A Constituição Federal de 1988 (CF/88) elenca em seu art. 12, §3º os cargos privativos de brasileiro nato:
"Art. 12
(...)
§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa (acrescido pela Emenda 23/99)"
Creio que a atual redação do dispositivo caracteriza a nossa Constituição como xenófoba, comportando regra que a pretexto de proteger cargos de "importância estratégica" veda o acesso a profissões e carreiras com base numa desconfiança retrógrada do "estrangeiro".
Segundo Alexandre de Moraes, o constituinte fixou dois critérios para a definição dos cargos privativos aos brasileiros natos: a linha sucessória e a segurança nacional 1.
Não é de se discutir a necessidade de se manter privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente da República, e de Vice-presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados e de presidente do Senado Federal (estes como parte da linha sucessória presidencial, segundo os art. 79 e 80 da CF/88). É necessária de fato uma proteção maior ao cargo público mais elevado da nação, e esta disposição é comum em diversas constituições estrangeiras.
Mas creio que os cargos de ministro do Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática, de oficial das Forças Armadas e de ministro de Estado da Defesa poderiam ser exercidos por brasileiros naturalizados. Os meios de controle disciplinares, civis e penais que estes cargos possuem e o nosso ordenamento jurídico são suficientes para apurar e punir eventuais faltas que o ocupante do posto cometesse motivado por lealdade ao país de origem.
Até por coerência do próprio sistema atual, o cargo de Ministro do STF poderia ser ocupado por brasileiro naturalizado, vedando-se tão somente o exercício da presidência da Corte, por ser cargo da linha sucessória da Presidência da República. Falo em coerência porque hoje os brasileiros naturalizados podem ser membros do Parlamento, apenas não podendo ser presidentes de uma das duas Casas, tão somente. Regra semelhante já evitaria o exercício da Presidência da República por eventual ministro do STF naturalizado, mas não vedaria que ele pudesse ocupar com brilho a magistratura suprema.
A vedação de brasileiros naturalizados na carreira diplomática e de oficiais das Forças Armadas é cômica e anacrônica. Então um estrangeiro quinta-coluna conseguiria destruir a nação brasileira ocupando a terceira-secretaria de uma embaixada no exterior, ou como um tenente comandando um pelotão? Mesmo os postos mais elevados dessa carreira, como já disse, são protegidos pelo próprio ordenamento, pois são cargos ocupados com responsabilidade pelo detentor por eventuais ilícitos cometidos.
Sem falar que é possível ser ministro de Estado das Relações Exteriores, chefe de todos os diplomatas, mas não se pode ser chefe de missão diplomática? Ou se pode ser Ministro da Fazenda, cuidando das finanças de toda uma nação, definindo taxa de juros e câmbio, mas não se pode comandar um contingente de soldados?
Tampouco há necessidade de vedar-se naturalizados como ministro de Estado da Defesa, posto ministerial tão importante como os demais.
Nos EUA, quanto a cargos públicos ocupáveis, a única vedação para americanos naturalizados é para o exercício da Presidência da República (Constituição, art. 2º, seção 1). Muitos detiveram cargos importantes na diplomacia americana, como os Secretários de Estado Henry Kissinger (alemão naturalizado americano) e Madeleine Albright (nascida na República Tcheca e naturalizada americana), e o Assessor de Segurança Nacional Zbigniew Brzezinski (polonês de origem) sem que a antiga democracia estadunidense tivesse sido abalada por isso. Muito pelo contrário, beneficiou-se de pessoas com formação e experiência invejáveis.
Em suma, a proteção anacrônica do art. 12, §3º do CF/88 não atende a nenhum imperativo estratégico de segurança da nação. Trata-se de pura xenofobia vinda de uma péssima aula de Educação Moral e Cívica.
Preservados os cargos da linha sucessória presidencial, os demais poderiam ser ocupados sem abalos por brasileiros naturalizados. Num mundo globalizado, onde os talentos atravessam fronteiras, podemos acolher pessoas com bom currículo na carreira diplomática, nas Forças Armadas, no STF e como ministro da Defesa sem prejuízo às instituições.
Nota
1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17º ed. Atlas. São Paulo. 2005.