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Princípio do defensor público natural

30/08/2010 às 18:42
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Sumário: 1. Introdução – 2. Fundamentos – 2.1. Independência funcional – 2.2. Unidade e Indivisibilidade – 2.3. Inamovibilidade - 3. Conceito – 4. Consequências – - 5. Conclusões - 6. Bibliografia.


1. Introdução

Buscaremos com o presente artigo estudar o princípio do Defensor Público Natural, tema que geralmente não merece a devida atenção, mas que apresenta importância dogmática e prática.


2. Fundamentos

O princípio do Defensor Público Natural tem previsão legislativa expressa na lei orgânica nacional da Defensoria Pública [01]:

Art. 4º-A. São direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos: (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

I – a informação sobre: (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

a) localização e horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

b) a tramitação dos processos e os procedimentos para a realização de exames, perícias e outras providências necessárias à defesa de seus interesses; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

II – a qualidade e a eficiência do atendimento; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

III – o direito de ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

IV – o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

V – a atuação de Defensores Públicos distintos, quando verificada a existência de interesses antagônicos ou colidentes entre destinatários de suas funções. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

(Grifos Nossos)

Nada obstante, sem prejuízo de tal previsão expressa, o princípio possui densa fundamentação implícita em nosso ordenamento jurídico.

Destarte, de rigor destacar que os ensinamentos atinentes aos princípios do Juiz Natural e do Promotor Natural são plenamente aplicáveis à Defensoria Pública, posto que esta instituição goza de igualdade de tratamento em relação às outras duas. Neste sentido, nos valeremos ao longo deste trabalho de ensinamentos que por vezes se referirão à Magistratura ou ao Ministério Público.

2.1. Independência funcional

Trata-se de princípio institucional com previsão expressa na lei orgânica nacional [02], segundo o qual o Defensor Público no exercício de suas funções institucionais é livre para atuar segundo a sua consciência, não devendo prestar contas quanto a sua atividade-fim a ninguém, inclusive à chefia institucional, não havendo que se falar em hierarquia funcional.

Neste sentido nos ensina Paulo Cesar Ribeiro Galliez [03]:

A independência funcional assegura a plena liberdade de ação do defensor público perante todos os órgãos da administração pública, especialmente o judiciário.

O princípio em destaque elimina qualquer possibilidade de hierarquia diante dos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia.

Trata-se de princípio indisponível, inarredável diante de qualquer situação ou pretexto, cabendo ao defensor público, mediante postura adequada, impor-se pela educação, respeito e firmeza.

Por óbvio que não se trata de um princípio absoluto, uma vez que o Defensor Público poderá tomar qualquer medida que entenda mais adequada, desde que não deixe ao desamparo os direitos do seu assistido. Ou seja, não pode o Defensor Público a título de agir sob independência funcional deixar ao desamparo legítima pretensão do destinatário de seus serviços.

Por outro lado, embora não se possa falar em hierarquia funcional, há perfeitamente na Defensoria Pública a hierarquia administrativa, não referente à atividade-fim. Neste sentido, dentro da estrutura organizacional da instituição existirão membros que desempenharão funções de chefia, coordenação, etc., onde se observará a hierarquia administrativa, não tendo correlação com ingerência no exercício da atividade-fim do Defensor Público.

2.2. Unidade e Indivisibilidade

Também previstos no art. 3º da lei orgânica nacional, trata-se de dois princípios institucionais intimamente relacionados que têm como escopo evitar a solução de continuidade na prestação da assistência jurídica, motivo pelo qual são ora tratados no mesmo item.

Unidade, como o próprio nome está a indicar, denota que a Defensoria Pública é uma instituição una, que forma um todo orgânico, de modo que cada Defensor Público no exercício da atividade-fim "presenta [04]" a própria instituição.

Já a indivisibilidade, literalmente é a qualidade do que não se pode dividir. Ou seja, além de una, a Defensoria Pública é indivisível, podendo cada um de seus membros ser substituído por outro em casos de afastamentos legais sem solução de continuidade, de modo que não haja interrupção nem prejuízo ao serviço público prestado.

Importante consignar que os princípios da Unidade e Indivisibilidade só têm aplicação dentro de "cada ramo" da Defensoria Pública. Em outras palavras, não há Unidade e Indivisibilidade entre a Defensoria Pública da União e as Defensorias Públicas dos estados, não podendo o membro de uma substituir os membros de outra [05].

Neste sentido, referindo-se à instituição do Ministério Público em lição a tudo aplicável à Defensoria Pública, nos ensina Carlos Roberto de Castro Jatahy [06] citando lição de Hugo Nigro Mazzilli:

Para o doutrinador paulista a expressão "unidade do Ministério Público" evidencia que cada Ministério Público tem um chefe, que determina e norteia a atuação da Instituição. Afirma ainda que não há unidade entre Ministérios Públicos de Estados distintos, nem tampouco entre o Ministério Público estadual e o Ministério Público da União. Acreditamos que o princípio da unidade repousa na assertiva de que, para cada função institucional deferida ao Ministério Público na Constituição, só exista um único ramo do Ministério Público apto para desempenhá-la.

2.3. Inamovibilidade

Trata-se de garantia conferida aos membros da Defensoria Pública pelo art. 134, §1º da CRFB/88, segundo a qual o Defensor Público não pode ser removido de seu órgão de atuação para outro contra a sua vontade, salvo caso de remoção compulsória como penalidade disciplinar, embora ainda essa exceção não esteja a salvo de críticas [07].

Tal garantia vai além da possibilidade de remover o Defensor Público de seu órgão de atuação para outro contra a sua vontade, pois abrange também a vedação de alteração de suas atribuições de tal forma que haja um desvirtuamento de seu órgão de atuação.


3. Conceito

Neste passo, já nos é possível arriscar um conceito do princípio do Defensor Público natural.

Trata-se de princípio segundo o qual o assistido [08] tem direito a ter seus interesses patrocinados por um Defensor Público cuja designação para atuar esteja previamente definida com base em normas objetivas.

O princípio apresenta uma dupla faceta, pois tem como destinatário não só o assistido, bem como o próprio Defensor Público, que terá sua atuação circunscrita ao seu órgão de atuação, não podendo sofrer interferências, quer externas, quer da própria instituição a que pertence, podendo desenvolver seu mister com plena independência funcional.


4. Consequências

As consequências da adoção do princípio do Defensor Público natural serão aqui estudadas a contrário senso, ou seja, nos debruçaremos a analisar quais as consequências da sua inobservância.

Pois bem, a atuação em arrepio ao princípio do Defensor Público natural levará à ausência de atribuição de determinado membro no caso concreto.

Marcellus Polastri Lima [09], referindo-se ao Ministério Público, nos ensina que a ausência de atribuição pode se dar de forma absoluta ou relativa:

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Igualmente, a exemplo da incompetência, poderá a falta de atribuição ser absoluta ou negativa.

Absoluta quando a opinio delicti ou sua manifestação couber a membro do Ministério Público de outra categoria, v.g. se um promotor estadual oferece denúncia afeta ao Ministério Público Federal e mesmo de Ministério Público de Estado diverso, ou no caso de manifestação de promotor sem atribuição para matéria eleitoral, do Tribunal do Júri ou Militar, ou em feitos afetos à categoria superior de sua carreira, ou seja, cuja atribuição para funcionar era de Procurador de Justiça.

Relativa, quando em razão de atribuição funcional, delineada por atos de designação na área que tenha detenha atribuição genérica, sendo exemplo correlato a atribuição ratione loci, onde, a exemplo da incompetência, tendo atuado membro do Ministério Público sem atribuição em determinado processo, poderá se operar a preclusão caso não alegado o defeito em tempo hábil, e caso haja declinação da competência, serão válidos os atos praticados, anulando-se somente os atos decisórios judiciais, nos termos do art. 567 do CPP, preservando-se, assim, os atos praticados pelo promotor sem atribuição, passíveis apenas de ratificação.

A atribuição do membro da Defensoria Pública para atuar em determinado caso segue o critério de competência do órgão jurisdicional a que está vinculado, de forma que os mesmos critérios para definição da competência jurisdicional absoluta e relativa deverão ser levados em conta para se definir a atribuição absoluta ou relativa do Defensor Público.

Alexandre Freitas Câmara [10] nos ensina que:

São critérios absolutos de fixação da competência os que a determinam tendo em conta a natureza da causa (competência em razão da matéria) e o critério funcional. São, de outro lado, critérios relativos o da competência em razão do valor da causa e a competência territorial.

A atuação de um Defensor Público com ausência absoluta de atribuição levará à nulidade de todos os atos que porventura praticar no feito, até que seja sanado o vício. Por outro lado, havendo ausência de atribuição relativa, será caso de nulidade relativa, podendo haver ratificação pelo órgão de atuação com atribuição para o feito.

Para exemplificar hipóteses de ausência de atribuição absoluta imaginemos um caso onde um Defensor Público Federal apresente alegações finais por memorial escrito em ação penal que corra junto a uma vara criminal da Justiça Estadual, ou um Defensor Público estadual que atue junto a uma vara de família apresente defesa preliminar em um processo criminal que corra junto a uma vara criminal do mesmo estado a que pertença sua instituição (ausência de atribuição em razão da matéria) [11]. Igualmente, haveria ausência de atribuição absoluta pelo critério funcional de um Defensor Público Federal de 2ª categoria que interpusesse um recurso de agravo de uma das turmas de determinado Tribunal Regional Federal sem designação específica para tanto [12].

Já quanto às hipóteses de atuação com ausência de atribuição relativa, poder-se-ia imaginar o caso de um Defensor Público do estado de São Paulo que apresentasse contestação a uma ação que corra junto à Justiça Estadual de Goiás, não sendo hipótese de carta precatória (critério territorial); ou, ainda, um Defensor Público que atue junto à 2ª vara criminal da comarca de São Paulo que apresente defesa preliminar em processo que corre junto à 5ª vara criminal da mesma comarca sem designação específica para tanto (critério da distribuição).


5. Conclusões

O princípio do Defensor Público natural tem previsão expressa e implícita em nosso ordenamento jurídico, visando assegurar ao destinatário da assistência jurídica a atuação de um Defensor Público com plena autonomia e independência, baseado em regras predefinidas.

Sua inobservância poderá levar à nulidade do processo desde a atuação em arrepio ao princípio em tela, nulidade esta que poderá ser absoluta ou relativa.

Como visto, trata-se de princípio que fortalece a atuação da Defensoria Pública e confere segurança a todo aquele que busque na instituição a tutela de suas pretensões.


6. Bibliografia

CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direitos Processual Civil. Vol. I, 8ª edição, 2002, Ed. Lumen Juris;

GALLIEZ. Paulo Cesar Ribeiro. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3ª edição, 2009, Ed. Lumen Juris;

JATAHY. Carlos Roberto de Castro. Curso de Princípios Institucionais do Ministério Público. 2004, Ed. Roma Victor.

LIMA. Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. Vol. 1, 2ª edição, 2003, Ed. Lumen Juris.


Notas

  1. Lei Complementar federal nº 80/94, com redação dada pela LC 132/09.
  2. Art. 3º da LC/80/94.
  3. GALLIEZ. Paulo Cesar Ribeiro. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3ª edição, 2009, Ed. Lumen Juris, página 44.
  4. O termo "presentar" é aqui utilizado em respeito à Teoria do Órgão, segundo a qual cada membro da Defensoria Pública não representa, é a própria Defensoria personificada, ou seja, a faz presente em sua atuação.
  5. O tema será melhor explicado à continuação quando tratarmos das consequências do princípio do Defensor Público natural.
  6. JATAHY. Carlos Roberto de Castro. Curso de Princípios Institucionais do Ministério Público. 2004, Ed. Roma Victor, página 35.
  7. Galliez afirma ser inconstitucional a remoção compulsória pois: "Trata-se de punição disciplinar, que embora assegure a ampla defesa, acha-se eivada de inconstitucionalidade, tendo em vista que a Constituição Federal, em seu art. 134, parágrafo único, destacou expressamente a garantia da inamovibilidade para o Defensor Público." In ob. cit., página 33.
  8. O termo "assistido" é aqui utilizado se referindo ao destinatário do serviço de assistência jurídica integral e gratuita, nos termos do art. 5º, LXXIV da CRFB/88.
  9. LIMA. Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. Vol. 1, 2ª edição, 2003, Ed. Lumen Juris, página 463.
  10. CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direitos Processual Civil. Vol. I, 8ª edição, 2002, Ed. Lumen Juris, páginas 101/102.
  11. Por óbvio que estamos considerando que tal Defensor Público não tenha sido designado para oficiar, com ou sem prejuízo de suas funções, junto àquela vara criminal.
  12. Nos termos do art. 21 da LC nº 80/94, os Defensores Públicos Federais de 1ª categoria é que atuam, regra geral, junto aos TRFs.
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Sobre o autor
Thiago Alves de Oliveira

Defensor Público do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Thiago Alves. Princípio do defensor público natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2616, 30 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17296. Acesso em: 26 abr. 2024.

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