1 – DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS:
Para que se tenha a correta aplicação das normas, é necessário, antes de mais nada, que sejam elas devidamente interpretadas, sob pena de causarem danos aos direitos das pessoas e à própria justiça.
Mas, para tornar efetiva essa tarefa, orienta-se o intérprete por princípios de caráter teórico, que lhe assegurem a consecução daquele "desideratum" e que são revelados pela Hermenêutica. Recorre, então, a esta última, como teoria científica da arte de interpretar, e submete o processo de indagação da "mens legis" às regras fornecidas por aquela.
A interpretação não é exclusiva dos estudos jurídicos, mas utilizada em praticamente todas as áreas de conhecimento. Porém, interpretar um texto jurídico nem sempre é uma fácil incumbência ao exegeta, pois vários são os elementos e as formas de faze-lo e devem ser bem analisadas e aplicadas, para que decorra da análise da norma, uma conclusão lógica e correta, caracterizadora do sentido exato para sua aplicação.
E os ensinamentos da doutrina sobre a interpretação das normas demonstram qual o objetivo da interpretação como sendo "determinar-lhe com exatidão seu verdadeiro sentido, descobrindo os vários elementos significativos que entram em sua compreensão e reconhecendo todos os casos a que se estende sua aplicação." [1]
A lei expressa, evidentemente, uma declaração de vontade, o que vale dizer, tem a função de transmitir um pensamento, de que é destinatário o intérprete. Daí andarem juntos os conceitos de norma jurídica e interpretação.
2 – DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS TRIBUTÁRIAS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO:
No que tange a interpretação das normas, no âmbito do direito tributário, o Capítulo IV do Código Tributário Nacional, em seus artigos 107 a 112, trata exatamente desse tema.
Efetivamente o que se tem como regra expressa importante e oriunda dos princípios gerais do direito, é o fato de que a lei tributária não pode alterar em hipótese alguma, os institutos de direito privado, que sejam usados pela Carta Magna, seja expressa ou implicitamente.
Esta posição é analisada por Hugo de Brito Machado quando, em seus comentários sobre o CTN discorre que "a norma veiculada em uma lei é válida se está em harmonia com a Constituição" [2]
A finalidade da interpretação das normas, em sentido amplo, é a busca pela solução para o caso concreto, seja quando se tem legislação específica sobre o tema, seja quando o intérprete tenha que utilizar-se da integração das normas, conforme art. 108 do CTN.
O que se pretende, num sentido restrito, é que a interpretação possa ajudar o aplicador da lei a utiliza-la, declarando-se sua utilidade e alcance. É esclarecedor notar que a interpretação não é figura exclusiva do direito, quando dos estudos jurídicos. É ela atividade muito utilizada em outras áreas do conhecimento, tendo muitas vezes o sentido não de buscar o significado, mas de conhecer. Em outras situações, a interpretação quer significar expressar.
No entanto, apesar de não ser figura exclusiva do direito, a interpretação aqui, significa uma forma de exortar a manifestação do princípio, da regra, do comando, do instituto, enfim, de todos os elementos do direito.
Para a interpretação das normas, devem ser observados quatro elementos: A) ELEMENTO LITERAL – por esse elemento, reduz-se a pesquisa ao significado gramatical das palavras; B) ELEMENTO HISTÓRICO – esse elemento diz respeito à situação fática das normas em determinado momento histórico; C) ELEMENTO LÓGICO-SISTÊMICO – por esse elemento, o interprete analisa a necessidade de harmonia entre as normas, uma vez que por haver um sistema de regramentos e ordens, esses devem ser harmoniosas entre si, para poderem surtir efeitos; D) ELEMENTO TELEOLÓGICO – esse elemento leva o intérprete a analisar a finalidade da norma, assim como ter em vista a finalidade do próprio Direito como sistema de limite.
Tendo feito esse pequeno intróito, devemos analisar a interpretação das normas tributárias, em face do princípio da supremacia constitucional, que é a única garantia oferecida pelo Direito contra as possíveis arbitrariedades do Estado.
É preciso, inicialmente fazermos a constatação que esse princípio vem sendo constantemente sendo violado, como bem descrito pelo mestre Hugo de Brito Machado quando estabelece que "inúmeros exemplos podem ser citados, nos quais se nega a supremacia constitucional, seja pela simples desconsideração da norma da Constituição, seja pelo argumento de que tal norma está a depender de regulamentação, de que a norma da Constituição é meramente programática, ou ainda que pelo emprego de interpretação canhestra, que amesquinha seu alcance. Em muitos casos resta evidente que, na prática, valem muito mais as leis, e até as normas infralegais, do que a Constituição. A supremacia desta, portanto, infelizmente, tem sido simplesmente retórica." (grifo nosso) [3]
E esse posicionamento aqui apresentado, é reconhecido pela doutrina pátria como pedimos vênia ao citar o ilustríssimo constitucionalista JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, que na época em que explanou sua posição era Presidente do STF, e que assim se manifestou: "o poder absoluto exercido pelo Estado, sem quaisquer restrições e controles, inviabiliza, numa comunidade estatal concreta, a prática efetiva das liberdades e o exercício dos direitos e garantias individuais ou coletivos. É preciso respeitar, de modo incondicional, os parâmetros de atuação delineados no texto constitucional. Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos Povos e das Nações. Todos os atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à censura jurídica – dos Tribunais especialmente – porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada." (no ADIn 293.7600-DF) [4]
‘Destarte, com fulcro nessas afirmações, podemos dizer que a inaplicabilidade da Carta Magna por falta de regulamentação é também uma forma de violação à supremacia constitucional. E corroborando essa posição, pedimos vênia para demonstrar, com a citação do Min. Teori Albino Zavascki, "deixar de observar a norma constitucional ao argumento de que não é auto-aplicável, porque carece de regulamentação infra-constitucional, implica atribuir ao Poder Legislativo a pecha de inconstitucionalidade por omissão." [5]
3 – O ART. 170 DO CTN:
Como decorrência do estudo sobre a interpretação das normas, passamos à analise do art. 170 do CTN com fulcro da Constituição Federal de 1988.
O CTN foi publicado no Diário Oficial de 27.10.1966, entrando em vigor em 1º de janeiro de 1967 e passou a denominar-se Código Tributário Nacional, pelo disposto no art. 76 do Ato Complementar 36/67. A partir daí, passou, então, a ser regida pela Carta Magna de 1967, com as alterações de 1969 e posteriores.
Naquela ocasião estava em vigor o Código Civil de 1916, que previa expressamente em seu art. 1017 que "as dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também não podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda."
Portanto, naquele momento, não poderia haver outra prescrição legal a não ser aquela estipulada no art.170 do CTN, uma vez que estava em conformidade com a legislação civil na época, até porque a CF de 1967.
A CF de 1988 também não se referiu ao poder liberatório dos tributos pelos precatórios vencidos e não pagos. Isto só ocorreu a partir da Emenda Constitucional 30/00 que instituiu o art. 78 do ADCT.
Com efeito, como se verifica na Constituição Federal em vigor, no art. 78 do ADCT, houve uma inovação, ao conceder o poder liberatório dos precatórios vencidos e não pagos, para a quitação de tributos, sem qualquer exigência.
Além disso, o novo CC não adotou a linha estabelecida no art. 1017 do Código Civil anterior, pois não proibiu o instituto da compensação entre os precatórios vencidos e não pagos, com os créditos fiscais .
Em que pese a posição dos doutos que entendem ser necessária a regulamentação da compensação com os precatórios, em virtude do teor do art. 170 do CTN, entendemos que esse dispositivo foi revogado, pois se tornou incompatível com o disposto na Carta Magna vigente, que exige, para a compensação supra referida, apenas que o precatório esteja vencido e não tenha sido pago.
Dessa forma, a revogação do "caput" do art. 170 do CTN se deu tacitamente, conforme se vê previsto no art. 2º, § 1º da LICC – Lei de Introdução ao Código Civil -, ou seja, pela incompatibilidade da lei nova com a anterior.
E mais do que isso, ao ser aplicado o já citado art. 110 do CTN, verificamos que os institutos, conceitos e formas de direito privado que sejam utilizados, ainda que implicitamente pela Constituição Federal, no caso, não podem ser alterados.
Para corroborar o que aqui apresentamos como argumento, Hugo de Brito Machado expõe que "note-se que o art. 110 do Código Tributário Nacional refere-se a definições, conceitos e formas. Não se há de limitar o seu alcance, portanto, aos casos em que a norma da Constituição tenha formulado uma definição. Basta que tenha utilizado um conceito, ou uma forma, de Direito Privado. Ou um conceito qualquer, de qualquer área do conhecimento jurídico, ou do conhecimento não jurídico. Esse conceito não poderá ser alterado pela lei ordinária porque, repita-se, a norma do art. 110 do Código Tributário Nacional é mera explicitação." [6]
Quando os doutrinadores afirmam ser necessária lei infraconstitucional para aplicação do art. 170 do CTN, estão deixando de considerar a supremacia constitucional, pois desconsideraram o fato da CF não vincular a compensação com precatórios com qualquer regulamentação emanada do órgão federativo devedor.
E a compensação, por ser categoria geral de direito, deve se submeter aos princípios gerais, dentre eles, o da legalidade e da moralidade.
Com efeito, é imoral e ilegal, em face da Carta Magna atual, presumir-se que deva a autoridade administrativa regulamentar os procedimentos para compensação com precatório do qual é devedor, para aplicar-se o direito constitucionalmente instituído no art. 78, § 2º do ADCT.
4 – DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 78 DO ADCT:
4.1 – DA CESSÃO DOS PRECATÓRIOS: -
A Emenda Constitucional 30/00 introduziu o artigo 78 no ADCT o qual, dentre alguns pontos relevantes, autoriza a cessão de créditos oriundos de precatórios, atribuindo-se àqueles vencidos e não pagos, poder liberatório de tributos da entidade devedora.
Já os arts. 5º e 6º da Emenda Constitucional 62/09, convalidaram não só as cessões dos precatórios, como também as compensações, que foram realizadas até a promulgação daquela norma.
E para dirimir as dúvidas que haviam sobre a necessidade ou não de anuência da administração para que a cessão dos precatórios se consolidasse, a EC 62/09 ao dar nova redação ao art. 100 da Carta Magna, em seu § 13º, dispõe que "o credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º".
E em seu § 14º determina que "a cessão dos precatórios somente produzirá efeito após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora."
No entanto, a CF não exigiu nenhuma forma específica para que a cessão dos precatórios se dê, isto é, prevalece a informalidade dos atos jurídicos que é reconhecida pelo CC, podendo este ato jurídico ser praticado tanto por documento público quanto privado.
É recomendável, apenas por questão de cautela, que a cessão se dê por escritura pública ou, caso seja lavrado por instrumento particular, seja este registrado junto ao Cartório de Títulos e Documentos, para que valha contra terceiros.
Quanto à forma de comunicação da cessão dos precatórios, a única exigência constante do art. 78, é que aquela feita ao Poder Judiciário se dê por petição protocolizada junto ao Tribunal de Origem do precatório.
Porém, quanto à comunicação ao órgão público, não estabelece qual seria a forma, ou seja, poderá ser feita até pelos próprios autos, onde se originou o precatório, ou mesmo através de notificação com aviso de recebimento, sem qualquer outra exigência ou formalidade.
4.2 – DO PRECATÓRIO ALIMENTAR:
Outra questão de suma importância que é objeto de discussão acirrada, diz respeito à possibilidade de se ter o poder liberatório dos precatórios alimentares.
Com efeito, o § 1º do at. 100 da CF estabelece que os precatórios alimentares terão prioridade sobre os demais débitos, com exceção daqueles devidos aos maiores de 60 anos ou dos portadores de doença grave, conforme alteração da EC 62/09.
Já o art. 78, em seu "caput", ao tratar do parcelamento dos precatórios, excluiu expressamente os alimentares e os de pequeno valor, que seriam pagos em uma única parcela e não em 10 parcelas anuais. Esse é o objeto primordial do art. 78 do ADCT.
Ao conceder o poder liberatório para as parcelas anuais vencidas e não pagas, conforme § 2º do referido artigo, o legislador constitucional não teve a intenção de excluir os precatórios alimentares.
Com efeito, se assim fosse, o direito de preferência dos precatórios alimentares, instituído pelo art. 100, § 1º da CF seria letra morta, pois havendo dois precatórios vencidos e não pagos, - um alimentar e outro não alimentar -, somente este último teria a possibilidade de ser usada para quitação de tributos enquanto aquele deveria aguardar pagamento, sem qualquer outro benefício.
Quando fizemos os comentários sobre a interpretação das normas, verificamos que devem elas ser analisadas como um todo, sob pena de se ter uma interpretação equivocada. Destarte, ao interpretarmos o art. 78 do ADCT e seus §§ em conjunto com o art. 100 da CF, outra conclusão não pode haver a não ser a que não retira dos precatórios alimentares o seu poder liberatório, quando vencidos e não pagos.
Além disso, o § 13º do art. 100, alterado pela EC 62/09, ao tratar do direito de cessão de créditos em precatórios, sem a anuência da entidade devedora, não limitou esse direito apenas aos precatórios não alimentares.
Ora, se a cessão de precatórios é autorizada para todos eles, não há razão para restringir o poder liberatório daqueles vencidos e não pagos. Qual a utilidade da cessão se não puder ser usado o poder liberatório?
E se assim não fosse, se a compensação pode ocorrer com os créditos de maneira geral, hoje não existe qualquer razão legal para que esse instituto geral de direito não seja aplicado aos precatórios alimentares, uma vez e a regra para a aplicação daquela forma de extinção das obrigações já estaria caracterizada.
Outro ponto a dar respaldo à posição aqui adotada, refere-se ao fato de poder a entidade pública abater os débitos tributários constituídos contra o credor do precatório, inclusive parcelas vincendas de parcelamento, quando da expedição dos precatórios, conforme, §9º do art. 100, com redação dada pela EC 62/09, sem especificar que este abatimento seja feito apenas nos precatórios não alimentares.
Ora, pelo princípio da igualdade, se pode a Fazenda Pública abater o que lhe é devido pelo contribuinte, -credor do precatório-, ou seja, pode aplicar o instituto da compensação quando da expedição daquele ofício requisitório, independente de qual seja a espécie (alimentar ou não), a recíproca deve ser verdadeira, sob pena de se ter o desrespeito aos princípios que norteiam o direito constitucional brasileiro.
A posição dos Tribunais pátrios ainda não é pacífica, mas já estão tomando esta linha de raciocínio, como se verifica:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO – PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO COM CRÉDITO ALIMENTAR NÃO PAGO PELA FAZENDA DO ESTADO – POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO (ART. 156, II, CF) – CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DA ISONOMIA E DA MORALIDADE – INTERPRETAÇÃO QUE CUMPRE O TRATAMENTO PRIVILEGIADO ATRIBUÍDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA (ART. 100) – LIMINAR DE SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONCEDIDA – RECURSO PROVIDO." (TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO 994.09.255061-1/JUNDIAI, REL. DES. MAGALHÃES COELHO, JULG. 20.07.2010)
"APELAÇÃO CÍVEL – COMPENSAÇÃO – CRÉDITO TRIBUTÁRIO DE ICMS COM CRÉDITO DE PRECATÓRIO ALIMENTAR DECORRENTE DE CESSÃO DE CRÉDITO – ADMISSIBILIDADE – EC/62 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO PARÁGRAFO NONO DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VIABILIZANDO A PRETENSÃO DO IMPETRANTE – RECURSO PROVIDO". (TJSP, AP. 994.09.252001-0/TAUBATÉ, REL. DES. ANTONIO CARLOS MALHEIROS, JULG. 08.06.2010)
4.3 – DA AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 78 DO ADCT:
Este tema deve ser mencionado novamente, de forma rápida, pois já analisado quando comentamos o art. 170 do CTN, no que se refere à desnecessidade de lei regulamentadora, para a compensação dos tributos com precatórios vencidos e não pagos.
Além de todos os argumentos já apresentados, a demonstrar a revogação do art. 170 do CTN, nenhuma exigência de regulamentação foi feita seja pela EC 30/00, seja pela EC 62/09, para a verificação do instituto da compensação, com base no art. 78 do ADCT.
Com efeito, o § 2º do artigo supra referido, ao conceder poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, em nenhum momento exige que tal procedimento se dê mediante regulamentação por legislação da entidade pública.
É importante ressaltar que a EC 62/09, que veio atualizar as relações jurídicas na utilização dos precatórios, todas as vezes que entendeu ser necessária a lei da entidade federativa, expressamente o determinou.
Pode ser verificado, por exemplo, no § 11º do art. 100 da CF, alterado pelo art. 1º da EC 62/09 que, quando os créditos em precatórios forem utilizados para aquisição de imóveis públicos do respectivo ente federado, esta deverá ocorrer conforme legislação daquele órgão público, expressamente exigido pelo parágrafo citado.
Na via inversa, se não há menção de regulamentação por norma do órgão público devedor do precatório, para abater os débitos tributários do credor, quando de sua expedição, conforme §9º do art. 100 da CF, alterado pelo art. 1º da EC 62/09, impor-se a exigência de regulamentação do órgão federativo para aplicação do instituto da compensação dos tributos com os créditos de precatórios vencidos e não pagos é tornar o art. 78, § 2º do ADCT , letra morta, violando-se todos os princípios constitucionais garantidores das relações jurídicas.
E esta posição vem tomando força perante nossos tribunais, especialmente em São Paulo, como pedimos vênia para demonstrar, ao transcrever algumas decisões:
"MANDADO DE SEGURANÇA – TRIBUTÁRIO – PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO COM CRÉDITO REFERENTE A PRECATÓRIO VENCIDO E NÃO PAGO PELA FAZENDA DO ESTADO – POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO (ART. 156, II, CF) – AUTO APLICABILIDADE DO ARTIGO 78, § 2º, DO ADECT – RECURSO PROVIDO." (TJSP, AP. CÍVEL 990.10.010405-5/SP, REL. MAGALHÃES COELHO, JULG. 16.03.2010)
No corpo do "decisum" da Apelação Cível 990.10.222801-0, da Comarca de São Paulo, cujo Relator foi o Desembargador Magalhães Coelho, este, ao tratar da compensação aqui analisada, disse que "é possível, portanto, ao credor da parcela do precatório descumprida – ou seja, vencida e não paga – compensar com o tributo devido à entidade política devedora. Esta norma constitucional, dotada de auto-aplicabilidade não depende de lei infraconstitucional para produzir seus efeitos." (grifo nosso)