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O defensor público é um agente público de transformação social

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12/10/2010 às 14:01
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4.O DEFENSOR PÚBLICO E O IMPACTO SOCIAL

De uma forma geral, a legislação brasileira é pródiga na enunciação de diversos direitos, inclusive os sociais, econômicos e culturais; no entanto, um enorme descompasso entre o ideal projetado pelo direito positivado e a realidade nua, crua e pobre do país.

São muitas as queixas: lentidão, ineficiência, negligência para com a população mais carente e aquela sensação de que a Justiça não funciona no Brasil ou, pelo menos, não funciona para quem mais necessita dela, colocando em xeque o próprio Estado Democrático de Direito e a consagração da máxima de que "as portas dos tribunais estão fechadas para os pobres".

Segundo a ANADEP (Associação Nacional dos Defensores Públicos), o país tem um defensor público para cada 42 mil pessoas. Praticamente metade das Defensorias Públicas está com menos de 60% de preenchimento das vagas disponíveis.

Cabe observar que uma defesa meramente formal, como se sabe, pode mostrar-se mais nociva que a ausência de defesa. Muitas vezes a pessoa, no íntimo, ainda pode acreditar que estava correta, porém, se lhe foram dadas todas as oportunidades para convencer os julgadores de sua razão, e aquela delas se valeu, mas, ainda assim, não conseguiu sair vencedora, ela se conformará. Do contrário não se sentirá pacificada, mas sim injustiçada, constituindo-se em fator de novo conflito social. Com o atual número de defensores públicos, a defesa formal é a mais comum, pois é impossível que profissionais que atuam simultaneamente em milhares de processos judiciais, carga jamais imposta a um advogado privado, possam apresentar a defesa plena.

Em relação aos núcleos especializados, os núcleos que existem em maior número de instituições são os de infância e juventude com 76%, seguido pelo de execuções penais também com 76% e infância e juventude e cível com 69% das atuações.

Porém, além do atendimento direto ao assistido e a identificação dos instrumentos mais adequados para a solução do problema, existe a necessidade de uma atuação preventiva do órgão, com a transferência de conhecimento em direito e pela solução extrajudicial dos conflitos, a fim de buscar "desviar" do Poder Judiciário - com excesso de processos em curso, lides que comportem uma solução participativa e negociada entre as partes.

Para isso, os recursos materiais e humanos devem ser direcionados, prioritariamente, para as regiões de periferia e para os grandes bolsões de pobreza, além da necessidade de um quadro de apoio com profissionais de outras áreas do conhecimento, como psicólogos e assistentes sociais, além da informatização - fatores de reconhecida importância na agilização e organização do serviço, bem como de redução de custos a médio e longo prazos.

Parcerias estratégicas com a sociedade civil e demais órgãos governamentais por meio de atuação conjunta podem colaborar para um modelo de instituição jurídica diferenciada, que atenda as reais necessidades da população.

É importante destacar que além da qualificação jurídica de excelência, os defensores públicos devem ser sensíveis aos problemas sociais, preparados para sua solução e vocacionados para tal atividade.

Para seu efetivo papel de agente de transformação social, além da defesa judicial dos interesses individuais e coletivos, o defensor público deverá atuar próximo das comunidades, colaborando para a difusão do conhecimento sobre direitos e deveres para a população, principalmente os direitos fundamentais expressos na Constituição Federal e, também, ensiná-los a exercer sua cidadania.

Cabe destacar ainda que somente uma instituição devidamente aparelhada e com número suficiente de defensores públicos bem remunerados, compatível com a dos demais órgãos de modo que haja um real equilíbrio de forças entre o Estado-Acusador e o Estado-Defensor, poderá atender a massa de pessoas que se encontram nos estabelecimentos prisionais, defendendo com todos os recursos possíveis o respeito aos direitos e garantias individuais fundamentais do acusado, evitando os prejulgamentos e, principalmente, a aversão pública.

Cumpre mencionar que os chamados meios alternativos de resolução de conflitos que buscam incluir as partes de busca da solução negociada e participativa da lide, ainda não são objeto de uma política pública coordenada e consistente em nosso país, de molde a viabilizar um efetivo ganho na distribuição da justiça para a população.


CONCLUSÃO

O pano de fundo das comemorações do 60º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, nos conduz à conclusão de que as pessoas que mais precisam ter, hoje, seus direitos protegidos são, infelizmente, aquelas que mais sofrem com a falta de acesso à Justiça, com a fome, com as doenças, com o desemprego e a precariedade dos serviços públicos nas áreas do saneamento, da saúde, da educação, dos transportes, da habitação e da segurança.

Não é difícil concluir que a Defensoria Pública é ferramenta essencial para a construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito - utopia que se pretende ser real -, por ter a missão constitucional de retirar do papel os direitos da população menos favorecida economicamente ou, ainda, aquelas consideradas hipossuficientes jurídicas ou organizacionais.

O Defensor Público é submetido a rigoroso concurso público para garantir a qualidade técnica desses profissionais que assistirão juridicamente os hipossuficientes. Porém, para olhar no olho, tratar o materialmente despido de proteção como cidadão, levantar a sua auto-estima, apresentar-lhe os direitos e a maneira de "tirá-los do papel", dando voz a quem historicamente não a tem - papel essencial do Defensor Público – este deve ser vocacionado para o exercício.

Enfrentando as dificuldades de uma instituição nova e ainda em processo de consolidação, a Defensoria Pública vem cumprindo sua missão constitucional com uma postura otimista, em que os Defensores Públicos lutam pela construção de um Brasil mais cidadão, mais democrático e socialmente mais justo; e vê como vitória cada processo resolvido e comemora os pequenos avanços, ainda que lentos.

No entanto, é preciso garantir as mesmas oportunidades de acesso à Justiça para o cidadão brasileiro em qualquer região do País, diminuindo as diferenças existentes entre as unidades da Federação, com o estabelecimento de padrões salariais, parâmetros de produtividade e qualidade.

A necessidade de avaliação e acompanhamento da qualidade dos serviços prestados pelos Defensores Públicos também é um ponto a ser reavaliado pelas Defensorias Públicas; a internet como principal canal para divulgação de campanhas torna-a não efetiva, uma vez que as populações mais carentes têm menos acesso e mais dificuldade a esta forma de comunicação.

Cabe observar que é preciso aumentar o número de Defensores Públicos para garantir o pleno atendimento da população-alvo da Defensoria e para que estes possam atuar, também, preventivamente nas comunidades, promovendo a difusão dos direitos e deveres, desconhecidos pela maioria da população brasileira. É preciso conscientizar que o uso do "juridiquês" e da linguagem rebuscada e pomposa, adequada entre pares, não o é entre um especialista e um leigo. Dizimar tal ignorância por meio do contato direto com a comunidade e na capacitação de lideranças comunitárias é papel essencial dos Defensores Públicos para a prevenção, reparação e promoção de direitos.

Além disso, é necessário disseminar, em todos os segmentos da sociedade, a consciência que uma Defensoria não cumpridora de sua função constitucional repercute na fragilização das instituições e, conseqüentemente, na vulneração do Estado; desta forma esta carreira jurídica apresentará os mesmos prestígios e status da carreira da magistratura e da promotoria frente à sociedade e a outros órgãos governamentais.

Profissional que atua simultaneamente em milhares de processos judiciais, carga jamais imposta a um advogado privado, o Defensor Público, objeto de meu respeito, é um agente público de transformação social, não como idealizada, mas a possível enquanto não ocorram as mudanças acima expostas.


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Sobre a autora
Daniela Cardoso

Advogada.Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito Constitucional e Político pelo Complexo Educacional FMU

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Daniela. O defensor público é um agente público de transformação social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2659, 12 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17609. Acesso em: 28 mar. 2024.

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