330, do CPC.

Por isso, Cassio Scarpinella Bueno afirma: "O que o art. 285-A reclama para sua incidência é que a questão jurídica, a tese jurídica, predomine sobre eventuais de fato" [04] (itálico no original). O mesmo autor conclui: "Aqueles casos em que a prática do foro levará, sempre e em qualquer caso, ao ‘julgamento antecipado da lide’, justamente porque a questão a ser resolvida é ‘unicamente’ (leia-se: predominantemente) de direito, porque fatos sempre há" [05].

Aliás, não há que se falar em aplicação do art. 285-A após a citação, porque caracterizaria aquela hipótese do julgamento antecipado da lide já previsto no art. 330, do CPC.

1.3.2 Sentença de total improcedência em outros casos idênticos

Também se exige que haja, no juízo, precedente de sentença de total improcedência em outros casos idênticos.

Desde logo, há de se ressaltar que não se trata de identidade de causas ou ações disciplinada no art. 301, §§ 1º a 3º, do CPC, isto é, mesmas partes, causa de pedir e pedido. Nessa hipótese de completa identidade, continua caracterizando-se a litispendência ou a coisa julgada, com a conseqüente extinção do processo sem julgamento do mérito, por força do art. 267, V, do CPC.

O que se pretende aqui é que, no caso novo, haja a repetição da questão [06], da controvérsia, da tese jurídica já discutida no caso padrão, capaz de ensejar a mesma resposta judicial de improcedência proferida em outros processos, tornando, assim, desnecessária a fase de citação e resposta do réu e conferindo maior celeridade ao feito.

Segundo o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior, a identidade tem que ser de pedido e de causa de pedir, comentando ainda: "Se a tese de direito é a mesma, mas a pretensão é diferente, não se pode falar em ‘casos idênticos’, para fins do art. 285-A. Da mesma forma, não ocorrerá dita identidade se, mesmo sendo idêntico o pedido, os quadros fáticos descritos nas duas causas se diferenciarem" [07].

Já o entendimento de Fernando da Fonseca Gajardoni é de que é suficiente a identidade da causa de pedir, ainda que os pedidos sejam distintos, como se observa no seguinte trecho:

A expressão casos idênticos deve ser interpretada, por isso, como sendo casos semelhantes, isto é, que tenham os mesmos fundamentos de fato e de direito (causa de pedir), ainda que o pedido seja diverso.

Por exemplo, nada impede a aplicação do dispositivo para julgar improcedente de plano pretensão que veicule tese sobre a inconstitucionalidade de determinado tributo ou contribuição (causa de pedir) para fins de repetição de indébito (pedido da nova ação), quando idêntica tese jurídica, com a invocação dos mesmos fundamentos, haja sido rejeitada em ação com pedido de compensação (pedido primitivo) [08] (itálicos no original).

Nesse ponto, o último posicionamento demonstra ser o mais adequado, desde quando a norma pretende que os fundamentos do julgamento anterior sejam capazes e suficientes para a motivação do novo julgamento, permitindo que a sentença deste reproduza, repita o teor da sentença primitiva. O exemplo citado pelo autor transcrito demonstra claramente tal possibilidade.

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Por outro lado, considerando a redação do artigo de que a sentença deve ser de total improcedência, também merece comentário a hipótese de cumulação de pedidos, pois o julgamento deve ser sobre cada pedido. Assim, se existe um paradigma em que a sentença foi de procedência parcial, por acolher um pedido e denegar o outro, possível o julgamento liminar de nova ação em que se deduz apenas o pedido que foi julgado improcedente naquele caso anterior [09].

Por exemplo, numa ação em que são cumulados os pedidos de nulidade contratual e de entrega do bem, sendo julgado improcedente o primeiro e procedente o último. Se houver novas ações discutindo a mesma nulidade contratual suscitada naquele caso paradigma, possível a aplicação do art. 285-A, do CPC, porque esse pedido repetido foi julgado totalmente improcedente na sentença anterior.

O que interessa, como mencionado acima, é que o caso novo tenha semelhança com precedente, a fim de que o julgamento possa ser feito com a reprodução da mesma fundamentação da sentença paradigma daquele juízo, sob pena de configurar algum vício de omissão, contradição ou obscuridade, ou pior, falta de motivação. Além disso, essa mesma semelhança permite, inclusive, uma previsibilidade do resultado infrutífero do processo que repete questão julgada improcedente em outros casos daquele juízo.

1.3.3 Precedentes do juízo

Impõe-se ainda que existam, pelo menos, dois precedentes de improcedência no mesmo juízo que sentenciará o novo caso, uma vez que o dispositivo legal faz referência a outros casos, no plural.

Certamente, os precedentes em que se concluiu pela improcedência devem ter observado o devido processo legal, o contraditório [10] e a ampla defesa, para que os próximos casos semelhantes sejam abreviados com a sentença liminar.

Tudo isso para garantir maior segurança aos jurisdicionado. Ressalva-se, dessa forma, que cada unidade judiciária já terá apreciado aquela questão controvertida nos autos, demonstrando os motivos pelos quais o pedido merece ser julgado improcedente.

Evita-se que certo juízo estabeleça seu posicionamento reiterado pela improcedência de determinado pedido e os demais se utilizem daquele raciocínio jurídico para julgar da mesma forma os casos que lhe são postos sem nunca ter decidido acerca do tema ou naquele sentido.

Cria-se, dessa forma, a necessidade de cada juízo estabelecer o padrão de improcedência daquele pedido antes de promover o julgamento antecipadíssimo da lide, possibilitando inclusive um conhecimento prévio da posição adotada naquela unidade judiciária [11].

Ademais, tal exigência facilitará o cumprimento de outro requisito, no tocante à reprodução de sentença paradigma, pois não poderá ser aplicado quando houver alguma questão não apreciada naquele caso.

Por isso, não pode o juiz de direito substituto ou que estiver cumulando suas atividades basear o julgamento da causa repetida em sentenças de improcedências que proferiu em outros juízos.

Em contrapartida, o novo dispositivo poderá ser aplicado por qualquer magistrado que estiver atuando no juízo onde já houver julgados de improcedência daquela questão, mesmo não sendo o titular, seja substituto ou tenha sido designado para cumular suas funções.

1.3.4 Sentença paradigma de acordo com a jurisprudência dominante?

A sentença que julga o caso novo deve conter o relatório, com o breve resumo do caso, a fim de que possa se identificar a semelhança com o paradigma, para, em seguida, transcrever o mesmo fundamento utilizado naquele paradigma. Não sendo suficiente a simples referência aos números dos processos julgados naquele sentido, já que impossibilita o imediato conhecimento pela parte dos fundamentos que levaram à improcedência de seu pedido [12].

Juristas têm se manifestado pela necessidade de que esse julgamento liminar pela improcedência do pedido ou o julgamento antecipadíssimo da lide deve estar de acordo com o posicionamento sumulado ou dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior [13][14][15][16].

Tudo isso, levando em consideração a competência daqueles em promover a uniformidade jurisprudencial, garantindo o princípio da isonomia de forma mais ampla, além de não justificar um célere julgamento no primeiro grau para ser rapidamente modificado nas instâncias superiores, tendo em vista, inclusive, os mecanismos criados pelos dispositivos citados no item 1.1, previstos nos art. 557, art. 475, § 3º e art. 518, § 1º, todos do CPC.

Cassio Scarpinella Bueno destaca:

Proponho, contudo, em nome da leitura sistemática do processo civil a que insistentemente me refiro – e que norteia, a bem da verdade, a produção destes meus comentários à mais recente etapa da reforma do Código de Processo Civil –, uma interpretação do art. 285-A em que "sentença do juízo"seja entendida simetricamente aos já referidos dispositivos de lei, isto é, súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior", para empregar, aqui, o referencial amplo do caput do art. 557, na redação da Lei n. 9.756/1998. Até porque, também por força de premissas fundantes do meu pensamento sobre o direito processual civil, esta é a única forma de manter o art. 285-A afinado ao "modelo constitucional de processo", observando-se a forma potencializada o princípio da isonomia a que fiz referência acima [17].

Mesmo que não tivesse sido essa a intenção do legislador, o art. 285-A do CPC já teria grande valor por ser capaz de conferir a maior celeridade possível à fase cognitiva de primeiro grau nas circunstâncias ali delimitadas de improcedência em questões de controvérsia unicamente de direito, pois o conflito dessa sentença com a jurisprudência sumulada ou dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior também poderia ser corrigido permitindo o julgamento monocrático na forma do art. 557, do CPC.

Certamente, apesar de o art. 285-A não fazer referência a tal necessidade, a interpretação sistemática de todos os outros institutos – art. 557, art. 475, § 3º, e art. 518, § 1º, todos do CPC – induz que aquela decisão de primeiro grau esteja em consonância com a orientação jurisprudencial, pois não foi diferente ao permitir ao relator o julgamento monocrático do recurso ou ao juiz sentenciante não receber a apelação ou afastar o reexame necessário.

Defende-se ainda que os precedentes do juízo já tenham transitado em julgado [18]. A mesma interpretação sistemática aponta para tal necessidade, pois os precedentes já se encontrarão consolidados, para impedir que haja uma contradição decorrente da reforma deles antes mesmo do julgamento liminar dos casos novos.

Assim sendo, evita-se que o julgamento liminar se baseie em sentença que não possui mais validade, além do atraso desnecessário com a reforma sucessiva de todas as demais sentenças. Tal uniformidade e consolidação garantem uma celeridade ainda maior ao feito, além de ser mais coerente com a lógica criada pelo sistema processual.

1.3.5 Recurso de apelação, juízo de retratação, citação do réu para oferecer contra-razões e seus efeitos

Por se tratar de sentença, o julgamento antecipadíssimo da lide poderá ser atacado através de recurso de apelação, não deixando dúvidas o § 1º do artigo em análise.

Assim como ocorre com o indeferimento liminar da petição inicial, existe a previsão do juízo de retratação, determinando-se o prosseguimento do feito com citação do réu para oferecer defesa, segundo o mesmo dispositivo citado acima.

Na fase recursal, mantida a sentença no juízo de retratação, o réu é citado para responder ao recurso, uma vez que surge a possibilidade de o órgão julgador não confirmar a sentença, gerando uma situação desfavorável. A citação objetiva assegurar o contraditório, dando-lhe o conhecimento da ação, do julgamento pela improcedência do pedido e do recurso já interposto, ao tempo em que permite que apresente os fundamentos para reforçar aquela conclusão.

Não existem questionamentos se a sentença for mantida no julgamento da apelação, permanecendo vitorioso o réu ainda que não tenha respondido ao recurso.

O problema do efeito da citação surge caso seja provida a apelação e não haja possibilidade de o tribunal julgar de plano a matéria. O processo tomará seu curso originário, promovendo-se nova citação do réu para, agora sim, responder à pretensão do autor, suscetível nessa fase à revelia e todos os seus efeitos, se não responder tempestivamente.

Acerca do tema, Ernane Fidélis dos Santos afirma:

Ainda que o réu não se manifeste, não se pode considerar revelia e decidir contra ele, mesmo porque a questão deve ser apenas de direito. A confirmação da sentença faz coisa julgada favorável ao réu, mas a reforma da decisão, se a questão for, realmente, de puro direito, poderá ser definitiva; se por motivo de questão fática, no entanto, os autos retornam e se permite ao réu adendo em sua defesa [19].

Em sentido contrário, Fernando da Fonseca Gajardoni defende:

Tendo natureza de contestação, urge esclarecer que a falta de apresentação de resposta ao recurso, no prazo legal, implica revelia do demandado, mas não presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial (art. 319 do CPC). Com efeito, a presunção só recai sobre fatos, e o julgamento liminar se dá em regra quando a matéria for unicamente de direito (item 5.3), o que afasta a presunção legal. Haverá, entretanto, a incidência do efeito secundário da revelia, ou seja, o réu contumaz não será intimado dos posteriores atos processuais em 2º grau enquanto não intervier no feito (art. 322 do CPC).

Caso a sentença liminar seja cassada pelo Tribunal por impossibilidade do art. 285-A do CPC, a citação para as contra-razões, por ser ato subseqüente à sentença neste novo regime, automaticamente restará prejudicada (art. 248 do CPC). Assim, com os autos devolvidos à origem, nova citação do réu deverá ser efetuada, agora para que apresente defesa em sua plenitude (contestação tanto com a matéria quanto de fato, exceções, reconvenção, etc.) [20] (grifou-se).

Uma terceira corrente é sustentada por Dorival Renato Pavan:

A citação prevista no § 2º do art. 285-A valerá para todos os demais atos e termos do processo, não só para acompanhamento do recurso, mas e principalmente para apresentação da resposta posteriormente, caso seja dado provimento à apelação do autor, sendo portanto desnecessária nova citação. Nessa hipótese, se houver oferecimento de contra-razoes, o réu terá advogado constituído nos autos, que terá a missão de acompanhar a tramitação do recurso em segunda instância.

Destarte, ocorrerá simples intimação, na pessoa do advogado, para oferecera resposta (contestação, exceção ou reconvenção), daí começando a correr o prazo. (...).

Se o réu, embora citado, optou por não contra-arrazoar, deixando fluir in albis o prazopara tanto, e tampouco não juntou instrumento de mandato para seu advogado nos autos, a providência a ser ordenada, quando ocorrer a decisão de segundo grau de provimento do recurso, será a aplicação do artigo 322 do CPC.

Nessa hipótese o juiz ordenará a abertura do prazo para resposta, correndo o prazo contra ele independentemente de intimação, ou seja, em cartório, o que exigirá do réu, então, citado para contra-arrazoar o recurso, o cuidado objetivo exigível na espécie, ou seja, acompanhar ainda que informalmente o desate do resultado do julgamento no tribunal, para apresentar sua resposta em tempo oportuno, sob pena de se consumar sua revelia, quando então o juiz poderá decidir a lide antecipadamente (art. 330, II, do CPC) [21] (grifou-se).

Se restar decidido pela inaplicabilidade do art. 285-A do CPC, afasta-se a possibilidade de abreviar o procedimento, devendo ser obedecido todo o rito tradicional.

Tratando-se de anulação da sentença por inadequação do procedimento e considerando que a citação ocorreu após o julgamento liminar, razoável que aquela citação não produza outros efeitos. Deve ser renovada a citação pessoal do réu para tomar conhecimento do novo prazo agora para oferecer sua resposta através de contestação, exceção ou reconvenção, tenha ou não oferecido contra-razões anteriormente.

Ademais, no novo instituto, o réu já tem conhecimento dos fundamentos que levaram à improcedência do autor, baseada em precedente transitado em julgado e de acordo com o entendimento dos tribunais, podendo entender desnecessária sua atuação naquela fase. Em contrapartida, no rito tradicional, o réu precisa defender seus argumentos e apresentar as provas para obter o julgamento que espera que lhe seja favorável.

A possibilidade de julgamento antecipado da lide em virtude da omissão do réu após a anulação da sentença de improcedência liminar, sem que haja a nova citação do réu, violaria o princípio do contraditório.

Portanto, entende-se que os dois primeiros posicionamentos defendidos por Ernane Fidélis dos Santos e Fernando da Fonseca Gajardoni apresentam melhor solução para o caso, propondo nova citação do réu sempre que o tribunal afastar a aplicabilidade do art. 285-A do CPC.

Quanto à possibilidade de o tribunal decidir de plano a matéria, por se tratar de questão de direito, a citação do réu para contra-razoar é fundamental para assegurar o contraditório, ainda que não venha a exercer seu direito. Nessa circunstância, também demonstra acerto a posição de Fernando da Fonseca Gajardoni. Deve incidir o efeito do prosseguimento do recurso sem a necessidade de intimação do réu para os atos posteriores, por força do art. 322, do CPC.

1.3.6 Julgamento da apelação

Na fase recursal, o Tribunal poderá confirmar a sentença se atendidos todos os requisitos do art. 285-A vistos acima, bem como cassá-la por ausência de algum deles, remetendo, nesta hipótese, os autos de volta ao primeiro grau para processamento regular do feito, ou ainda, reformá-la se não depender de produção de provas.

No tocante à possibilidade de o órgão julgador do recurso, seja relator monocraticamente ou o colegiado, promover de plano a reforma da sentença em confronto com orientação jurisprudencial dominante, há divergência entre autores. Cassio Scapinella Bueno [22] e Fernando da Fonseca Gajardoni [23] podem ser citados como defensores de sua aplicação e Dorival Renato Pavan [24] em sentido contrário.

Estudou-se acima que a interpretação sistemática do processo civil impõe a necessidade de o julgamento liminar de improcedência do art. 285-A do CPC estar em consonância com a orientação jurisprudencial. Desde que observados todos os demais requisitos do novo instituto, versando apenas sobre questão de direito, não se justificam a anulação da sentença e o retorno dos autos para adotar o rito tradicional e, ao final, proferir a mesma decisão, por ser o convencimento daquele magistrado.

Considerando que existe oportunidade de participação do réu na fase recursal, associada aos demais requisitos do art. 285-A do CPC, não há violação ao contraditório, ampla defesa nem ao devido processo legal. A reforma da sentença nessa hipótese tanto pode ser feita pelo colegiado, quanto pelo relator monocraticamente, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, para adequar a sentença ao posicionamento baseado na súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou Tribunal Superior.

A mesma divergência dos autores acima indicados existe no que diz respeito à aplicação do art. 515, § § 3º e 4º, do CPC. Sustenta Dorival Renato Pavan que aquele dispositivo disciplina a hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito [25].

A inovação do art. 515, §§ 3º e 4º, do CPC foi permitir excepcionalmente que o tribunal decida o mérito, sem que houvesse supressão de instância, mesmo quando o juiz ainda não se pronunciou a respeito. Isso por já haver os elementos necessários para o julgamento ou pela possibilidade de sanar eventual vício com a repetição do ato processual.

Por outro lado, a regra da apelação sempre foi no sentido de ser possível o tribunal decidir sobre o mérito após pronunciamento do juiz de primeiro grau acerca da mesma matéria. Nesse sentido, não se verifica a supressão de instância, pois já houve decisão de mérito na sentença recorrida.

Dessa forma, a aplicabilidade do art. 515, § § 3º e 4º, do CPC está de acordo com o ordenamento jurídico, preservados os princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal pela citação do réu para responder ao recurso, segundo art. 285-A, § 2º, do CPC.

1.3.7 Sucumbência

Como conseqüência do julgamento liminar de improcedência das ações repetidas, antes da citação do réu, não há condenação do autor ao pagamento de honorários, já que não haverá a necessidade de contratação de advogado pelo réu.

Na apelação, aplica-se o mesmo raciocínio, somente sendo devida a condenação ao pagamento de honorários se o réu efetivamente atuou naquela fase, contratando advogado para apresentar suas contra-razões.

1.3.8 Aplicabilidade e direito intertemporal

A aplicabilidade do art. 285-A, do CPC é uma faculdade que a lei confere ao julgador, não sendo obrigado a utilizá-lo, embora seja um mecanismo útil e eficaz para garantir a tempestividade da prestação jurisdicional nas ações repetidas. Repercute ainda no andamento dos demais processos por reduzir o tempo necessário para o julgamento das causas já decididas.

O crescente número de processos envolvendo questões de consumidores, tributárias, previdenciárias pode servir de exemplo da necessidade de o julgador se utilizar dos meios disponíveis para alcançar a garantia da razoável duração do processo.

Como já mencionado acima, a Lei nº 11.277/06 que acrescentou o art. 285-A no CPC entrou em vigor dia 09.05.2006. Considerando sua aplicabilidade imediata, poderá ser aplicada a processos ajuizados antes mesmo de sua vigência, desde que ainda não tenha sido promovida a citação do réu. Isso porque, tratando-se matéria unicamente de direito e já havendo citação, possível o julgamento antecipado da lide, com base no art.330 do CPC, ou ainda, em virtude da revelia já verificada.

Também não há nenhum impedimento que a sentença paradigma tenha sido proferida antes da vigência daquela lei, na medida em que importa para o novo instituto a existência de precedentes de improcedência daquela questão no juízo sentenciante.

Por último, o novo instituto processual demonstra ser um eficaz instrumento para garantir a razoável duração do processo, principalmente, no momento em que se percebe o crescente número de ações, dentre elas as que envolvem consumidores, na Justiça Comum ou nos Juizados Especiais.

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Sobre o autor
Ulysses Maynard Salgado

Juiz de Direito do Estado da Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Sergipe em convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina e pela UNAMA/EMAB . Especialista em Direito Eleitoral pela Faculdade Maurício de Nassau. Cursa Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual pela UNIDERP/EMAB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALGADO, Ulysses Maynard. A constitucionalidade do julgamento liminar de improcedência do pedido em ações repetidas instituído pelo art. 285-a do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17283. Acesso em: 28 mar. 2024.

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