I. Introdução
A competência da Justiça do Trabalho se encontra delimitada na Constituição Federal. Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que ficou conhecida como a Reforma do Judiciário, foram estabelecidas modificações de vulto na configuração do Poder Judiciário, a exemplo da criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, do instituto das súmulas vinculantes, do interstício para ingresso na magistratura, entre outros. Foi, igualmente, por meio desta manifestação do Poder Constituinte Derivado que a competência da Justiça do Trabalho sofreu substancial ampliação, ao alterar a redação do art. 114. A redação anterior do artigo dispunha que havia competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos referentes a relações de emprego e outras controvérsias decorrentes de relações de trabalho, estas somente quando estabelecido por lei.
Ao passo que a nova redação do art. 114 traz o seguinte texto:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
Como se percebe, a referida Emenda Constitucional alargou o arcabouço de competências dessa Justiça especializada, sendo considerada por muitos como a principal modificação a que concedeu competência para processar e julgar as lides envolvendo relação de trabalho, enquanto a redação anterior trazia apenas competência para as relações de emprego. Esta alteração destaca-se ainda por conferir maior proteção aos trabalhadores em geral, caracterizando-se como uma verdadeira espécie de garantia social. Nesse sentido, preleciona o professor Edilton Meireles:
É preciso, porém, destacar que a Reforma do Judiciário, neste aspecto, visa reforçar a natureza social da nossa Constituição, com a valorização do trabalho humano (art.1º, inciso IV, c/c caput do art. 170 da CF), ao estabelecer um órgão judicial próprio e especializado, com status constitucional, para julgar as causa em que esteja em questão o labor humano.
Ressalte-se, ainda, que, em face da constitucionalização do princípio da valorização do trabalho humano, impões uma nova tomada de posição diante do direito do trabalho (não só do emprego) infraconstitucional. [01]
Frente à importância desta alteração em específico, cumpre diferenciar a relação de trabalho da de emprego.
II. Diferenciação da Relação de Trabalho da Relação de Emprego
Relação de trabalho caracteriza-se como um conceito mais amplo que o de relação de emprego, eis que aquele engloba este, sendo a relação de trabalho um gênero do qual a relação de emprego é uma espécie Dessa forma, tem-se que toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas o inverso não é verdadeiro. Por este motivo, a EC nº 45/2004, ao modificar o inciso I do art. 114 da CF/1988, estabelecendo a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas referentes a relações de trabalho, acabou por ampliar a competência deste ramo do Poder Judiciário.
O douto Mauricio Godinho apresenta preciso conceito de relação de trabalho, que coaduna com o anteriormente exposto:
A primeira expressão [relação de trabalho] tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação do labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual. [02]
A relação de emprego, por sua vez, exige a presença de elementos específicos para a sua configuração, também chamados de pressupostos por parte da doutrina. Assim, para que haja a especialização da relação de trabalho e verifique-se a existência de uma relação de emprego, é preciso que se tenha: a prestação de trabalho por pessoa física, a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade e a subordinação.
Estes elementos são extraídos do próprio corpo da Consolidação das Leis Trabalhistas, no caput dos arts. 2º e 3º:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[...]
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
[...]
Cumpre, então, realizar uma breve explanação referente a estes elementos, para que se torne mais clara a diferenciação a que se presta este tópico.
A prestação laboral deve se dá por pessoa física para que haja relação de emprego, em razão de somente a esta importar os bens jurídicos tutelados pelo Direito do Trabalho, qual sejam: a vida, a integridade moral, o lazer, etc.
No que tange à pessoalidade, este elemento implica em uma relação intuito personae entre o empregado e o empregador, posto que não pode o obreiro fazer-se substituir paulatinamente por trabalhador distinto no decorrer da prestação dos serviços pactuados. Resta, pois, descaracterizada a relação de emprego caso não seja o próprio empregado que disponha de sua força laboral para prestar o serviço acordado.
A não-eventualidade está atrelada a idéia de permanência, segundo a qual há necessidade de que o trabalho prestado possua caráter de continuidade, não sendo, portanto, esporádico, mesmo que seja uma prestação por período delimitado ou de curta duração.
Quanto à onerosidade, para que exista relação de emprego, o trabalho prestado não poderá ser gratuito, visto que é uma relação de cunho econômico. O contrato de trabalho é bilateral e oneroso, havendo deveres e obrigações a serem cumpridas por ambas as partes. Deste modo, o indivíduo põe a disposição do empregador a sua força de trabalho em contrapartida do recebimento de um benefício econômico. Importa observar que este benefício não precisa necessariamente constituir dinheiro em espécie, podendo parte da remuneração se dar por meio de bens.
Por fim, a subordinação é um dos elementos de maior importância no conceito de relação de emprego. Decorre dela a circunstância de que o empregado está subordinado ao empregador, ou seja, configura uma situação jurídica na qual se reconhece o poder de direção deste sobre o exercício das atividades, havendo uma limitação da autonomia de vontade do empregado, em decorrência do contrato firmado entre as partes. Por conseguinte, a subordinação é um fenômeno jurídico derivado do contrato de trabalho.
Isto posto, a relação de emprego somente restará configurada quando da presença deste cinco elementos. Para a relação de trabalho, contudo, tal exigência não subsiste, já que esta abrange a anterior.
III. Teorias sobre a Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho
Ante as alterações levadas a cabo pela EC nº 45/04, a doutrina pátria formulou teses com o fito delimitar a "nova" competência da Justiça do Trabalho, tendo em face a redação do art. 114, I da Carta Magna, que trouxe a expressão "relação de trabalho". Essas teses podem ser abarcadas por três teorias principais, a seguir enunciadas.
A primeira hipótese entende por uma interpretação ampla da expressão, defendendo que a Justiça do Trabalho tem competência para julgar e processar toda e qualquer lide que envolva relação de trabalho.
Um dos doutrinadores que perfilha esta tese é o professor da Universidade Federal da Bahia, o mestre e doutor Rodolfo Pamplona Filho, que em artigo de sua autoria aduz:
Agora, todas as ações oriundas da relação de trabalho, no que não temos com desprezar os contratos civis, consumeristas ou contratos de atividade (quando se referirem à discussão sobre a valorização do trabalho humano), deverão ser ajuizadas, a partir da Reforma do Judiciário, na Justiça do Trabalho. [03]
A segunda teoria tem um entendimento mais restrito, segundo o qual a expressão utilizada pela Constituição, a partir da EC nº45/04, deve ser compreendida como relação de emprego, já que deveriam ser entendidas como expressões sinônimas ou por concluir que a Justiça do Trabalho se desviaria de seu fito, que é o empregado, ao passar a julgar ações diversas. Assim, para os defensores desta teoria, as lides que dizem respeito a trabalho, este que não se configurar como emprego, inexistindo lei específica, não poderiam ser julgadas por esta Justiça. Tal situação, em verdade, caracteriza a inalterabilidade do sistema.
Esta teoria não pode prosperar por força de ordem conceitual, uma vez que os conceitos de relação de trabalho e de relação de emprego são distintos, conforme aduzido anteriormente, já que relação de trabalho é um gênero que engloba a espécie relação de emprego.
Assim, assumindo a distinção dos conceitos, desaparece a necessidade de existir lei específica para que relações de trabalho sejam enquadradas na competência do judiciário trabalhista. Deste modo, alguns contratos regulamentados pelo Código Civil, por serem abarcados pelo conceito genérico de relação de trabalho, passaram a ser julgados por esta Justiça especializada, ao invés da Justiça comum, como ocorria outrora.
Nesse sentido, preleciona Amauri Mascaro:
Assim, a regra do Código Civil (art. 1.216), ao declarar que "toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser encontrada mediante retribuição", deve ser interpretada, no plano processual, com a regra da competência da Justiça do Trabalho, com o novo suporte constitucional, para julgar toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, mediante remuneração, o que abrange a prestação de serviços (art. 593), o contrato de transporte (CC, art. 730), o contrato de agência, representação comercial (Lei nº 4.886/65), a corretagem (arts. 722 a 729 e Lei 6.530/78), o contrato de administração de administradores profissionais (CC, art. 1.061) e assim por diante. [04]
Dito isto, resta abordar a terceira e última teoria acerca dos limites da competência da Justiça do Trabalho. De acordo com ela, que consiste em uma teoria intermediária, no que concerne as ações referentes aos trabalhadores autônomos, devem-se estabelecer critérios para distinguir as demandas que passam a ser processadas e julgadas no judiciário trabalhista daquelas que permanecem fora de sua competência. Por conseguinte, entende esta teoria que as controvérsias oriundas dos contratos de consumo de serviços e de fornecimento não se enquadrariam nas submetidas a esta Justiça.
Essa teoria em específico apresenta algumas nuances, posto que certos doutrinadores utilizam-se de critérios distintos para diferenciar o que seria relação de consumo propriamente dita e, portanto, submetida à competência da Justiça Comum, da que seria relação de trabalho. Esta temática será analisada de modo mais aprofundado em tópico posterior.
IV. Competência para Processar e Julgar Lides decorrentes das Relações Consumeristas
A doutrina brasileira costuma se dividir no que se refere à competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas oriundas de relação de consumo. Parte entende que a relação de consumo nada mais é que uma relação de trabalho qualificada, submetendo-se à Justiça do Trabalho, enquanto outro segmento doutrinário distingue estas relações.
IV.I. Teóricos favoráveis à competência
Incluem-se entre os expoentes da primeira linha de pensamento supramencionada os professores Rodolfo Pamplona Filho e Edilton Meireles. Este considera que, da mesma forma que a relação de emprego se caracteriza como uma relação de trabalho qualificada, quanto à forma do trabalho que é prestado de maneira subordinada; a relação de consumo configura-se em uma relação de trabalho qualificada no que tange à conduta do trabalhador/fornecedor, que oferta seus serviços no mercado de consumo. Assim, a qualificação da relação jurídica não desvirtua a circunstância de ser uma relação trabalhista. Confirma tal posicionamento o trecho abaixo, retirado de obra de sua autoria:
É fato, entretanto, que o enquadramento do contrato no microssistema de defesa do consumidor, não modifica a sua natureza, que era e continua a ser de atividade (de trabalho). Só que, agora, também sujeito às outras regras. Torna-se um contrato qualificado, de trabalho e de consumo. E, enquanto tal, sujeito à jurisdição da Justiça do Trabalho. [05]
Cumpre observar, todavia, algumas ressalvas feitas pelo mesmo autor. Segundo o mesmo, a prestação de serviço por pessoa jurídica não se configura como relação de trabalho, sendo de alçada da Justiça Comum, da mesma forma como ocorre estando presente consumidor equiparado em um dos pólos da relação. No que concerne a esta hipótese, a ausência de individualização e de oferta desnaturam a competência da Justiça Laboral.
Rodolfo Pamplona, de maneira semelhante, perfilha este entendimento, fundamentando-o a partir do principio constitucional da valorização do trabalho. Isto é, o fato da relação de direito material reger-se pelas regras contidas no Código de Defesa do Consumidor não afasta a competência do Justiça do Trabalho, por ser a relação jurídica constituída de prestação de serviços por pessoa física, e como tal, tratar-se de um trabalho humano que necessita de tutela. A competência, desse modo, seria definida com base na existência do trabalhador e do tomador dos serviços na relação, conforme se depreende do excerto a seguir:
A nova regra básica de competência material toma por base, portanto, novamente, a qualificação jurídica dos sujeitos envolvidos, não mais, como outrora, identificados somente como empregado (trabalhador subordinado) e empregador, mas sim como trabalhador, genericamente considerado, e tomador desses serviços (seja empregador, consumidor, sociedade cooperativa etc), incluindo o próprio Estado, desde que não seja, na forma explicada, uma relação estatutária. [06]
Deste modo, estes autores adotam uma visão mais ampliativa da competência material desta Justiça Especializada, cabendo a esta não somente conhecer dos conflitos de interesses tipicamente trabalhistas, mas igualmente àqueles que versem sobre prestação/fornecimento de serviços na seara consumerista.
IV.II. Teóricos desfavoráveis à competência
Dentre os autores que defendem a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar lides oriundas de relações de consumo, Carlos Henrique Bezerra Leite é um dos que possui entendimento mais restritivo. Para ele, toda e qualquer demanda calcada em uma relação consumerista deverá ser conhecida pela Justiça Comum, sendo contrário, portanto, a tese de que a Justiça do Trabalho deveria julgar as ações nas quais o fornecedor do serviço é pessoa física.
Bezerra Leite entende que os objetivos de ordem protecionista são distintos no que toca ao direito do trabalho/processo do trabalho e ao direito consumerista; aquele objetiva a proteção do trabalhador/prestador ou fornecedor do serviço, enquanto este pugna pela proteção do consumidor/tomador do serviço. Nesta linha de pensamento, aduz o que se segue:
É preciso advertir, porém, que, a nosso ver, não são da competência da Justiça do Trabalho as ações oriundas da relação de consumo. Vale dizer, quando o trabalhador autônomo se apresentar como fornecedor de serviços e, como tal, pretender receber honorários do seu cliente, a competência pra a demanda será da Justiça Comum e não da Justiça do Trabalho, pois a matéria diz respeito à relação de consumo e não à de trabalho. Do mesmo modo, se o tomador de serviço se apresentar como consumidor e pretender devolução do valor pago pelo serviço prestado, a competência também será da Justiça Comum.
Isso porque relação de trabalho e relação de consumo são inconfundíveis. [07]
Em uma posição menos restritiva, tem-se o entendimento de Amauri Mascaro, que estabelece critérios tomando como base os pólos da relação de consumo. Segundo o autor, a Justiça do Trabalho possuiria competência para julgar as lides referentes ao prestador do serviço, enquanto a Justiça Comum julgaria as relativas ao próprio consumidor. Assim, partilha a competência para julgar as lides que têm como objeto esta relação, conforme preleciona no seguinte trecho:
No entanto, como o mesmo diploma legal, na definição de fornecedor, inclui prestação de serviços (art. 3º), poderiam surgir dúvidas caso não esclarecesse o mesmo Código que serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista, ressalva esta que aponta um parâmetro. A relação de consumo tem dois pólos, o do consumidor, questão afeta à Justiça Comum, e o do prestador dos serviços, lide que a Justiça do Trabalho deve julgar. [08]
Ademais, Mascaro também defende a idéia de que não pode a relação constituída a partir de contrato de fornecimento ser caracterizada como uma relação de trabalho, pois não haveria trabalho a ser prestado.
Noutra senda, Sérgio Pinto Martins tem posição ligeiramente mais específica que o autor acima citado. Conforme ensina em sua obra "Direito Processual do Trabalho", não cabe à Justiça Obreira analisar as relações de consumo, uma vez que estas não simbolizam a relação de trabalho apregoada pela Constituição Federal, que envolve justamente a prestação da força laboral por pessoa física à outra pessoa física ou jurídica. Desse modo, eventuais litígios acerca do objeto dos serviços prestados – como os relativos à qualidade da operação – devem ser examinados pela Justiça Comum, consoante se extrai do trecho abaixo:
Lide entre consumidor e prestador de serviços, em que irá ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor, não é de competência da Justiça do Trabalho, por se tratar de relação de consumo, que tem natureza econômica. Exemplos são a relação do paciente com o médico em decorrência de uma operação malfeita, do cliente contra outra pessoa física que fez conserto incorreto de um aparelho eletrônico. São hipóteses que envolvem relação de consumo e não exatamente de trabalho. [09]
Entretanto, o autor delineia ressalva a tal entendimento, uma vez que aduz ser da competência da Justiça do Trabalho conhecer de eventuais lides entre prestador e tomador de serviços quando aquelas versarem sobre a remuneração do labor desempenhado. Tal competência dessa Justiça Especializada se originaria do disposto no art. 114, IX, da CF/88, ou seja, seria oriunda de uma competência decorrente. Com o escopo de reforçar tal posição, o autor manifesta-se da seguinte maneira:
A relação entre o prestador de serviços e o tomador de serviços sobre o peço do serviço ou dos honorários profissionais é de trabalho, pois diz respeito à remuneração pelo trabalho feito. Exemplo é o do médico que poderá postular na Justiça do Trabalho seus honorários pelos serviços prestados ao cliente, pois é uma relação de trabalho. Entretanto, entendo que há necessidade de a lei ordinária tratar do tema, de forma a regular o inciso IX do art. 114 da Constituição. [10]
Conforme se depreende, não é pacífica a questão dos limites da competência material da Justiça do Trabalho, ampliada por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004. Existem posicionamentos das mais diversas ordens, todavia, o Supremo Tribunal Federal, órgão competente para dirimir esta controvérsia, por se tratar de matéria constitucional, ainda não se pronunciou sobre a questão.
IV.III. Posição do TRT da 5ª Região
Frente a esta ausência de uniformidade doutrinaria, importa trazer a baila o posicionamento adotado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região – Bahia. Os julgados deste tribunal têm adotado entendimento de que a EC nº 45/2004 não conferiu competência para a Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas oriundas de relações e consumo, mas tão somente as referentes as relações de trabalho. A adoção desta linha pode ser observada nos julgados abaixo colacionados:
Ementa: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA MÓVEL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Refoge à competência da Justiça do Trabalho em conhecer e decidir a questão relativa à indenização por danos morais e materiais decorrentes de contrato de prestação de serviços de telefonia móvel, pois se trata de hipótese inserida no conceito de relação de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, não configurando, nos termos da lei, relação de trabalho, para fins de aplicação do artigo 114, I, da Constituição Federal. [11] (grifos nossos)
Ementa: RELAÇÃO DE CONSUMO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Quando a controvérsia diz respeito a uma relação de consumo (contrato de mútuo bancário) e não de trabalho, apesar de a instituição financeira envolvida ser a ex-empregadora do autor da ação, afasta-se a competência desta Especializada em razão da matéria. [12]
Ementa: INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO DE CONSUMO. ADVOGADO. Refoge a esta Especializada, a competência material para processar e julgar ação onde se discute relação de consumo. [13]
Contudo, há certo dissenso dentro do tribunal quando o dissídio versa sobre a relação advogado-cliente. Isto porque, alguns julgadores a consideram como relação de consumo, estando fora da competência desta Justiça especializada, outros entendem que não se configura como tal, sendo passível de julgamento por esta Justiça. A jurisprudência majoritária deste Tribunal entende pela configuração como relação de consumo, conforme se observa nos seguintes acórdãos:
Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A relação travada entre outorgante e advogado configura-se em relação de consumo e não em relação de trabalho. Destarte, foge à competência dessa especializada processar e julgar a referida demanda, mesmo com a nova redação dada ao art. 114 da CF/88 pela Emenda Constitucional nº 45. [14]
Ementa: INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - descabe a cobrança de honorários advocatícios nesta Especializada, quando se apresenta decorrente de mera relação de consumo entre o profissional e seu cliente. [15]
Ementa: EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Considerando-se que, nas relações mantidas entre advogado e cliente, não há a inserção do trabalho do causídico em processo produtivo, e tampouco a sua subordinação ou dependência econômica em relação ao seu contratante, o vínculo entre eles estabelecido configura relação de consumo, estando, portanto, a demanda objetivando a cobrança de honorários, sob a competência da Justiça Comum Estadual. [16]
Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho não se revela competente para processar e julgar ação de cobrança de honorários advocatícios, tendo em vista que tal controvérsia não envolve relação de trabalho, mas, sim, relação de consumo. [17]
Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A nova redação conferida ao inciso I do art 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45 não transfere para a justiça do trabalho a competência para o julgamento de ações de cobrança de honorários advocatícios propostas pelo advogado contra seu cliente, uma vez que a relação entre eles estabelecida não é de trabalho, mas, sim, de consumo, não estando, portanto, abrangida pelo referido dispositivo constitucional. [18]
Mas há julgados adotando posição adversa:
Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a apreciar as ações envolvendo relação de trabalho, assim compreendida como toda atividade humana, pessoal e remunerada, como ocorre, por exemplo, com os prestadores de serviços, representantes comerciais, arquitetos, médicos etc. A relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é espécie. O intuito do legislador foi atribuir a um único órgão do Poder Judiciário a competência para apreciar as lides envolvendo o trabalho humano. Sendo assim, tem-se que esta Justiça Especializada passou a ser competente para apreciar as ações de cobranças de honorários advocatícios, uma vez que a relação entre o advogado e o seu cliente é de trabalho. Não prospera o argumento dos que defendem que se trata de relação de consumo, porque o advogado está submetido à legislação específica, mais precisamente à Lei nº 8.906/94 e não ao Código de Defesa do Consumidor, tanto que não pode praticar atos de mercancia, captação de causas ou valer-se de agenciador. Incidente de Uniformização de Jurisprudência a que se solve para declarar a Justiça do Trabalho competente para apreciar e julgar as ações de cobrança de honorários de advogado. [19]
Ementa: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RESERVA DO VALOR DEVIDO REFERENTE AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A atual competência da Justiça do Trabalho abrange as controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação oriunda de relação de trabalho estrita, que não se confunde com relação de consumo, podendo, neste caso, o Juiz determinar que seja reservado o valor devido ao advogado quando do pagamento do crédito ao Autor. [20]
Como se percebe, o TRT da 5ª Região tende a considerar o entendimento mais restritivo da competência, conforme o qual as relações de consumo devem ser julgadas pela Justiça Comum.