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Área de Livre Comércio das Américas - ALCA

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16/10/2010 às 17:59
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4. Análise da Alca como acordo comercial

4.1 Fonte inspiradora: Nafta

A Iniciativa para as Américas foi concebida pelos Estados Unidos e inspirada no Nafta, que trouxe enormes vantagens comerciais aos agentes comerciais, industriais e agrícolas norte-americanos, bem como uma extraordinária dependência econômica, financeira e política do México àquele país [69]. Após a celebração do Nafta, as exportações norte-americanas cresceram 50% e o volume de comércio externo mexicano com os Estados Unidos aumentou de 72%, em 1994, para aproximadamente, 91%, nos dias atuais. Provedores norte-americanos dominaram o mercado de serviços mexicano, inclusive no setor financeiro, que foi quase que totalmente desnacionalizado. As barreiras horizontais existentes e mantidas nos Estados Unidos para os prestadores de serviços mexicanos, sujeitos a cotas, impediram uma escala internacional para estes, que sucumbiram à competição desigual e predatória [70].

No setor agrícola, os mexicanos não negociaram a eliminação dos subsídios norte-americanos, perdendo sua competitividade para os produtos subsidiados baratos vindos deste país. Na área industrial, o México especializou-se na manufatura de itens de baixo valor agregado. Conseqüentemente, os salários industriais mexicanos reduziram-se expressivamente e o país tornou-se um exportador de miséria, tanto na forma de produtos maquilados, como na triste emigração econômica [71].

4.2 Desequilíbrio e heterogeneidade dos países negociadores

A primeira crítica que se faz à Alca de um ponto de vista estritamente comercial é sua extrema heterogeneidade e desequilíbrio, já que pretende abranger 34 países do continente americano, exceto Cuba, passando pela maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos, a um dos países mais pobres do planeta, o Haiti [72]. Um dos maiores obstáculos ao avanço das negociações tem sido justamente a exigência das "pequenas economias" de um tratamento especial e diferenciado, que ainda não foi definido.

O Brasil é extremamente sensível a acordos desiguais. Para entender a suscetibilidade brasileira nessa matéria, é necessário lembrar a experiência histórica negativa que dominou o período pré e pós-Independência, com a imposição pela Inglaterra do Tratado de Comércio e Navegação e do Tratado de Amizade e Aliança de 1810, denominados de "tratados desiguais". A corte de D. João VI era totalmente dependente dos subsídios e da proteção inglesa contra Napoleão, e como preço de sua mediação no reconhecimento da Independência, a Inglaterra exigiu a prorrogação dos privilégios decorrentes daqueles tratados até sua expiração definitiva, em 1844. Esses instrumentos impediram o desenvolvimento de indústrias nacionais e impuseram um teto às tarifas de importação, limitando a mais importante fonte de receita fiscal da época. Quando os estadistas do Império conseguiram desvencilhar-se dessa herança colonial erigiram como princípio a recusa de celebrar acordos de comércio com países mais poderosos. Nunca mais a Monarquia afastou-se desse princípio, e foi após a proclamação da República que o Brasil assinou acordos do tipo, sendo o primeiro com os Estados Unidos, em 1891 [73].

Com base nessa experiência histórica, é fácil entender porque a opinião pública brasileira sempre foi sensível a compromissos marcados por desigualdade extrema.

Por outro lado, há que se investigar as conseqüências práticas do desequilíbrio e heterogeneidades dos países negociadores. De fato, deve-se indagar se interessa ao Brasil participar de zonas de livre comércio com economias muito mais desenvolvidas. É inegável a enorme diferença no grau de desenvolvimento entre as economias dos Estados Unidos e do Canadá e a dos 32 demais Estados do continente americano, entre os quais o mais vulnerável é o Haiti. De que modo essa disparidade se manifesta na Alca?

Os Estados Unidos e o Canadá são altamente competitivos, não mais necessitando, como outrora, de tarifas elevadas para proteger suas economias. Seu protecionismo é seletivo, concentrado em alguns produtos, recorrendo a medidas protetoras não-tarifárias, como salvaguardas, antidumping, direitos compensatórios contra subsídios, as cotas do Arranjo de Multifibras para têxteis, medidas sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas, etc. Salvo raras exceções – produtos sensíveis, têxteis, calcados, importações agrícolas -, sua tarifa média é baixa. No caso dos Estados Unidos, a média tarifária é de 2 a 4%, com picos de mais de 100%. A média da tarifa efetivamente cobrada é de 1,6% [74].

A tarifa externa comum do Mercosul equivale à média de 12,5%, e a efetivamente cobrada pelo Brasil é de aproximadamente 7%. Por isso, se as negociações concentrarem-se nas tarifas, a tendência será que a proposta da Alca contribua muito mais para abrir o mercado do Brasil e dos demais latino-americanos às exportações norte-americanas do que para melhorar o acesso brasileiro e de outros aos mercados dos Estados Unidos e do Canadá [75].

Para evitar que isso aconteça, é necessário que haja reduções proporcionalmente mais altas, e não meramente lineares, nas tarifas das exceções, dos picos (suco de laranja, têxteis, açúcar, etanol), a maioria dos quais protegidos pela TPA; e também que os Estados Unidos aceitem negociar na Alca disciplinas mais justas para regulamentar o abuso do antidumping, dos direitos compensatórios, das salvaguardas, das barreiras não-tarifárias [76].

Assim como nas tarifas, também em relação aos marcos reguladores e institucionais a negociação da Alca é caracterizada por grande assimetria, o que resulta na imposição de padrões em investimentos, tecnologia e serviços, sobretudo financeiros, tendentes a favorecer apenas as economias avançadas [77].

São de tal magnitude as diferenças entre o grau de desenvolvimento da economia brasileira e das economias mais adiantadas que seria arriscado expor as empresas aqui sediadas a uma competição livre com as empresas dos Estados Unidos e do Canadá.

Paulo Nogueira Batista Jr observa que há dois tipos de fatores a considerar: o ambiente macroeconômico e os aspectos microeconômicos. No primeiro, diversas circunstâncias relacionadas à competitividade sistêmica – estrutura do sistema tributário, escassez de crédito, custos financeiros, fraqueza dos mercados de capitais domésticos, deficiências de infra-estrutura, entre outras – colocam as empresas brasileiras em desvantagem na disputa por mercados externos e internos [78]. No plano microeconômico, diversas empresas brasileiras e setores da economia nacional – siderurgia, têxteis, calçados, agroindústria e agricultura, por exemplo – são competitivos internacionalmente, e são por isso alvos do protecionismo praticado pelos países desenvolvidos. Entretanto, na maioria dos setores, as empresas nacionais não têm condições de enfrentar em condições iguais as grandes corporações norte-americanas e de outros países desenvolvidos. Por conseguinte, uma zona de livre comércio com os Estados Unidos provavelmente destruiria boa parte do sistema produtivo brasileiro, especialmente nos setores mais sofisticados em que a primazia das empresas ianques é inquestionável – por exemplo, bens de capital, componentes eletrônicos, química, eletrônica de consumo, software e informática. A economia brasileira tenderia a regredir à condição de economia agrícola ou agroindustrial e produtora de bens industriais leves ou tradicionais [79].

Conclui Paulo Nogueira Batista Jr que, mesmo na hipótese improvável de que a Alca viesse a ser equilibrada, com os Estados Unidos fazendo concessões de interesse brasileiro, os fatores estruturais acima mencionados levariam as importações brasileiras a aumentar mais do que as exportações de bens e serviços, provocando um aumento do desequilíbrio externo da economia brasileira [80].

4.3 O Brasil ganha ou perde com a Alca?

Na abertura da Cúpula do Quebec, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso centrou seu discurso na busca do acesso a mercado e da correção de desequilíbrios [81].

A posição do setor privado não difere muito. A Coalizão Empresarial Brasileira, mecanismo coordenador da participação dos empresários na negociação, sob égide da Conferência Nacional da Indústria (CNI), especificou quatro metas centrais: a obtenção de melhora substantiva em acesso a mercados do hemisfério para setores atualmente prejudicados por barreiras não-tarifárias e picos tarifários; a garantia de que a Alca impedirá a imposição de novas barreiras não-tarifárias aos produtos brasileiros; a eliminação das distorsões provocadas por subsídios às exportações e medidas de apoio interno em agricultura; a garantia do nivelamento, no final do processo, das preferências recebidas pelo Brasil em relação a nossos principais concorrentes, que já usufruem de preferências comerciais nos países participantes da Alca (leia-se México, via Nafta, caribenhos da CBA, etc.) [82].

Em nosso entender, pouco se discute o aspecto essencial que é, afinal, se há ou não interesse nacional brasileiro, e em que condições, de participar de uma área de livre comércio que inclua a potência hegemônica do planeta.

O país que decidisse ficar fora da Alca, teria de computar suas possíveis perdas em todos os mercados que decidissem integrar a área preferencial. Se essa for a decisão do Brasil, os produtos brasileiros passariam a enfrentar, nos mercados dos Estados Unidos e do Canadá, a concorrência de produtos similares dos países membros da Alca, eventualmente favorecidos pelas reduções e vantagens que não abrangeriam os nossos produtos. Ao mesmo tempo, nos mercados latino-americanos e caribenhos, as vantagens de que o Brasil desfruta graças ao Mercosul e a Aladi poderiam desaparecer ou sofrerem reduções em relação aos benefícios acordados aos produtos norte-americanos e canadenses. O principal é saber se os demais são efetivamente concorrentes do país excluído nos mesmos produtos ou similares e se a preferência a ser criada pela Alca bastará para eliminar eventuais vantagens comparativas do país que ficar marginalizado. Outro fator é o possível impacto do Acordo em favor de investimentos capazes de criar, no futuro, uma possibilidade de concorrência ainda inexistente no presente [83].

Em produtos como o suco de laranja e o açúcar, o tratamento preferencial ao México (Nafta) e aos caribenhos (e a Israel) já cria problemas aos exportadores brasileiros.

Na América Latina o Brasil desfruta de tarifas mais baixas para certos produtos beneficiados pelos acordos da Aladi. Essas vantagens poderiam ser reduzidas ou até desaparecer se a Alca fosse criada sem o Brasil. Entretanto, mesmo com a participação brasileira, haveria o risco de perdermos a margem de preferência, caso não se negociasse um período durante o qual continuássemos a desfrutar dela. É essa a proposta dos Estados Unidos, mediante a apresentação de quatro listas diferentes, pelas quais pretendem prolongar os esquemas preferenciais já existentes com o México e os caribenhos, aos quais se poderiam somar centro-americanos e andinos [84].

Ressalta Rubens Ricupero que seria necessário realizar levantamento sistemático de todas as exportações principais nos diversos mercados e das situações diferentes com que se defrontariam, à luz das ofertas que ainda se encontram em processo de exame, avaliação e melhoria. Seria necessário verificar, caso a caso, se o produto ou o serviço em questão foi incluído nas categorias de desgravação muito rápidas e quais os prazos e as condições a que estará submetido [85].

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Existem outros argumentos chamados "sistêmicos" ou "não-comerciais", que vêem a Alca como alavanca de investimentos ou meio de facilitar o acesso ao mercado financeiro. No entender de Rubens Ricupero, esses argumentos são provavelmente os únicos que explicam de modo racional a opção pró-Alca do Chile e outros países meridionais, como a Argentina e o Uruguai, para os quais não se vislumbram bem os benefícios de comércio proporcionados por um acordo com os Estados Unidos, país de produção agrícola concorrente da deles [86].

A negociação da Alca tem implicações que a grande maioria dos brasileiros ainda desconhece, pois o mercado nacional ficaria aberto, para as demais economias integrantes da área, que inclui a maior potência do mundo em termos econômicos, políticos e militares. A agenda inclui não só a remoção de obstáculos ao comércio de bens, mas a fixação de regras comuns para serviços, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual, entre outros.

É necessário discutir a Alca do ponto de vista do interesse nacional brasileiro.

4.4 Alca "abrangente" ou "teológica" X Alca "light"

A Alca foi projetada para ser muito mais do que uma área de livre comércio tradicional, restrita à liberalização do comércio de mercadorias. Já no Plano de Ação anunciado na Cúpula de 1994, em Miami, definiu-se que a Alca incluiria acordos sobre barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio de bens e serviços; agricultura; subsídios; investimentos; direitos de propriedade intelectual; compras governamentais; barreiras técnicas ao comércio; salvaguardas; regras de origem; antidumping e direitos compensatórios; padrões e procedimentos sanitários e fitossanitários; mecanismos de solução de controvérsias; e políticas de defesa de concorrência [87]. É possível que normas trabalhistas e ambientais venham a ser incluídas no acordo, por pressão de setores importantes do Congresso e dos sindicatos dos Estados Unidos [88]. Por outro lado, a remoção das barreiras à entrada de trabalhadores latino-americanos em território ianque não é objeto de negociação.

O grande benefício esperado pelos partidários da Alca é a ampliação do acesso ao mercado norte-americano. No entanto, o problema pátrio reside no fato que as vantagens potenciais da economia brasileira no mercado dos Estados Unidos estão concentradas em produtos protegidos por poderosos lobbies, como aço, têxteis, calçados e suco de laranja, por exemplo.

Ademais, os Estados Unidos relutam em colocar na pauta a legislação antidumping e a política de defesa da agricultura, sob o argumento de que esses temas devem ser tratados na OMC. Ao mesmo tempo, querem que a Alca vá além da OMC em assuntos do seu interesse, como por exemplo, serviços, investimentos, compras governamentais e patentes.

Os Estados Unidos, principais formuladores das propostas, divulgaram em janeiro de 2001 um documento contendo resumos de suas posições negociadoras para cada um dos nove grupos da Alca e também para questões trabalhistas e ambientais [89]. Vejamos alguns aspectos desses documentos.

Na reunião técnica da Alca que terminou no início de outubro em Port of Spain (Trinidad e Tobago), colidiram 2 propostas: a do Mercosul, que defende uma "Alca Light", e a dos EUA, que preferem uma "Alca abrangente", mas que exclua temas sensíveis para os norte-americanos, como a legislação antidumping, ou seja, os mecanismos para prevenir ou punir a entrada de bens vendidos a preço de custo ou abaixo o custo (dumping) e a proteção agrícola (subsídios concedidos aos produtores rurais). Ficou claro em Trinidad e Tobago, pela primeira vez e formalmente, que os EUA não discutirão na Alca os dois temas prioritários para o Brasil: o fim das políticas antidumping e dos subsídios agrícolas americanos.

Por sua vez, a proposta do Mercosul para a Alca foi batizada pelo Ministro Celso Amorim de "três trilhos", que seriam os seguintes:

(1) A Alca só abrangeria questões basicamente burocráticas, com baixa interferência nas políticas dos países-membros. Trataria de regras para solução de controvérsias; estabeleceria tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento (todos, menos Estados Unidos e Canadá); criaria fundos de compensação para que tais países se adaptassem; e medidas que o jargão batiza de "facilitação do comércio" (menos entraves alfandegários para a entrada de produtos importados, por exemplo);

(2) A negociação mais ampla (acesso a mercados) ficaria no formato 4+1 (Mercosul e Estados Unidos). Nesse trilho também entrariam, "de forma limitada", acesso a mercado para serviços e normas genéricas para investimentos;

(3) Os temas "sensíveis" para, entre outros, Brasil e Estados Unidos, seriam deixados para a OMC.

O Brasil não quer discutir na Alca obrigações novas como propriedade intelectual, serviços e compras governamentais, ou regras para investimentos que impeçam a adoção de políticas industriais. Já os Estados Unidos deixam a liberalização agrícola e as regras antidumping para a discussão no foro multilateral.

A Reunião Ministerial da Alca, realizada no mês de novembro de 2003, em Miami, que de maneira geral não trouxe avanços, estabeleceu a agenda para a etapa final da negociação da Alca, em 2004. A conclusão do encontro foi que Brasil e Estados Unidos defenderiam juntos uma Alca na qual os países pudessem assumir níveis de compromissos distintos. Em fevereiro de 2004, na cidade de Puebla, foram confeccionados dois documentos: um defendendo uma Alca abrangente, encampado por Canadá, Chile e México, outro com uma proposta comum do Brasil e Estados Unidos. Diante de possível adiamento na implantação da Alca, marcado tentativamente para 2005, os Estados Unidos passaram a fechar acordos bilaterais com países da América separadamente, consolidando sua política protecionista agrícola, e visando colocar o Brasil e o Mercosul em uma posição de isolamento. Nesses acordos, cujo modelo é o entendimento firmado com o Chile, os países concordaram com todas as imposições norte-americanas para ter acesso livre ao mercado dos Estados Unidos. Entretanto, como são países menores, o impacto sobre o setor agrícola dos Estados Unidos será muito limitado – ao contrário do que ocorreria caso o Brasil e a Argentina tivessem livre acesso, por exemplo.

Na seqüência, em maio de 2004, os Estados Unidos comunicaram ao Brasil que vários de seus produtos agrícolas correriam o risco de jamais alcançarem tarifa zero no mercado norte-americano, ou seja, de jamais terem acesso livre àquele mercado, frustrando a principal reivindicação brasileira. Essa mudança de atitude revela que os temas relacionados a agricultura continuam causando problemas para os Estados Unidos. Desde o início do processo de negociação da Alca, o Brasil insistia em negociar a eliminação dos subsídios agrícolas no mercado norte-americano. Os Estados Unidos não concordaram e o Brasil acabou por ceder, desde que o ponto central das negociações passasse a estar concentrado no livre acesso a mercado – ponto que os Estados Unidos também retiram agora da mesa de negociação. Com razão, o co-presidente brasileiro da Alca, Ademar Bahadian, declarou à imprensa que o título da Alca deveria ser repensado, já que está se tornando um acordo de regras cada vez mais vinculadas a problemas que não têm a ver com livre comércio.

4.4.1 Abrangência relativa

É inegável a assimetria na argumentação norte-americana. Temas como serviços, propriedade intelectual, investimentos estrangeiros e compras governamentais, que os Estados Unidos pretendem negociar na Alca, com regras mais abrangentes do que na OMC, são tão globais ou sistêmicos que agricultura ou antidumping. Entretanto, apenas estes deveriam ser negociados no plano multilateral, de acordo com a proposta dos Estados Unidos.

O fato é que a Alca oferecerá pouco ao Brasil em termos de acesso adicional ao mercado dos Estados Unidos. O Executivo e o Congresso impuseram restrições seletivas ao comércio internacional, para setores pouco competitivos de sua economia, e novas medidas de defesa das empresas ianques contra a concorrência estrangeira.

Nota Paulo Nogueira Batista Jr que na área industrial, o protecionismo ganhou impulso com a instituição, em março de 2002, de um programa de defesa da siderurgia norte-americana. Por outro lado, outros setores industriais continuaram a se beneficiar do uso da legislação antidumping como mecanismo de proteção contra a competição das importações. O Brasil pretendia estabelecer um conjunto de regras para a aplicação de medidas antidumping e direitos compensatórios dentro da Alca, que seria substancialmente diferente das regras da OMC, dificultando ou impedindo o uso protecionista dessas medidas. Na área agrícola, a farm bill de 2002, votada em maio, ampliou os subsídios e outras medidas de apoio aos fazendeiros norte-americanos. Por conseguinte, os Estados Unidos concordam em negociar certos subsídios à exportação e as barreiras à importação de produtos agrícolas, mas não as medidas de apoio doméstico ao setor (empréstimos preferenciais, políticas de preços mínimos, subsídios à produção, entre outras). Essas iniciativas protecionistas tiveram a finalidade de fortalecer a posição do Presidente Bush e do Partido Republicano nas eleições de meio de mandato, em novembro de 2002 [90].

A nova lei agrícola repercutiu na Europa, onde França e Alemanha chegaram a um acordo que adia para 2006 qualquer modificação expressiva da política agrícola comum (PAC) da União Européia. Dessa forma, esvaziou-se o argumento que influenciou o governo Fernando Henrique Cardoso, de que o Brasil deveria, nas negociações da Alca ou com a União Européia, concentrar-se em sua suposta vocação agrícola, oferecendo concessões em áreas como bens industriais, serviços, propriedade intelectual, investimentos estrangeiros e compras governamentais, em troca de maior acesso aos mercados agrícolas dos Estados Unidos e da Europa [91].

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Sobre a autora
Larissa Ramina

Doutora em Direito Internacional pela USP, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais e Coordenadora Adjunta do Curso de Direito, ambos da UniBrasil, Professora de Direito Internacional e de Direitos Humanos da UniBrasil e do UniCuritiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMINA, Larissa. Área de Livre Comércio das Américas - ALCA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2663, 16 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17626. Acesso em: 25 abr. 2024.

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