4 CRITÉRIO ESPACIAL
4.1 Conceito
O aspecto espacialindica as circunstâncias de lugar relevantes para a configuração do fato imponível. Nesta hipótese, coincide com o limite geográfico dos Estados, e determina qual o ente que poderá exigir o tributo.
4.2 Discussão acerca da Competência do Estado do Destinatário Final da Mercadoria, Estabelecimento do Importador ou do Local do Desembaraço Aduaneiro
A questão a ser dirimida em relação ao critério espacial é estabelecer o local em que ocorre o fato gerador para definir o Estado-membro competente para a cobrança do imposto. Faz-se necessário definir qual o ente responsável pela sua exigência.
Podemos aqui delinear de forma clara três Estados possíveis que poderiam pleitear o tributo: o primeiro é aquele em que a mercadoria advinda do exterior é recepcionada; o segundo é a do importador; o terceiro é aquele em que se estabelece a pessoa que solicitou a importação do produto que será incorporado a seu ativo.
Caso o Estado em que ocorra o desembaraço aduaneiro seja o mesmo do importador e destinatário final da mercadoria não há maiores dúvidas quanto a sua competência para o recolhimento do ICMS.
Todavia, existem hipóteses em que o produto importado poderá perpassar por diversos Estados, desde o seu recebimento na alfândega, até a chegada no destinatário final. Para aclarar o entendimento, tomemos o seguinte exemplo: uma empresa localizada no Estado A solicita a importação de uma mercadoria por intermédio de uma importadora, localizada no Estado B, e que adentrará no país pelo Estado C. Assim, visualizamos a hipótese da mercadoria percorrer, no mínimo, em três Estados brasileiros. A qual desses Estados é devido o ICMS? Àquele em que ocorre o desembaraço aduaneiro, ao que se situa o estabelecimento importador ou no local em que se encontra o estabelecimento destinatário final da mercadoria?
Os Estados que possuem repartições aduaneiras aproveitaram desta sua condição para recolher o tributo quando da entrada do bem, o que causou insatisfação aos outros Estados a que seriam destinadas a mercadoria, e assim deu início a conhecida "guerra fiscal".
Surgiram entendimentos que deram respaldo aos interesses de cada um destes Estados, dando soluções controversas a respeito do tema. Passa-se agora a analisar os argumentos daqueles que defendem cada corrente.
4.2.1 Competência do Estado em que se localiza o destinatário final da mercadoria
A Constituição de 1988, em sua redação original do art. 155, §2º, inciso IX, alínea "a", determinava que a cobrança do ICMS competia ao ente em que se localizava o "estabelecimento destinatário da mercadoria", ocorrendo, neste local, portanto, o fato gerador da importação. A Carta Magna previa:
IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; (grifo nosso)
De acordo com esta linha, a expressão "destinatário da mercadoria" deve ser interpretada considerando os elementos contidos na própria norma. Refere-se ao termo estabelecimento que teve o animus de importar a mercadoria para destiná-la ao seu ativo fixo ou consumo. É aquele que passa a ser o titular do bem, concretizando, dessa forma, o critério material da hipótese de incidência. Assim, o Estado competente para a cobrança seria aquele do estabelecimento que passa a ser proprietário da mercadoria.
Nem o Estado que realizava o desembaraço aduaneiro, nem aquele em que se localizava o eventual importador possuíam legitimidade para a cobrança do tributo. Quanto ao primeiro, trata-se apenas de um interposto pelo qual a mercadoria, advinda do exterior, será recepcionada, e em nada se relaciona com o negócio de importação. Em relação ao segundo, o estabelecimento importador apenas desempenha o papel de mediador na operação de importação, caracterizando-se como um instrumento para a realização do negócio. Como a ele não é destinada a mercadoria, não pode ser identificado como o sujeito passivo da exação e, desta forma, não cabe ao seu Estado cobrar o imposto. E, ainda que o bem adentre no estabelecimento do importador para armazenamento temporário, não há incidência do ICMS sobre esta entrada, pois a titularidade do bem é de outrem.
Ademais, caso não fosse a vontade do destinatário final em ter a mercadoria importada, certo é que não haveria a figura do importador, já que nenhum negócio seria realizado. Desta forma, ele configura-se apenas como um instrumento para a concretização da operação entre as partes.
Comentando acerca do tema, Ives Gandra da Silva Martins preceitua:
O dispositivo constitucional, por outro lado, torna o Estado do estabelecimento destinatário o beneficiado pela incidência. Um produto importado por estabelecimento de Mato Grosso, que deva ficar provisoriamente depositado nos armazéns gerais do Rio de Janeiro, não retira do Estado do Mato Grosso o direito à incidência nem autoriza ao Estado do Rio de Janeiro a cobrança do ICMS, de tal forma que o fato gerador do tributo não é a entrada de mercadoria no país, mas no estabelecimento destinatário. [28]
Cabe ressaltar que se o importador adquire o bem com a finalidade de integrá-lo ao seu ativo fixo ou consumo, sem contrato prévio que externe sua condição de mediador, será considerado o destinatário final da mercadoria. Desse modo, irá desempenhar duas funções, o de importador e destinatário final, e a ele caberá o pagamento da exação.
Já a Lei Complementar 87/96 tratou em seu art. 11 sobre a competência para cobrança do tributo. Dispõe nos seguintes termos:
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é
(...)
d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; (grifo nosso)
Define, portanto, que a exigência do ICMS deve ocorrer no Estado do estabelecimento em que ocorrer a "entrada física" da mercadoria. Entretanto, para o entendimento deste artigo, o conceito de "estabelecimento" deve ser conjugado com o termo "destinatário" previsto na Constituição. Isto porque não será sobre qualquer estabelecimento que a mercadoria adentrar que irá ocorrer o fato gerador do imposto. Será somente naquele que passa a ser efetivamente o titular da mercadoria.
Comentando a respeito da incidência do ICMS nas mercadorias importadas do exterior, Hugo de Brito Machado:
Quando a mercadoria é importada do exterior, o local da operação é aquele em que tem sede o estabelecimento no qual ocorre a entrada física da mercadoria. Mesmo que esse estabelecimento seja diverso daquele que realizou a importação.
Quando a mercadoria é importada por estabelecimento localizado em um Estado, mas é destinada a estabelecimento localizado em outro, é do Estado em cujo território está este último a competência para cobrar o imposto. [29]
Publicada a Emenda Constitucional nº 33, não houve alterações que implicassem a invalidação desta corrente. Com a nova redação, permanecia ao Estado do estabelecimento destinatário da mercadoria a exigência do tributo. E, como houve o elastecimento da incidência do ICMS para a importação de bens, passou a prever o Estado do domicílio do importador como responsável para a cobrança do imposto
4.2.2 Competência do Estado em que se situa o importador
Entendem os adeptos desta linha que destinatário é aquele que promove a importação do bem. Desta forma, é devido o imposto ao Estado em que se encontra o estabelecimento do importador.
E, caso o importador repasse a mercadoria ou bem a outra empresa, será devido novo ICMS para este negócio.
Neste sentido, Roque Antônio Carraza prescreve:
V – E como ficamos se a mercadoria importada pela empresa X é imediatamente repassada para a empresa Y, localizada num terceiro Estado-membro?
Não vemos, aí, maiores problemas: o ICMS é devido, pela empresa X, ao Estado onde ela estiver localizada. E um novo ICMS por ela será devido em decorrência do novo negócio jurídico praticado com a mesma mercadoria (agora com a empresa Y). [30]
Logo, percebe-se a exigência do ICMS em dois momentos, primeiro quando a mercadoria é enviada ao importador, e segundo quando esta é encaminhada ao destinatário final. Dessa forma, um único Estado pode ser beneficiado com a cobrança por 2 vezes do tributo, caso o importador e destinatário final estejam no território do mesmo ente, ou dois Estados aproveitaram no recolhimento do tributo caso se localizem em entes diferentes.
Ainda entendem os partidários da vertente em epígrafe que a entrada física não é elemento essencial na identificação do critério espacial. Caso fosse necessária a observância da "entrada física", os importadores deveriam, desnecessariamente, encaminhar o produto até suas dependências, para assim recolher o ICMS. Para que haja maior celeridade no trâmite da mercadoria da alfândega até o destinatário final da mercadoria, o importador pode emitir a nota fiscal de entrada, e em seguida, a nota fiscal de saída, para acobertar o transporte da alfândega até o estabelecimento do solicitante do bem. Dessa forma, retira o desperdício que seria transportar a mercadoria até o seu estabelecimento para recolher o imposto, e depois, enviá-la ao destinatário final. A previsão da entrada simbólica no estabelecimento encontra-se no art. 20 da Lei Complementar 88/96:
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação. (grifo nosso)
4.2.3 Competência do Estado em que ocorre o desembaraço aduaneiro
Por esta vertente, entendem que o ICMS é devido ao Estado em que ocorre o desembaraço aduaneiro da mercadoria, sendo o seu pagamento condição para liberação do bem. Esta seria uma solução para reduzir a sonegação, já que o imposto seria recolhido de imediato, facilitando o trabalho da fiscalização.
Utilizam do art. 12 da Lei Complementar 87/96 para fundamentar seu entendimento. Dispõe o citado artigo:
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(...)
IX - do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas do exterior
(...)
§ 2º Na hipótese do inciso IX, após o desembaraço aduaneiro, a entrega, pelo depositário, de mercadoria ou bem importados do exterior deverá ser autorizada pelo órgão responsável pelo seu desembaraço, que somente se fará mediante a exibição do comprovante de pagamento do imposto incidente no ato do despacho aduaneiro, salvo disposição em contrário.
4.3 Julgados do STF
No Recurso Extraordinário 299.079-5 o STF analisa a importação de álcool anidrido mediada por empresa localizada no Estado de Pernambuco e que foi vendida a Petrobrás no Estado do Rio de Janeiro. A importadora, visando a "economia e praticidade" nesta operação realizou a entrega direta da mercadoria à compradora, sem ter que efetuar a entrada física do combustível em seu estabelecimento.
A partir daí travou-se a disputa judicial do Estado do Rio de Janeiro para receber o ICMS nesta operação. O imposto foi pago ao Estado de Pernambuco, todavia, o ente fluminense alegava que ele é devido ao Estado em que se estabelece o destinatário final da mercadoria.
O relator Ministro Carlos Britto ao analisar o art. 155, §2º, IX, a, afirma que a Constituição não definiu de forma clara se o "estabelecimento destinatário" seria aquele que apenas intermediou a operação, ou o que se torna proprietário da mercadoria importada.
E, tendo em vista a ausência de tal definição, decide pela cobrança do Estado em que se localiza o importador, por entender ser este o destinatário jurídico da mercadoria, alinhando-se ao pensamento de Roque Antônio Carrazza.
Do voto do relator, retira-se o seguinte trecho:
9 – De mais a mais, o dispositivo constitucional, ao se referir a "estabelecimento destinatário", não especifica o tipo de estabelecimento: se é o final, ou se não é.
10 – Dessa forma, quando a operação se inicia no Exterior, o ICMS é devido ao Estado em que está localizado o destinatário jurídico do bem, isto é, o importador. [31]
Em decisão posterior, nos autos do RE 268.586-1, o STF examina a importação de mercadorias destinadas a Polaroid do Brasil Ltda, por intermédio da empresa Sociedade Comercial Oceania Ltda. O produto entrou no país pelo Porto de Santos, e foi encaminhado diretamente ao estabelecimento que encomendou o produto, sem passar pela importadora. No momento do desembaraço aduaneiro, a Sociedade Comercial Oceania promoveu o recolhimento do ICMS ao Estado do Espírito Santo, local de sua sede. Contudo, o Estado de São Paulo, lugar do desembaraço aduaneiro e onde a destinatária final da mercadoria, Polaroid, possui estabelecimento, insurgiu-se requerendo o imposto nesta operação.
Acerca da discussão, o Ministro Carlos Britto manifesta-se a favor da cobrança do ICMS pelo Estado da importadora, reafirmando o seu posicionamento adotado no RE 299.079. Dispõe em seu voto:
Na oportunidade, adotamos o entendimento de que, independentemente do local onde haja ocorrido o desembarque da mercadoria, e conseqüentemente, o seu desembaraço aduaneiro, deve ser considerado sujeito ativo do ICMS o Estado de domicílio do estabelecimento destinatário da mercadoria. É dizer: o estabelecimento do importador, considerado este o destinatário jurídico do produto de importação. No caso dos autos, é incontroverso que o domicílio do estabelecimento importador é o Estado do Espírito Santo, não importando os pactos particulares mantidos entre as partes, os quais não poderiam, ademais, ser opostos à Fazenda Pública. [32]
Entretanto seu posicionamento resta vencido pelos votos dos Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence.
Quanto ao primeiro, visualizou a hipótese de simulação na operação, já que fazendo o recolhimento para o Estado do Espírito Santo, a importadora aproveitou os benefícios fiscais concedidos a ela pelo FUNDAP, em detrimento do Estado de São Paulo, onde ocorreu efetivamente a circulação da mercadoria.
O Ministro Cezar Peluso em seu voto faz uma interpretação sistemática para delinear os contornos do "destinatário" previsto na Constituição, para assim, fundamentar o seu posicionamento. Afirma que o termo deve ser conjugado com o inciso II, caput do art. 155, para daí tirar-se a conclusão que "destinatário" é aquele que ensejou a importação, que se manifestou no sentido de obter a mercadoria e obter sua titularidade, ficando responsável pelo seu domínio. In verbis:
O termo destinatário, contido no trecho final do art. 155, §2º, IX, "a", da Constituição, deve lido (sic) e interpretado em consonância com o preceito que, nesse mesmo texto, combinado com o disposto no inc. II do caput do art. 155, outorga ao Estado competência para instituir ICMS na importação. Ou seja, destinatário da mercadoria é quem figura como contraente no negócio jurídico que dá origem à operação material de importação, seja esta realizada diretamente, seja por intermédio de terceiro, como, p. ex., de prestador de serviço, trading, etc.. [33]
Logo, o imposto é devido ao Estado em que estiver situado o destinatário da mercadoria, mesmo que a operação de importação seja realizada por outro estabelecimento localizado em outra unidade da federação.
4.4 Conclusão
Como bem decidido pelo STF, a cobrança do ICMS deve ser feita pelo Estado em que há o destinatário final da mercadoria, sendo este o sujeito passivo da relação tributária.
A condição de sujeito ativo do Estado importador só deveria ser levantada se houvesse previsão de substituição tributária do destinatário final pelo importador, posto que aquele é quem efetivamente realiza o fato gerador. Sendo assim, o Estado do importador só poderia estar recolhendo o tributo nesta hipótese.
Já o Estado aduaneiro, caso não seja o local do destinatário final da mercadoria, não deve ser de alguma forma considerado o sujeito ativo da relação tributária pois restaria beneficiado como um montante de operações realizadas por estabelecimentos localizados em outros Estados.