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O procedimento de restauração de autos no processo penal

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04/09/2010 às 08:18
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9- Impossibilidade material de restauração

Se resultar impossível a restauração dos autos, o efeito jurídico mais consentâneo é a declaração de nulidade do processo original por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Isso porque o processo existe ainda que os autos não existam (Miranda, 1977, p. 153). Após o trânsito em julgado dessa decisão, é possível oferecer nova denúncia (ou queixa) e destravar a persecução penal, desde que o fato criminoso, pelo transcurso do tempo, não esteja acobertado pela prescrição ou outra causa extintiva da punibilidade (morte do acusado, por exemplo).

Mesmo existindo o processo e mantendo parte de sua eficácia, a despeito da desaparição dos autos, a sua validade é posta em xeque. Isso porque as partes não podem perseguir suas pretensões. E principalmente a defesa fica impossibilitada de conhecer a acusação em toda sua extensão e de usar todos os meios de defesa garantidos constitucionalmente. Fere os mais básicos princípios de justiça manter a ameaça de um processo criminal contra um indivíduo, sem que este tenha condições de contestá-lo ou envidar esforços para demonstrar sua inocência.

"A perda dos autos em 2ª. instância, caso seja impossível uma restauração condigna, acarreta a nulidade do processo por vertical ofensa ao amplo direito de defesa, a evidenciar a trágica inconstitucionalidade por desrespeito ao princípio do devido processo legal, vez que a presença dos dados e provas nele constantes se faz imprescindível para o regular julgamento de uma controvérsia, nos vários campos do direito aplicável seja ele estatal ou não" [12].


10- Sentença de restauração

O procedimento de restauração é posto fim através de sentença. A restauração depende do julgamento; portanto, de sentença que se pronuncie no incidente. Antes disso, por mais complexa que tenha sido a recomposição, nenhuma eficácia tem o que dos autos depende e só após serem restaurados, com o trânsito em julgado da sentença, se pode utilizar deles (Miranda, 1977, p. 157).

Nessa decisão é julgada a restauração dos autos e não o mérito da causa [13]. Não pode o juiz ao encerrar por sentença a restauração julgar simultaneamente o mérito da causa, sob pena de nulidade.

A sentença que julga restaurados os autos não faz coisa julgada material, pois aparecendo "os autos originais, nestes continuará o processo" (CPP, art. 547, §único). E tampouco interrompe a prescrição [14].

Ao final, com o trânsito em julgado da sentença, os autos restaurados valem pelos originais, restabelecendo-se o curso normal do processo, como se o feito não tivesse sido interrompido [15].

Contra a sentença cabe recurso de apelação (CPP, 593, II) e nesta somente será discutida, como é óbvio, a restauração feita, vedada a discussão do mérito da causa.


11- Conclusões

O incidente de restauração dos autos no processo penal apresenta alguns aspectos que merecem especial atenção para evitar nulidades absolutas. Dois desses aspectos merecem destaque: I- a intimação pessoal das partes para a audiência de restauração; II- a vedação de discutir sobre qualquer ponto de direito ou de fato da causa principal.

Ao julgador impõe-se a necessidade de conduzir o feito restaurativo de forma regular e observando os possíveis vícios capazes de gerar nulidade, pois como no curso do incidente não há interrupção da prescrição, boa parte dos acusados aproveita a ocasião para procrastinar a restauração de forma a alcançar essa causa extintiva de punibilidade.

Se ao cabo de todas as diligências restaurativas, resultar impossível a restauração dos autos, a decisão a ser proferida é a de declaração de nulidade do processo original, desde o início, por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.


Bibliografia:

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CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da. Comentários ao Código de Processo Penal. Vol. III. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1942.

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Vol. 5. Campinas:Bookseller, 2000.

FRANCO, Alberto Silva.; STOCO, Rui (Coords.). Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Vol. 4. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004.

JUNIOR, Nelson Nery.; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo:Revista dos Tribunais, 7ª. ed., 2003.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo:Atlas, 2ª. ed., 1994.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo:Atlas, 7ª. ed., 1997.

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao novo Código de Processo Civil. v. 15. Rio de Janeiro:Forense, 1977.

NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. São Paulo:Saraiva, 1982.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo:Revista dos Tribunais, 8ª. ed., 3ª. tir., 2008.

ROSA, Borges da. Comentário ao Código de Processo Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1982.

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TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. Vol. II. São Paulo:Saraiva, 2ª. ed., 1981.


Notas

  1. "Restauração por iniciativa oficial. Ainda que a lei reconheça legitimidade apenas às partes, nada obsta a iniciativa oficial quando o fato ocorreu por falha do próprio Poder Judiciário. Exegese do art. 1.063 do CPC" (Tribunal de Justiça do RS, 1ª. Câmara Cível, Rel. Des. Irineu Mariani, j. em 22.10.2008, in:http://br.vlex.com/vid/44851093).
  2. Segundo Rosa (1982, p. 612), autos são o conjunto de todas as peças (queixa ou denúncia, inquérito policial, auto de exame pericial, alegações, requerimentos, termos, certidões, documentos, decisões etc.) pertencentes a um processo ou feito, constituindo um ou mais volumes. Para Pontes de Miranda (1977, p. 153), os autos são a concretização gráfica do processo.
  3. TJSP, Agravo de Instrumento, 35ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Clóvis Castelo, j. 30.03.2009, in: http://br.vlex.com/vid/59965945.
  4. TJSP, JTJ 136/409.
  5. TJSC, in DJ, no. 9112, de 14-11-94, pág. 13; TACrimSP, RT 551/347; TJES, 2ª. CCrim., ACR 24010106383 ES, Rel. Sérgio Luiz Teixeira Gama, j. 30/04/2008, publ. 30/05/2008, in: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8298429/apelacao-criminal-acr-24010106383-es-024010106383-tjes;TACRSP, RT 551/347.
  6. Por exemplo, o escrevente que funcionou como auxiliar do juiz na audiência resconstituenda pode ser ouvido para reproduzir seu conteúdo (Junior/Andrade Nery, 2003, p. 1.199).
  7. TRF5, Pleno, Restauração de Autos 24 PE, Rel. Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, j. 14/06/2005, publ. 23/06/2005, Diário da Justiça p. 744, n. 119.
  8. TJMG, Rec 1.0672.03.000167-7/001, Rel. Célio César Paduani, DJU 05.05.2004, in: Franco/Stoco, 2004, p. 651.
  9. TA/PR – 3ª C. Cív., Ap. Cív. nº 178116800/Curitiba, j. 16.10.2001, in: http://www.jurisite.com.br/jurisprudencias/civil/restauracao.html.
  10. TJ/RO – C. Cív., Ap. Cív. nº 03.002860-4/Porto Velho, Rel. Des. Sebastião T. Chave, julg. 02.09.2003, in: http://www.jurisite.com.br/jurisprudencias.
  11. RJDTACRIM, 2/144-5.
  12. TACRIM-SP, AP, Rel. Oliveira Ribeiro, RJD 17/146.
  13. "Neste procedimento, a sentença visa, apenas e tão-somente, declarar a restauração dos autos do processo principal, restando inapreciável qualquer questão que versem sobre o direito material" (TJAP, RA 505 AP, Câmara única, Rel. Des. Dôglas Evangelista, j. 30/10/2007, publ. DOE 4139, p. 10, de 29/11/2007).
  14. TJRJ, AP, Rel. Dorestes Baptista, RF 270/298.
  15. TJDF, 1ª Turma Criminal, RA 126413920098070000 DF, Rel. Edson Alfredo Smaniotto, j. 28/01/2010, publ. 11/02/2010, DJ-e Pág. 105.
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Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. O procedimento de restauração de autos no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2621, 4 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17335. Acesso em: 24 abr. 2024.

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