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Área de Livre Comércio das Américas - ALCA

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16/10/2010 às 17:59
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5. A Criação de grupos estratégicos

No que diz respeito às estratégias imaginadas pelo Brasil nas negociações comerciais, há que se falar no "G20plus", um grupo que o Brasil construiu para tentar obter, na recém-fracassada Conferência Ministerial da OMC, em Cancún, a liberalização agrícola dos países desenvolvidos, no sentido de enfrentar uma proposta conjunta dos Estados Unidos e da União Européia, que mantêm uma política de subsídios agrícolas.

Como se sabe, a reunião terminou em fracasso devido a um impasse na hora em que eram discutidos os chamados "temas de Cingapura": serviços, investimentos, política de concorrência e compras governamentais. Trata-se de um pacote discutido em Cingapura, em 1996, na 1ª Conferência Ministerial da OMC. Na área de investimentos, os países desenvolvidos pretendem obter concessões amplas para proteção dos investimentos, a exemplo do que se tentou no finado Acordo Multilateral sobre Investimentos, negociado no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em Cancún, a União Européia insistiu em incluir na declaração final pelo menos dois desses temas, ao que se opuseram os países em desenvolvimento, e por diversas razões. Em tese, é perigosa a tentativa de criar legislações internacionais sobre investimentos, pois fatalmente acarretam a redução da margem de manobra das políticas nacionais de desenvolvimento. Após aceitar as propostas da Rodada Uruguai, reduzindo tarifas de bens manufaturados e adotando regras sobre patentes sem que nada fosse decidido quanto à liberalização do comércio agrícola, não cabe dessa vez aos países em desenvolvimento darem prosseguimento à agenda de globalização que interessa apenas aos países desenvolvidos. Na Rodada Uruguai, atuando de forma desordenada, os países em desenvolvimento acabaram por ratificar acordos desequilibrados e assimétricos que os levaram a abrir as suas frágeis economias para os produtos e serviços dos países desenvolvidos sem que, entretanto, tivessem obtido contrapartidas nas áreas em que possuíam maior competitividade, como agricultura e têxteis. A agricultura deve estar à frente dos temas de Cingapura que, para alguns, foram utilizados em Cancún justamente para desviar o debate em torno da questão agrícola. É preciso evitar a consolidação, por mais algumas décadas, do protecionismo da agricultura e da injusta ordem comercial global.

Há que se ressaltar, porém, as limitações da estratégia brasileira de criação de grupos. Na OMC, fórum de quase 150 Estados, o poder dos Estados Unidos e da Europa é diluído pelo volume e diversidade dos outros membros, bem como pela presença de um número razoável de atores de tamanho médio, como o Brasil, dispostos a promover seus legítimos interesses, se necessário, em oposição aos grandes. Na ALCA, ao contrário, trata-se de área geográfica de direta influência dos Estados Unidos, para onde quase todos os países latino-americanos destinam entre 40% e 88% de suas exportações. Observa Rubens Ricupero que "contra essa realidade econômica concreta, é de valor limitado a capacidade diplomática de articular aliança como a do G20. Outro fator complicador adicional é ser o Brasil talvez o único exemplo, na América Latina, de nação continental como a China e a Índia ou, em menor escala, a África do sul. Gigante pela própria natureza não é apenas expressão retórica do hino, mas que traz conseqüências práticas. O jogo na ALCA é diferente do de Cancún e muito mais duro [27]".

O "G20plus", em seguida, passou a ser chamado de "G-X" ou "G-variável", segundo Celso Amorim [28]. Isso porque os Estados Unidos estariam usando como armas, para desintegrar o grupo, a assistência financeira e os acordos bilaterais de livre comércio. Nas negociações da ALCA, estão presentes 12 dos membros do G-23, sem contar o Brasil: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru e Venezuela. A Colômbia, pressionada pelos Estados Unidos, deixou o grupo e anunciou apoio à proposta norte-americana de uma "ALCA abrangente". A Colômbia vai receber US$ 7,5 bilhões dos Estados Unidos (Plano Colômbia). Também Peru, Guatemala, Costa Rica e Uruguai deixaram o Grupo. México e Chile, por sua vez, estão defendendo uma "ALCA abrangente". Como já foi mencionado, o grupo não foi criado para a ALCA, mas para enfrentar uma proposta norte-americano-européia muito modesta em matéria de liberalização agrícola. Considerando-se que na ALCA também se discute a questão agrícola e o protecionismo dos Estados Unidos na área, seria quase natural que se reproduzisse em Miami a aliança que sacudiu Cancún.

O importante é que o Brasil afirme posições que estejam de acordo com o interesse nacional, mesmo que indo de encontro aos países poderosos. Novamente fazendo alusão a Rubens Ricupero, "as coalizões terão de ser variáveis, pois variam infinitamente os interesses. Haverá certamente pressões, ameaças, e alguns hão de capitular. Não importa. O que vale é continuar a utilizar, no limite, um dos recursos de poder que, embora intangível e não expressos em bombas ou porta-aviões, é dos mais escassos e valiosos nas relações internacionais: a capacidade diplomática... [29]".


6. Evolução da integração continental americana: de Bolívar à Cúpula de Miami, em 2003

O ideal de integração regional na América Latina nasceu com os processos de independência, e perseguia objetivos muito mais ambiciosos do que a simples integração econômica. O primeiro inspirador da integração latino-americana tem sido considerado o general venezuelano Simon Bolívar, ainda que seu projeto fosse mais político e cultural do que econômico.

A "Carta da Jamaica" ou Carta Profética, escrita em 6 de setembro de 1815, no mesmo ano que o Congresso de Viena, é um dos primeiros manuscritos a delimitar o pensamento político de Simón Bolívar em relação aos caminhos políticos da América Hispânica. Nesse documento, Bolívar expressou seu desejo de criar três federações no continente, uma entre o México e a América Central, uma no norte e uma no sul da América do Sul. Mais tarde, em 1826, Simão Bolívar propôs no Congresso do Panamá a idéia de criar uma associação de Estados no hemisfério.

Em 1889, o secretário de Estado James Blaine, durante o governo democrata do Presidente Grover Cleveland, propôs uma "união aduaneira" que se estendesse "do Alasca à Patagônia". Na reunião que se realizou em Washington em 1889-90, os países americanos consideraram, em sua maioria, que a idéia era prematura. O Brasil, cuja primeira delegação teve de ser substituída devido à proclamação da República, não se destacou nas discussões. A oposição principal veio da Argentina, que era na época a economia mais próspera do continente após a dos Estados Unidos, uma vez que o Canadá ainda era um dominion da Coroa Britânica. A Argentina não tinha nenhum interesse numa união aduaneira com os Estados Unidos, já que as exportações argentinas - carne, trigo, lã - concorriam com as exportações norte-americanas e encontravam seu mercado principal na Grã-Bretanha. Assim, nada teria a ganhar em dar vantagens aos norte-americanos e impor uma barreira tarifária comum contra os britânicos.

Embora a proposta tivesse fracassado, a reunião foi marco importante na evolução do movimento pan-americano, que daria origem à União Internacional das Repúblicas Americanas. Em 1910, esta organização se converteu na União Pan-Americana, e em 1948, os participantes criaram a Organização dos Estados Americanos (OEA) [30].

Um século mais tarde, a idéia reapareceu em 1990, num discurso no qual o Presidente George Bush anunciava planos para uma zona de livre comércio (portanto não mais união aduaneira) "estendendo-se do porto de Anchorage (Alasca) à Terra do Fogo". Pouco tempo depois, assinava-se o tratado do NAFTA, semente dessa futura zona. Coube ao Presidente Bill Clinton lançar oficialmente a iniciativa na I Cúpula das Américas, em Miami, em dezembro de 1994. Em princípio, o projeto arrastou-se, pois no outono de 1997 o Congresso norte-americano negou ao presidente a autorização para negociar acordos comerciais em fast track (tramitação rápida) [31].

Apesar dessa recusa, as negociações começaram efetivamente a partir da II Cúpula das Américas, em Santiago do Chile, em abril de 1998. Em novembro de 1999, realizou-se a Reunião Ministerial do Comércio, em Toronto, e, em abril de 2001, a III Cúpula das Américas, em Quebec, ocasião em que os líderes aprovaram o calendário para a conclusão das negociações e a entrada em vigor do acordo. Em novembro de 2002, durante a Reunião Ministerial de Comércio em Quito, o Brasil e os Estados Unidos assumiram a co-presidência das negociações. Em julho de 2002, o governo do Presidente George W. Bush conseguiu finalmente obter o fast track, criando-se a expectativa de que o processo se aceleraria, a fim de cumprir o calendário, que prevê a conclusão das negociações para janeiro de 2005 e a entrada em vigor do acordo em dezembro daquele mesmo ano.

3.2 O Processo Preparatório da Alca (1994 – 1998) [32]

3.2.1 Cúpula das Américas, Miami, dezembro de 1994

O esforço para unir as economias dos países da América Latina em uma área de livre comércio iniciou-se com a Cúpula das Américas, realizada em dezembro de 1994 em Miami, Estados Unidos. Os Chefes de Estado e de Governo de 34 países da região decidiram criar a Alca, com o intuito de eliminar progressivamente as barreiras ao comércio e ao investimento. Nessa ocasião, ficou acordado que as negociações deveriam ser concluídas até o ano 2005. Ainda, incumbiram seus Ministros Responsáveis por Comércio de adotar uma série de medidas iniciais concretas com vistas à conformação da Alca. Suas decisões com relação a essas medidas constam da Declaração de Princípios e do Plano de Ação de Miami.

3.2.2 Reuniões Ministeriais realizadas entre 1994 e 1998: Denver - 1995, Cartagena - 1996, Belo Horizonte - 1997 e San José - 1998.

Durante a fase preparatória (1994-1998), os 34 Ministros Responsáveis por Comércio dos países do continente americano estabeleceram doze grupos de trabalho para identificar e examinar as medidas relacionadas com o comércio em suas respectivas áreas com vistas a definir os possíveis enfoques das negociações. Quatro reuniões ministeriais foram realizadas nesta fase preparatória: a primeira, em junho de 1995, em Denver, Estados Unidos; a segunda, em março de 1996, em Cartagena, Colômbia; a terceira, em maio de 1997, em Belo Horizonte, Brasil; e a quarta, em março de 1998, em São José, Costa Rica.

3.2.3 Quarta Reunião Ministerial, em San José, março de 1998, e adoção de princípios problemáticos para o Brasil

Na Quarta Reunião Ministerial, realizada em San José da Costa Rica, os Ministros de Comércio criaram os nove grupos negociadores e adotaram os princípios gerais que serviriam para orientar o processo negociador, consubstanciados na Declaração Conjunta de San José da Costa Rica, de 19 de março de 1998. Entre os principais princípios-chave e seus respectivos significados, estão os seguintes [33]:

- "As decisões no processo negociador serão tomadas por consenso [34]". Na opinião de Rubens Ricupero, não está claro se a Alca poderá ser constituída se um ou mais países recusarem o resultado final, sendo provável que a zona de livre comércio seja formada pelos que aceitem o acordo, caso não sejam expressivas nem muito numerosas as recusas [35];

- "O Acordo da Alca será congruente com as regras e disciplinas da OMC. Para tanto, os países participantes reiteram seu compromisso com as regras e disciplinas multilaterais, em particular com o Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1994 e seu Entendimento da Rodada Uruguai e com o Artigo V do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) [36]". "A Alca deverá incorporar melhoras às regras e disciplinas da OMC, quando possível e apropriado, tomando em conta todas as implicações dos direitos e obrigações dos países como membros da OMC [37]". Para Rubens Ricupero, é provável que a Alca tente estabelecer obrigações OMC-plus, ou seja, obrigações que vão além daquelas da OMC. Esse é o objetivo declarado dos Estados Unidos nas áreas que lhes são favoráveis - como propriedade intelectual, serviços e investimentos -, embora nos setores de dificuldade norte-americana - como agricultura, subsídios, antidumping, direitos compensatórios – não se poderá ultrapassar na Alca o limite das obrigações impostas pela OMC [38];

- "As negociações iniciar-se-ão simultaneamente em todas as áreas temáticas. O início, a condução e o resultado das negociações da Alca deverão ser tratados como partes de um empreendimento único ("single undertaking") que incorporará os direitos e obrigações mutuamente acordados [39]". Alerta Rubens Ricupero que esse princípio do "tudo ou nada" acarreta o perigo de repetição do ocorrido na Rodada Uruguai, quando os países em desenvolvimento fizeram concessões muito mais custosas em propriedade intelectual, investimento e outras áreas do que ganharam em agricultura ou têxteis [40];

- "A Alca poderá coexistir com acordos bilaterais e sub-regionais, na medida em que os direitos e obrigações assumidos ao amparo desses acordos não estejam cobertos pelos direitos e obrigações da Alca, ou os ultrapassem [41]". Em princípio, o Nafta, o Mercosul, o Grupo Andino e outros acordos não serão abolidos nem revogados pela Alca, embora esta tenha precedência nas áreas em que avance mais na liberalização das barreiras comerciais ou das normas de investimento [42];

- "Os países poderão negociar e aceitar as obrigações da Alca individualmente ou como membros de um grupo de integração sub-regional que negocie como uma unidade [43]", o que viabiliza a negociação por meio do Mercosul;

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- "Dever-se-ia dar atenção especial às necessidades, condições econômicas (incluindo custos de transição e possíveis deslocamentos internos) e oportunidades das economias menores, com o objetivo de garantir sua plena participação no processo da Alca [44]". Rubens Ricupero observa que o problema do tratamento especial e diferenciado a ser concedido aos países menos avançados é um dos mais difíceis e frustrantes, quer no antigo Gatt, quer na União Européia, quer no Mercosul (entre a Argentina e o Brasil, de um lado, e o Uruguai e o Paraguai, do outro) [45]. Trata-se essencialmente de prazos mais longos.

- "Todos os países devem assegurar que suas leis, regulamentos e procedimentos administrativos estejam em conformidade com as suas obrigações assumidas no acordo da Alca [46]". O Brasil enfrenta um problema nesse ponto, devido à posição do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à recepção e hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro.

3.3 Avanços das negociações

3.3.1 Segunda Cúpula das Américas, Santiago, abril de 1998

As negociações da Alca foram oficialmente lançadas em abril de 1998 na Segunda Cúpula das Américas, em Santiago, Chile. Os Chefes de Estado e de Governo participantes desse evento estabeleceram que a Alca constituiria um compromisso único, e definiram a estrutura sob a qual seriam conduzidas as negociações.

3.3.2 Quinta Reunião Ministerial, Toronto, novembro de 1999

A Quinta Reunião Ministerial e a primeira desde o lançamento oficial das negociações, foi realizada em Toronto, Canadá, em novembro de 1999. Nessa reunião, os Ministros instruíram os Grupos de Negociação a preparar uma minuta dos respectivos capítulos a ser apresentada na Sexta Reunião Ministerial. Foi solicitado aos grupos responsáveis por acesso a mercados que discutissem as modalidades e procedimentos para as negociações nas suas respectivas áreas. Os Ministros também aprovaram várias medidas de facilitação de negócios designadas a propiciar o intercâmbio comercial no Hemisfério. Essas medidas, incluídas nos Anexos da Declaração Ministerial, concentraram-se nas áreas de procedimentos aduaneiros e maior transparência.

3.3.3 Sexta Reunião Ministerial, em Buenos Aires, abril de 2001

Na Sexta Reunião Ministerial, realizada em Buenos Aires em abril de 2001, uma série de decisões importantes foi tomada com relação às negociações sobre a Alca. Os Ministros receberam dos Grupos de Negociação a minuta do Acordo da Alca e, decidiram torná-la pública. Foi criado o Comitê Técnico de Assuntos Institucionais com o propósito de decidir sobre a estrutura geral do Acordo da Alca (aspectos gerais e institucionais). Os Ministros também destacaram a necessidade de promover o diálogo com a sociedade civil e determinaram ao Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil que enviasse aos Grupos de Negociação as contribuições apresentadas pela sociedade civil em resposta ao Convite Público, no que se refere a seus temas respectivos, assim com aquelas relacionadas com o processo da Alca em geral. Os Ministros reiteraram a importância da prestação da assistência técnica às economias menores a fim de facilitar sua participação na Alca.

3.3.4 Terceira Cúpula das Américas, Cidade de Quebec, abril de 2001

A Terceira Cúpula das Américas foi realizada na Cidade de Québec, em abril de 2001. Nesse encontro, os Chefes de Estado e de Governo endossaram a decisão dos Ministros de tornar pública a minuta do Acordo da Alca nos quatro idiomas oficiais. O Acordo foi publicado na página eletrônica oficial da Alca em 3 de julho de 2001, em resposta a críticas de que faltava transparência ao processo de negociação. Não obstante, a negociação continua pouco transparente já que todo o texto está entre colchetes, não sendo possível saber que país ou países defendem ou estão em desacordo com determinado ponto [47].

Os colchetes são parênteses especiais que simbolizam, na linguagem diplomática, a inexistência de acordo sobre o conteúdo. Assim, a Minuta do Acordo da Alca é uma compilação ou colagem das diversas propostas feitas por países diferentes, às vezes em direta contradição umas com as outras [48]. Entretanto, é clara a inspiração principal da maioria das passagens no texto do Nafta.

Na segunda versão da minuta do futuro Acordo, apresentada na Sétima Conferência Ministerial de Quito, alguns colchetes foram eliminados, todavia, a maioria deles referia-se apenas a repetições inúteis, tendo sido mantidos praticamente todos os que expressam divergência sobre o conteúdo. A segunda versão parece uma cópia, melhorada na forma, da primeira, apresentada em Buenos Aires [49].

Observe-se que por estarem em negociação, esses documentos não representam compromisso jurídico, muito embora seja grande seu grau de detalhamento.

Além disso, foram fixados prazos para a conclusão e implementação do Acordo da Alca. As negociações do Acordo serão concluídas, o mais tardar, em janeiro de 2005 para buscar sua entrada em vigor o quanto antes, até, no máximo, dezembro de 2005.

A pedido dos Ministros Responsáveis por Comércio, as recomendações relativas aos métodos e modalidades para as negociações foram submetidas até 1º de abril de 2002, e as negociações sobre acesso a mercados se iniciaram em 15 de maio de 2002. Os princípios e diretrizes sobre essas negociações estão estabelecidos no documento "Métodos e Modalidades para a Negociação".

3.3.5 Obtenção do fast track: julho de 2002

Em julho de 2002, o Executivo norte-americano obteve do Congresso a autorização para negociar acordos comerciais, ou seja, a Trade Promotion Authority (TPA - Autorização para Promoção Comercial), nome oficial do fast track. Essa vitória da atual administração norte-americana pôs fim a um impasse de nove anos de duração, após difíceis negociações na Câmara de Representantes e no Senado, já que quase metade da Câmara ou não queria aprovar uma TPA, ou pretendia que a autorização fosse ainda mais restritiva e protecionista [50].

Esse instrumento conferiu ao Presidente Bush um mandato para negociar uma nova rodada na OMC, a Alca e alguns outros acordos comerciais. Ficou claro, todavia, que o Congresso dos Estados Unidos não permite que as negociações comerciais, mesmo na OMC, afetem a capacidade norte-americana de aplicar suas leis de defesa comercial. Estabelece que um dos objetivos da negociação é "preservar a capacidade dos Estados Unidos aplicarem rigorosamente suas leis comerciais, inclusive as leis antidumping, de direitos compensatórios e de salvaguardas, e evitar acordos que diminuam a efetividade de restrições nacionais e internacionais ao comércio injusto, especialmente dumping e subsídios [51]".

Por outro lado, a lista de objetivos vai muito além da eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias às exportações norte-americanas de mercadorias. Inclui não apenas temas como serviços, investimentos, propriedade intelectual, mas também questões ambientais e trabalhistas. Segundo a TPA, o propósito fundamental dos acordos comerciais é "maximizar oportunidades para os setores críticos e os blocos constitutivos da economia dos Estados Unidos, tais como tecnologia da informação, telecomunicações e outras tecnologias de ponta, indústrias básicas, bens de capital, equipamento médico, serviços, agricultura, tecnologia ambiental e propriedade intelectual", visando "preservar a força sem paralelo dos Estados Unidos em assuntos econômicos, políticos e militares [52]".

Para entender o fast track, é necessário lembrar que a Constituição dos Estados Unidos reservou ao Legislativo o poder de decidir sobre política comercial e negociações em geral, ao contrário do que acontece no Brasil. Essa prerrogativa foi preservada durante os 150 primeiros anos da existência do Estado, até que em 1934 o Presidente Franklin D. Roosevelt obteve do Congresso, pela primeira vez, a autorização para decidir sobre tarifas e acordos, como meio para combater a Grande Depressão, iniciada com a queda da Bolsa, em 1929. A partir de então, e ao longo de oito etapas sucessivas, a maioria das quais coincidentes com as rodadas do Gatt, as diversas administrações norte-americanas reduziram progressivamente as barreiras tarifárias, de uma média inicial acima de 50% a níveis inferiores a 5% [53].

As autorizações legislativas nunca constituem "carta branca", pois especificam um mandato negociador, com objetivos e limitações à margem de manobra do Executivo. Garantem, entretanto, que os acordos, uma vez concluídos, serão examinados em sua integridade, o Congresso apenas podendo aprová-los ou rejeitá-los, sem emendas nem alterações. Sem o fast track, os acordos comerciais negociados pelo Executivo ficam sujeitos a emendas votadas pelos parlamentares. Portanto, sem ele, nenhum país se dispõe a negociar seriamente com os Estados Unidos, já que se arrisca a pagar duplo preço, primeiro ao Executivo, depois ao Congresso [54].

Uma inovação da TPA foi a criação de uma cláusula cambial, segundo a qual o governo dos Estados Unidos deve procurar "estabelecer mecanismos consultivos entre os participantes de acordos comerciais para examinar as conseqüências comerciais de movimentos significativos e não-antecipados de moedas e investigar minuciosamente se um governo estrangeiro engajou-se num padrão de manipulação cambial para promover uma vantagem competitiva no comércio internacional [55]". Essa cláusula busca legitimar reações comerciais defensivas e novas investidas protecionistas em resposta a ganhos de competitividade produzidos por depreciações acentuadas das moedas de parceiros comerciais dos Estados Unidos [56].

Rubens Ricupero observa que as concessões feitas pelo Executivo para a obtenção do fast track complicarão as negociações não só da Alca, mas também da OMC e de outras de natureza bilateral, regional ou multilateral, uma vez que a TPA se aplica à totalidade das negociações [57]. Por outro lado, os negociadores serão monitorados em base permanente por uma série de comissões do Senado e da Câmara e também pelo recém-criado Congressional Oversight Group (Grupo de Monitoramento Parlamentar) [58].

Paulo Nogueira Batista Jr acrescenta que, do ponto de vista brasileiro, o resultado da TPA é a criação de novas dificuldades para a liberalização do comércio de produtos em que o Brasil é competitivo. No que diz respeito aos cerca de 350 produtos considerados "sensíveis às importações", a TPA obriga que o Executivo se submeta a mecanismos de consulta sempre que pretenda negociar a redução de barreiras à importação. Entre esses produtos "sensíveis", estão quase todos os que são prioritários para o Brasil. Os "sensíveis" agrícolas correspondem a 521 linhas tarifárias, equivalem a aproximadamente 20% das importações agrícolas dos Estados Unidos e incluem todos os produtos de interesse imediato do Brasil, como açúcar, etanol, carne, cítricos e tabaco [59]. Conclui o autor que pouco ou nada se pode esperar de positivo das negociações da Alca, já que um acordo só seria concluído se o Brasil se conformar com uma negociação desequilibrada [61].

3.3.6 Sétima Reunião Ministerial, em Quito, em novembro de 2002

Durante a Sétima Reunião Ministerial da Alca, realizada em 1º de novembro de 2002 em Quito, Equador, os Ministros confirmaram o calendário para o intercâmbio das ofertas iniciais de acesso a mercados, fixaram os prazos em que as novas minutas do Acordo da Alca deverão estar concluídas, orientaram algumas das entidades da Alca na solução de questões de suas negociações e disponibilizaram imediatamente a segunda minuta do Acordo da Alca na página eletrônica oficial da Alca, nos quatro idiomas oficiais. Como já foi dito, nessa segunda versão alguns colchetes foram eliminados, a maioria deles referindo-se apenas à repetições inúteis, tendo sido mantidos praticamente todos os que expressam divergência sobre o conteúdo. A segunda versão não é mais que uma cópia melhorada da primeira, apresentada em Buenos Aires. Trata-se de documento com dez capítulos e mais de 350 páginas.

Os Ministros também tornaram público o documento do Comitê de Negociações Comerciais sobre as Pautas ou Diretrizes para o Tratamento das Diferenças nos Níveis de Desenvolvimento e Tamanho das Economias. Os prazos do cronograma foram preservados.

Em Quito, os Ministros aprovaram o Programa de Cooperação Hemisférica (PCH), destinado a "desenvolver a capacidade dos países que buscam assistência para participar das negociações". O Comitê de Negociações Comerciais (CNC), apoiado pelo Grupo Consultivo sobre Economias Menores (CGEM), foi incumbido de supervisionar o PCH. Nesse contexto, os Ministros instruíram o CNC a facilitar, com o apoio do Comitê Tripartite, a realização de reuniões do GCEM, convidando funcionários envolvidos com as áreas de desenvolvimento e finanças, instituições financeiras internacionais, organismos internacionais e entidades privadas interessadas com a finalidade de analisar o financiamento e a implementação do PCH, e informasse as ações empreendidas nesse sentido à próxima reunião ministerial.

Os Ministros também confirmaram o calendário estabelecido pelo CNC para o intercâmbio das ofertas iniciais das negociações relacionadas com acesso a mercados entre 15 de dezembro de 2002 e 15 de fevereiro de 2003; para a revisão das ofertas e a apresentação de pedidos de melhoria das ofertas entre 16 de fevereiro e 15 de junho de 2003; e, para o início da apresentação das ofertas revisadas, a partir de 15 de julho de 2003, ao que se seguiriam as negociações ulteriores sobre as melhorias. Rubens Ricupero observa que um dos componentes mais relevantes para implicações práticas é a fixação dos prazos para o intercâmbio de ofertas nos 5 grupos de acesso a mercado (agricultura; acesso a mercados, querendo com isso referir-se a produtos industriais; serviços; compras governamentais; investimentos) [62].

O lançamento das negociações de acesso a mercados constitui, em princípio, um desenvolvimento expressivo. Seu significado real viu-se, contudo, consideravelmente diminuído pela maneira que se chegou à decisão. De fato, a fim de permitir que houvesse acordo sobre as datas de apresentação das ofertas iniciais, adiaram-se decisões fundamentais acerca da definição dos métodos e modalidades em todos os cinco grupos. Como era previsto, essa indefinição já levou à apresentação de ofertas de estrutura discrepantes e até incompatíveis, tornando difícil, ou mesmo impossível, avaliá-las e compará-las umas em relação às outras [63].

A Declaração Ministerial de Quito também instruiu os Grupos de Negociação no sentido de lograr consenso sobre o maior número possível de temas em cada uma das minutas de capítulo do Acordo da Alca e apresentar uma nova versão dos capítulos ao CNC, o mais tardar, até oito semanas da Reunião Ministerial de novembro de 2003.

Poucos meses após a aprovação da TPA, a Sétima Conferência Ministerial de Quito foi palco de tentativas do Canadá e da Costa Rica de antecipar o cronograma das negociações.

A fase final das negociações da Alca será conduzida sob a co-presidência do Brasil e dos Estados Unidos, devendo ser realizadas duas reuniões dos Ministros Responsáveis por Comércio. A primeira foi realizado em novembro de 2003, em Miami, Estados Unidos, e outra está prevista para 2004, no Brasil.

3.3.7 Oitava Reunião Ministerial, Miami, novembro de 2003

Em 20 de novembro de 2003, foi adotada a Declaração Ministerial de Miami, e em 21 de novembro de 2003, foi divulgada a Terceira Minuta do Acordo da Alca.

3.4 Estrutura e Organização das Negociações

As negociações da Alca são conduzidas sob uma estrutura que visa assegurar a representação geográfica dos países participantes, prevendo o rodízio da Presidência do Processo, do local das negociações e da Presidência e Vice-Presidência dos vários grupos de negociação e outros comitês e grupos.

A Presidência das Negociações é exercida por rodízio realizado aproximadamente a cada 18 meses ou no momento da conclusão de uma reunião ministerial. Os seguintes países foram designados para exercer a Presidência e a Vice-Presidência do processo da Alca por períodos sucessivos durante as negociações:

 Presidência das Negociações

 

 

Presidente

Vice-Presidente

 

 1º de maio de 1998 a 31 de outubro de 1999

Canadá

 Argentina

 1º de novembro de 1999 a 30 de abril de 2001

Argentina

Equador

 

 1º de maio de 2001 a 31 de outubro de 2002

Equador

Chile

 

 

Co-Presidentes

 1º de novembro de 2002 até o final das negociações

Brasil e Estados Unidos

Os Ministros Responsáveis por Comércio exercem a supervisão e o gerenciamento das negociações. Eles geralmente se reúnem a cada 18 meses e, desde o lançamento das negociações, o fazem no país que detém a Presidência da Alca na época das reuniões.

Os Vice-Ministros Responsáveis por Comércio, representantes do Comitê de Negociações Comerciais (CNC), gerenciam as negociações da Alca. O CNC orienta o trabalho dos Grupos de Negociação e dos demais grupos e comitês e decide sobre a estrutura geral do Acordo e sobre questões institucionais. O CNC também é responsável por assegurar a plena participação de todos os países, garantindo a transparência nas negociações e supervisionando a Secretaria Administrativa e a identificação e implementação das medidas de facilitação de negócios. O Comitê reúne-se sempre que necessário, pelo menos duas vezes ao ano, em locais alternados de todo o Hemisfério.

As negociações da Alca desenrolam-se em nove grupos, sob a autoridade de um Comitê de Negociações Comerciais (CNC), composto de vice-ministros.

Foram criados nove Grupos de Negociação da Alca nas seguintes áreas: Acesso a Mercados; Procedimentos Aduaneiros e Regras de Origem; Investimento; Normas e Barreiras Técnicas ao Comércio; Medidas Sanitárias e Fitossanitárias; Subsídios, Antidumping e Direitos Compensatórios; Economias Menores; Compras Governamentais; Direitos da Propriedade Intelectual; Serviços; Política de Concorrência e Solução de Controvérsias [64].

Os Grupos de Negociação recebem mandatos específicos dos Ministros e do CNC para negociar os textos nas suas áreas específicas e reúnem-se regularmente durante o ano.

Três comissões e grupos tratam de questões horizontais relacionadas às negociações, quais sejam: o Grupo Consultivo sobre Economias Menores, o Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil e o Comitê Conjunto de Especialistas Governamentais e do Setor Privado em Comércio Eletrônico.

Já foram realizadas mais de 150 reuniões negociadoras.

Além desses, foi criado o Comitê Técnico de Assuntos Institucionais para decidir sobre a estrutura geral do Acordo da Alca (aspectos gerais e institucionais). Finalmente, foi estabelecido um grupo ad hoc de especialistas para informar o CNC sobre a implementação das medidas de facilitação de negócios referentes a assuntos aduaneiros acordadas em Toronto.

No que diz respeito ao apoio técnico e analítico, um Comitê Tripartite é constituído pelas seguintes instituições: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Organização dos Estados Americanos (OEA); Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Esse Comitê Tripartite proporciona apoio analítico, técnico e financeiro ao processo e mantém a página eletrônica oficial da Alca. Cada uma das instituições do Comitê Tripartite também atende às solicitações de assistência técnica relacionadas com assuntos da Alca, especialmente das economias menores do Hemisfério.

Quanto ao apoio administrativo e logístico das negociações, fica a cargo da Secretaria Administrativa da Alca, sediada no mesmo local das reuniões dos Grupos de Negociação. Ela controla o arquivo oficial das negociações e fornece serviços de tradução e interpretação. A Secretaria é financiada por uma combinação de recursos locais e das instituições do Comitê Tripartite.

O foro das negociações também foi estabelecido em caráter rotativo. Três países foram designados como sede das negociações, a saber: de maio de 1998 a fevereiro de 2001 os Estados Unidos (Miami); de março de 2001 a fevereiro de 2003 o Panamá (Cidade do Panamá); e de março de 2003 até o final das negociações o México (Puebla).

3.5 Formato das Negociações

Quando a idéia da Alca começou a ser discutida, falava-se da existência de dois formatos possíveis para as negociações. O primeiro mais democrático e relativamente igualitário, seria os 34 países do hemisfério negociarem uma moldura de regras comuns e não-discriminatórias. O outro, também chamado de "modelo do eixo e dos raios", consistiria em que os Estados Unidos (o eixo) tomariam a iniciativa de propor acordos distintos a outros países ou grupos de países (os raios), em seqüência, de modo a arrancar o máximo de concessões de cada um, sob a ameaça de isolar os recalcitrantes [65].

As negociações se iniciaram sob o primeiro formato e assim permanecem em seu essencial. Entretanto, a resistência principalmente brasileira, e o aumento da autoconfiança oriunda da aprovação da TPA têm levado os Estados Unidos a tentarem bilateralizar as iniciativas, como prova o acordo com o Chile, o início das negociações com a América Central e a renovação dos esquemas de tratamentos preferenciais já existentes, como os que favorecem os caribenhos e os andinos. O objetivo é pressionar os resistentes a aceitar as exigências norte-americanas em propriedade intelectual, investimentos, compras governamentais, etc. Trata-se de aproveitar o market power para discriminar os prováveis parceiros, premiando uns, castigando outros [66].

Se prevalecer a bilateralização da Alca pretendida pelos norte-americanos, será um emaranhado de acordos discriminatórios impossíveis de destrinchar. O Brasil e o Mercosul serão os maiores perdedores. Foram deixados à categoria mais baixa pelos Estados Unidos, e sofrerão discriminação com relação a todos os demais participantes.

Em fevereiro, em vez de apresentarem uma lista única de reduções tarifárias válidas para todos, os Estados Unidos dividiram em quatro sua oferta. Favoreceram em primeiro lugar o Caribe, mais em teoria do que na prática, pois a região tem a menor possibilidade de aproveitar a oferta, devido ao subdesenvolvimento da estrutura produtiva. Em seguida, foi diminuindo os oferecimentos, em quantidade e qualidade, à América Central, aos andinos e ao Mercosul, de acordo com o sábio princípio de "só dar bife suculento a quem não tem dentes [67]".

A justificativa norte-americana reside no favorecimento das "economias menores", utilizando a linguagem da Alca. De fato, as Reuniões Ministeriais da Alca recomendaram que se estendesse tratamento favorecido aos frágeis e pequenos. No entanto, é necessário ter o cuidado de definir quais são essas "economias menores". Pelo critério utilizado pelos Estados Unidos, privilegia-se a Colômbia, uma das economias maiores e de desempenho mais constante e positivo do continente, em detrimento do Paraguai, muito menos desenvolvido e sem acesso ao mar.

As concessões feitas ao Chile no acordo bilateral já negociado são superiores às oferecidas à Bolívia, às desfrutadas pelo México no Nafta, incomparavelmente melhores do que as do Equador.

Se interpretado dessa forma, o argumento da diferenciação obrigaria a adoção de regras comerciais distintas para cada um dos países do mundo, uma vez que não existem dois iguais. Tal atitude equivaleria à negação do sistema comercial multilateral baseado na cláusula de nação mais favorecida, pela qual toda concessão feita por uma nação à outra qualquer automaticamente se generaliza a todas as demais. Em outras palavras, trata-se da multilateralização das concessões bilaterais, de onde a referência a um "sistema multilateral de comércio".

Nesse sistema, só admite-se tratamento preferencial, não-extensível a terceiros e portanto discriminatório, no caso dos acordos de livre comércio, onde a exceção se justifica porque os participantes comprometem-se a liberar por completo o comércio entre si em ritmo mais rápido que os demais. Na versão dos Estados Unidos, cria-se um acordo de geometria variável com seis velocidades diferentes para a redução das barreiras ao comércio: as quatro categorias mencionadas, mais a do Nafta e a do acordo com o Chile. Ou seja, em nome da abolição das barreiras existentes, criam-se ou confirmam-se barreiras que não existiam antes – as preferências discriminatórias a certos parceiros, criando obstáculos novos, quando o objetivo do acordo deveria ser justamente acabar com todos os obstáculos [68].

No momento em que os britânicos abandonaram um século de livre-cambismo e adotaram em 1933 preferências para seus domínios, elas foram chamadas de "preferências imperiais". É essa característica que distingue, desde então, a política comercial da Europa, de favorecimento às suas ex-colônias. A mesma inspiração está na proposta norte-americana. Trata-se de favorecer alguns, que quase não aproveitarão dos benefícios, como caribenhos e africanos, e prejudicar os parceiros do Brasil no Mercosul, que sentem-se atraídos pela tentação da recompensa. Para os Estados Unidos, trata-se de transferir ou desviar, ao novo beneficiário, corrente de comércio que, em condições normais favorecia, por exemplo, o Brasil. Portanto, não se trata de sacrificar uma parcela de mercado antes abastecida internamente.

Além do problema da agricultura, das medidas antidumping e dos picos tarifários, que de certa forma são compreensíveis por corresponderem a interesses concretos de setores dos norte-americanos, a tática atual é mais perigosa, pois se destina a isolar e a prejudicar o Brasil.

Existem apenas duas razões capazes de atrair um país numa negociação comercial: ganhar mais acesso a mercado ou, na pior hipótese, evitar perder a possibilidade de concorrer com outros em igualdade de condições. Portanto, é injustificável que o Brasil aceite acordo no qual não apenas não ganhe como seja ainda obrigado a perder.

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Sobre a autora
Larissa Ramina

Doutora em Direito Internacional pela USP, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais e Coordenadora Adjunta do Curso de Direito, ambos da UniBrasil, Professora de Direito Internacional e de Direitos Humanos da UniBrasil e do UniCuritiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMINA, Larissa. Área de Livre Comércio das Américas - ALCA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2663, 16 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17626. Acesso em: 7 nov. 2024.

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