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Política de renúncia de receita.

Relações entre benefícios fiscais e desenvolvimento sócio-econômico no estado da Paraíba

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sacrifício financeiro individual destinado ao pagamento de tributos é, antes de tudo, um dever fundamental atribuído a todos os agentes privados inseridos na sociedade. É com este sacrifício que o Estado cumpre suas atividades destinadas à satisfação das demandas coletivas. Porém, a atividade de tributar deve vir acompanhada de justiça, para que uns não suportem um ônus maior do que outros. Assim, à idéia de tributação justa segue o princípio da capacidade contributiva, no qual as pessoas devem pagar tributos na proporção dos seus haveres. Mas, a política tributária possui outra natureza tão ou mais importante que a mera arrecadação de tributos: a política de renúncia de receita que possibilita a desoneração tributária de determinadas atividades e setores produtivos a fim de, por exemplo, fomentar a atividade econômica.

O problema central da política de renúncia de receita no Brasil não se concentra na dispensa de receitas públicas, mas na ausência de mecanismos exatos de controle das desonerações fiscais concedidas, via benefícios como isenções, anistias e remissões, dentre outros. Sem controle, a renúncia de receita muito se aproxima da mera transferência de recursos públicos à iniciativa privada. É o que pode ser chamado de privatização dos tributos, com sacrifício financeiro de toda a sociedade, destinada a compor a riqueza privada. Claro que isto só é possível através do odiável comportamento do gestor público de sonegar informações à sociedade sobre a política de renúncia de receita. Por outro lado, a atual política de transferência de recursos públicos da sociedade à iniciativa privada só pode ser perfeitamente concretizada com a redução do Estado do Bem-Estar. Por isso, deve-se questionar a veracidade do atual discurso que propaga a idéia de que a tutela social do Estado é incompatível como o desenvolvimento econômico. Ao que tudo indica, a incompatibilidade decorre da invertida agenda de prioridades do Estado, que destina à atividade econômica privada recursos públicos e ainda suaviza o ônus tributário incidente sobre a mesma. Tal comportamento estatal encontra guarida em discurso muito bem elaborado que apregoa a necessidade de estimular financeiramente a atividade privada através "mimos" tributários, de tal forma que esta possa desenvolver-se sem as garras do Estado. A realidade tem indicado que este caminho é extremamente danoso. De um lado, o Estado abre mão de suas receitas tributárias e, consequentemente, fica impossibilitado financeiramente de desenvolver programas sociais com recursos próprios; de outro, o desenvolvimento econômico pouco contribui socialmente.

Dentro deste contexto, a política de renúncia de receita do Estado da Paraíba é emblemática e expressa, de forma nítida, a realidade brasileira. Por exemplo, no período de 2001 a 2006, os montantes da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, previstos nas leis orçamentárias, apresentam-se sem qualquer critério lógico, com variações negativas e positivas bruscas. Neste sentido, a pesquisa mostra que a leis orçamentárias de 2002 não justificam a redução da renúncia de receita do ICMS, que passou de R$ 70,5 milhões para R$ 58,5 milhões. O mesmo ocorre em 2003, que apresenta um aumento brusco da renúncia receita do ICMS, passando de R$ 58,5 milhões para 132,8 milhões, incremento anual de 127%. Os valores renunciados anualmente não apresentam qualquer critério lógico que possam indicar a existência de uma ação estatal fundamentada em uma finalidade a ser perseguida pelo gestor público, como, por exemplo, o desenvolvimento econômico, o aumento da renda ou a diminuição das desigualdades, dentre outras possibilidades. Além disso, a valoração aleatória da renúncia de receita impossibilita qualquer avaliação objetiva da mesma, deixando transparecer a existência de mero mecanismo de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada. Aliás, a falta de transparência nesta seara é a regra nacional. Falta ao gestor público demonstrar suas verdadeiras intenções, expressa através de uma política pública de renúncia de receita passível de avaliação e controle. A própria sociedade queda-se paralisada diante dos vultosos montantes renunciados, deixando de exercer o controle social sobre gestores públicos e empresas beneficiadas.

Os resultados da pesquisa também mostraram que, no período de 2001 a 2006, as receitas públicas apresentaram incremento real acumulado (27,02%) compatível com o crescimento do PIB paraibano (25,66%), diferentemente das receitas do ICMS, que apresentaram um incremento real acumulado de apenas 9,39%. Este dado indica que as receitas do ICMS na Paraíba sequer apresentaram o crescimento vegetativo esperado, ou seja, proporcional ao crescimento do PIB. Ficou evidenciado que, no período analisado, as receitas públicas tiveram um aumento superior ao das receitas do ICMS. Por exemplo, em 2001 o ICMS representava 38,84% do total das receitas públicas e em 2006 este percentual cai para 33,44%, redução de 5,4%, o que indica que outras receitas passaram a ter maior relevância na composição das receitas públicas, especialmente as transferências constitucionais. Mesmo diante do pífio incremento real acumulado das receitas do ICMS, o Estado da Paraíba abdicou de parcela considerável de suas receitas. Por exemplo, as renúncias do ICMS em relação ao ICMS arrecadado variaram, no período de 2001 a 2006, entre 6,40% a 13,19%.

A pesquisa quantitativa também indica que as regressões lineares efetuadas entre índices tributários e indicadores sócio-econômicos não apresentam resultados representativos. Em relação a variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e a variável dependente PIB, no período e 2001 a 2006,apresenta coeficiente de determinação igual a 0,334, inexistindo, portanto, relação linear entre as variáveis numéricas. O resultado indica que as alterações nos montantes da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não correspondem a variações lineares no PIB da Paraíba. Assim, é possível anotar que a política de renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não se apresenta como mecanismo apropriado para o incremento nos importes do produto interno bruto. Aliás, uma das justificativas para a utilização dessa política é que ela traria um maior desenvolvimento à região, com aumento da riqueza produzida. Porém, os dados nos revelam, através da análise estatística, que não existe relação entre os montantes renunciados e o crescimento do PIB na Paraíba.

Já em relação ao indicador renda média, as regressões lineares indicam a inexistência de relações lineares com variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. Com os resultados das regressões é possível afirmar que o indicador social renda média não é afetado pelo aumento da arrecadação do ICMS, nem pela renúncia de receita.

O indicador pessoas ocupadas também não apresenta qualquer relação linear com variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. O indicador grau de informalidade apresenta fraca relação linear negativa com apenas a variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, no período de 2001 a 2006. A partir do modelo linear proposto, 75,20% das variações no grau de informalidade podem ser explicadas através da variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB. Assim, observa-se uma tendência de variações proporcionais e negativas entre renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e grau de informalidade no mercado de trabalho.

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O indicador coeficiente de Gini não apresenta relações lineares com as variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. Porém, com relação à variável renúncia de receita no campo de incidência do ICMS percebe-se uma forte relação linear negativa com o coeficiente de Gini.

Por tudo isso, é possível afirmar que inexiste no Estado da Paraíba uma política de renúncia de receita destinada ao desenvolvimento sócio-econômico. Pelo contrário, o que se observa é a incoerência, a inexistência de planejamento e de critérios para outorga de benefícios.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. CASTRO, Augusto Olympio Viveiros. História tributária do Brasil. p. 158.
  2. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. p. 13.
  3. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. P. 106-108.
  4. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. p. 108.
  5. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. p. 141-142.
  6. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. p. 141.
  7. Disponível em: http://ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=721097091&Tick=1250735485622&VAR_FUNCAO
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  13. JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil. p. 15.
  14. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick
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  16. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick
  17. =1233948383375&VAR_FUNCAO=Ser_Temas%281413839210%29&Mod=S. Acesso em: 06/02/2009.

  18. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick=
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  20. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick=

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Sobre os autores
Renato Santiago da Costa

Graduado em Engenheira Civil pela Universidade Federal de Campina Grande, graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba e Pesquisador-bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UEPB).

Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Renato Santiago ; FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. Política de renúncia de receita.: Relações entre benefícios fiscais e desenvolvimento sócio-econômico no estado da Paraíba. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2629, 12 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17392. Acesso em: 25 abr. 2024.

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