Capa da publicação Família e obrigação alimentar: conceitos históricos
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O conceito de família ao longo da história e a obrigação alimentar

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2. ALIMENTOS: NOÇÃO GERAL

De acordo ao dicionário jurídico, os alimentos seriam:

(...) As pensões, ordenados, ou quaisquer quantias concedidas ou dadas, a título de provisão, assistência ou manutenção, a uma pessoa por outra que, por força de lei, é obrigada a prover às suas necessidades alimentícias e de habitação.

Em regra, os alimentos são prestados por uma soma em dinheiro; mas, excepcionalmente, podem ser prestados in natura, isto é, no próprio fornecimento dos gêneros alimentícios e de outras utilidades indispensáveis ao alimentado.

A prestação de alimentos alcança não somente a subsistência material do alimentado, como lhe cabe ser educado e instruído, quando menor, e vestido pelo alimentado. [26]

O termo "alimentos" designa as importâncias "em dinheiro ou prestações in natura" [27] a que uma pessoa se obriga, por força de lei, a prestar a outrem, denominado alimentando. Todavia o art. 25 da Lei n. 5478/68 [28] e o art. 1701 [29] do CC, em seu parágrafo único, eliminam em parte essa faculdade do devedor, estabelecendo que a prestação não pecuniária só pode ser autorizada pelo juiz se com ela anuir o alimentando capaz. Ademais, o fornecimento direto de alimentos no próprio lar do alimentante – que caracteriza a denominada obrigação alimentar própria –, é pouco utilizada na prática, em razão das inconveniências que apresenta, visto que duas pessoas que litigam em um processo judicial tendem a manter uma convivência pouco harmoniosa. Deste modo, embora a lei faculte ao alimentante escolher a modalidade de prestação, o juiz poderá impor a forma que melhor atenda ao caso concreto.

Em nossa legislação, o conceito de alimentos não foi estabelecido com precisão, mas sua natureza jurídica aponta no sentido de serem prestações periódicas destinadas a prover as necessidades básicas de uma pessoa, indispensáveis ao seu sustento, proporcionando-lhe vida digna, conclusão que se retira da leitura do art. 1.920 [30] do CC. Constituem-se em uma modalidade de prestação, contínua e sucessiva, fornecida a alguém ou a uma família, em dinheiro, assistência ou fornecimento de bens de uso pessoal, que visa a atender as necessidades de sobrevivência condigna do alimentando.

Os alimentos não se referem apenas à subsistência material do alimentário, mas também à sua formação intelectual. Além disso, é o meio através do qual "podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros recursos que lhes permitam viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação" [31], caracterizando verdadeira contribuição para custeio das necessidades do alimentando.

Na terminologia jurídica, a expressão alimentos tem sentido mais amplo do que aponta a linguagem comum, abrangendo não só o fornecimento da alimentação propriamente dita, como também habitação, vestuário, lazer, tratamento médico, etc. Portanto, nesta acepção, o termo alimentos compreende, além dos alimentos naturais, também os alimentos civis, constituindo-se numa modalidade de assistência imposta por lei para prover os recursos necessários à subsistência e conservação da vida no plano físico, moral e social do alimentando, decorrente de relação sangüínea ou civil, conforme o caso. Importante salientar, no exame da questão, a diferenciação feita pela doutrina entre os alimentos naturais e os civis. Aqueles compreenderiam apenas as chamadas necessidades vitais – alimentação, cura, vestuário e habitação –, e os últimos incorporariam também as necessidades morais e intelectuais, como instrução, educação e lazer.

Temos ainda que discernir a obrigação alimentar stricto sensu dos deveres de assistência que imperam na família, inclusive entre os cônjuges, ou dos pais em relação aos filhos menores em decorrência direta do "poder familiar" [32]. Na realidade, são conceitos distintos, apesar de entre eles haver claras semelhanças de cunho finalístico. O dever de assistência ao cônjuge é convertido em obrigação alimentar quando da separação judicial, na medida em que esta desfaz a sociedade conjugal. O dever de assistência à prole converte-se em obrigação alimentar quando esta, atingindo a maioridade, vem a necessitar dos alimentos. Portanto, a obrigação alimentar não se confunde com o dever de sustento dos pais aos filhos ou, ainda, entre os cônjuges, enquanto mantida a sociedade conjugal, e os companheiros, enquanto mantida a união estável.

No que se refere aos alimentos, a determinação legal impõe a conjugação do binômio necessidade/possibilidade: necessidade de quem os recebe e possibilidade de quem os presta.

Neste sentido, Venosa [33] aponta que o dever da promoção de alimentos decorre da premissa de que aquele que não pode prover a própria subsistência não deve ser relegado ao infortúnio. Baseia-se, portanto, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como no da solidariedade familiar.

Sabendo que os alimentos devem ser fixados pela conjugação da necessidade de quem os pleiteia com a capacidade econômica de quem é chamado ao pagamento, cabe então suscitar o julgado do TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo –, do qual foi relator o Des. Villa da Costa, donde se percebe a necessidade da combinação de tal binômio. Na referida lide deduzida em juízo, o ilustre desembargador não fez sequer menção à possibilidade de promoção alimentar pelo ex-marido, como se depreende da leitura do julgado. Daí o entendimento de que o juízo da possibilidade pressupõe o juízo de necessidade.

"Alimentos - Pensão – Ex. mulher - Genitora jovem que está apta para o trabalho, podendo prover o seu próprio sustento - Necessidade premente não demonstrada - Inteligência do art. 226, par. 5° da CF - RNP Os alimentos devem ser prestados desde que provada a necessidade de quem os recebe e a possibilidade de quem os presta. A necessidade implica, necessariamente, na impossibilidade absoluta de obter com o suor do rosto, o próprio sustento." [34]

O Código Civil em vigor estabelece a obrigação da prestação alimentícia de forma mútua entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau. Desta forma, aquele que necessitar de alimentos deverá pedir primeiramente ao pai ou à mãe, e, na impossibilidade destes, aos ascendentes mais próximos. Não havendo ascendentes ou descendentes, independentemente da qualidade da filiação, ou ainda na impossibilidade de estes cumprirem tal obrigação, esta recairá sobre os irmãos, os colaterais mais próximos.

Com o desaparecimento do "chefe" da sociedade conjugal, face à constituição em vigor, caso o marido não tenha os meios necessários, a mulher é chamada a concorrer com seus recursos para manutenção do lar, e, em sendo dissolvida a sociedade, até mesmo a concorrer para manter o marido necessitado, prestando-lhe alimentos. Este é o preço a pagar pela isonomia.

O dever de alimentar é um instituto de cunho tipicamente familiar, a princípio fundado apenas no dever de mútua assistência conjugal e no parentesco, o chamado jus sanguinis. Atualmente, todavia, tem-se entendido, inclusive em nossa legislação, que o instituto dos alimentos, enquanto dever alimentar, deve ser estendido às uniões informais, em especial nas denominadas Uniões Estáveis, como se percebe da leitura da Lei n. 9.278/96, em art. 7º [35], caput.

2.1. ORIGENS

Primitivamente, a obrigação alimentar apresentou-se como fato natural, através do qual assegurava-se ao necessitado recursos essenciais à sua subsistência, caso este não tivesse possibilidade de adquiri-los por meios próprios. Esta obrigação decorria do dever moral, configurando o chamado officium pietatits [36],sem nenhuma ligação, portanto, com normas de direito positivo, mas sim com o dever ético de solidariedade humana, que impõe a obrigação moral de assistência mútua entre os membros de uma mesma família ou até mesmo de um grupamento social.

Os gregos entendiam que o pai tinha obrigação alimentar e de educar a prole, prevendo a reciprocidade da obrigação, na forma de obediência e respeito. A questão da reciprocidade é tão latente na relação alimentícia que, a Constituição Federal [37] em vigor, prevê tal instituto no capítulo VII, destinado ao trato da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso.

Os romanos previam os alimentos não como obrigação positiva, mas como um dever moral e de caridade em relação aos parentes de grau próximo. Naquela civilização, os alimentos são fruto de uma relação familiar constituída sob o modelo patriarcal, onde a autoridade principal era o pater familias, uma vez que este concentrava todos os poderes [38]. Cabe frisar que, neste modelo de organização familiar, não havia nenhum vínculo patrimonial entre o pater e os dependentes, eis que estes eram desprovidos de patrimônio [39]. Baseada no dever moral, a obrigação de alimentar se manteve, transformando-se em relação jurídica tão somente após o surgimento de regras ius positum [40]. Ulpiano já mencionava que os ascendentes e descendentes deviam prestar alimentos uns aos outros, quer do lado paterno, quer do lado materno.

O Direito Romano já admitia o pensionamento de alimentos ao filho natural. Esta obrigação poderia ser transmitida ao avô, nada muito diferente do que temos em nossa legislação atual. O direito justinianeu foi bem mais longe, "prevendo aos filhos legítimos a obrigação de alimentar os filhos naturais deixados por seu pai" [41]

O Direito Canônico, inspirado nos princípios de justiça e caridade dos Evangelhos, concedeu a todos os filhos naturais, mesmos os espúrios, a faculdade de pleitear alimentos dos pais.

No Brasil, a questão dos alimentos "foi prevista nas Ordenações do Reino." [42] Sob a égide das Ordenações, cabe apontar que o filho natural, mesmo o espúrio, era criado de leite pela mãe até os três anos, tendo as demais despesas custeadas pelo pai. "Após três anos, ao pai competia criá-lo e mantê-lo, salvo se o filho tivesse bens." [43]

A evolução do Estado aponta no sentido de que competiria a este desenvolver a assistência social, estimular o seguro e tomar medidas defensivas adequadas para prover a subsistência dos impossibilitados. Contudo, embora o Estado tenha avocado para si tais funções, é notório que não consegue exercê-las de forma eficaz. Deste modo, foi institucionalizado o dever de solidariedade no direito de família, previsto no Brasil, ainda que, a contrário senso, no art. 203 da CF [44]. Assim, para que a missão estatal seja efetiva, o direito impõe aos parentes do necessitado, ou às pessoas a ele ligadas por elo civil ou de fato - hipótese das uniões informais -, o dever de propiciar-lhe condições mínimas de sobrevivência, no caráter de obrigação judicial exigível. Nesta direção caminhou a redação do art. 396 [45] do Código Civil de 1916. Mais ampla, face à sua especialidade, a Lei n. 5478/68, - a conhecida Lei de Alimentos -, trouxe maiores esclarecimentos neste campo. O Código Civil de 2002 trata da matéria de forma ainda mais abrangente, tendo inclusive reafirmado, no art. 1694, § 1º, a imposição da conjugação do binômio necessidade/possibilidade para a concessão de alimentos pelo juízo, matéria já encontrada no art. 400 do extinto Código Civil.

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2.2. PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTAR

A condição fática sine qua non para o surgimento da obrigação de alimentar, no direito de família, é o vínculo sangüíneo ou civil entre alimentante e alimentado. Neste aspecto, deve ser salientado que nem todos os parentes são obrigados a prestar alimentos, uma vez que, de acordo com a lei, somente o são os ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau, irmãos, portanto, sejam estes unilaterais ou germanos.

De acordo ao art. 1696 do CC [46], podem os parentes exigir, uns dos outros, os alimentos de que necessitem [47] para subsistir. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. A prestação alimentícia prevista no referido artigo é, portanto, fundada no ius sanguinis.

A pretensão aos alimentos somente é viável se atendidos os pressupostos legais. O primeiro pressuposto/requisito que se exige para a concessão dos alimentos é a necessidade [48], esta se materializando quando quem os pretende não tem bens nem pode prover pelo trabalho o seu próprio sustento.

O segundo elemento é a possibilidade [49] do alimentante. Neste ponto, convém trazer à colação o pensamento de Venosa [50], que discursa sobre a indispensável capacidade financeira deste. De seu pensamento se conclui que o alimentante não tem este obrigação de dividir sua fortuna com o necessitado. Segundo este autor, o princípio dos alimentos não é esse, mas sim o pagamento periódico, tendo em vista a natureza dessa obrigação. Portanto, na fixação do quantum residiria a maior responsabilidade do juiz nessas ações, pois não há norma jurídica que imponha um valor ou padrão ao magistrado.

O terceiro requisito é a proporcionalidade, também apontada no art. 1694, § 1º, CC, onde se deduz que deve existir proporção entre as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Não é cabível exigi-los além do que o alimentando precisa, sendo certo que, na hipótese de necessidade decorrente de culpa do alimentando, estes devem ser apenas os indispensáveis para sua subsistência, o que se depreende do art. 1694, § 2º [51]. A conjugação desses pressupostos será, com a aplicação do binômio necessidade/capacidade financeira, o que sintetizará o princípio da proporcionalidade. Não se pode admitir, portanto, que os alimentos se tornem um fardo impossível de ser carregado. A busca da proporção é fundamental.

O quarto pressuposto é a reciprocidade, proclamado pelo art. 229 da CF [52]. A reciprocidade liga-se, antes de mais nada, a um preceito filosófico de preservação da espécie. Os mais velhos, em regra, cuidam dos mais novos, para que, quando a idade se tornar para eles um peso, possam ser assistidos pelos que assistiram, caracterizando, assim, a retribuição.

A ordem destes requisitos não é pacífica, eis que há autores que apontam como o primeiro pressuposto da obrigação alimentar o parentesco, seja este de que modalidade for. Neste caso, a ordem dos demais pressupostos é alterada.

2.3. CARACTERÍSTICAS

O direito aos alimentos é personalíssimo, concedido à pessoa do alimentando que se encontra em estado de necessidade. Assim, só podem ser reclamados a título de direito próprio, admitindo-se, todavia, aos incapazes o direito de representação. Constitui modalidade do direito à vida, que é protegido pelo Estado através de normas de ordem pública. Daí sua irrenunciabilidade, quando decorrente da relação de parentesco, atingir somente ao direito e nunca ao seu exercício. Deste entendimento decorre a premissa de que não se pode renunciar aos alimentos futuros e nem à postulação dos mesmos em juízo. A renúncia posterior é válida quando perdoa as prestações alimentícias vencidas e não pagas.

Neste sentido cabe apontar o verbete 379 da súmula do STF [53], do qual se deduz que os alimentos podem ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais, embora exista acordo quanto ao não pagamento de alimentos na separação judicial. Deste verbete emergem proposições no sentido de que a renúncia na separação seria mera dispensa provisória e momentânea da pensão alimentar, podendo posteriormente ser pleiteada, desde que provada a sua necessidade e a possibilidade econômica do pretenso alimentante, conclusão que se faz dos apontamentos de Venosa [54]. Luiz Edson Fachin [55] corrobora o magistério do citado doutrinador, pugnando também pela irrenunciabilidade dos alimentos.

Ensina o professor José Costa Loures [56] que a irrenunciabilidade é consectária do direito à vida. Pode o credor não exercer o seu direito, mas o não-exercício não deve ser confundido com renúncia. Aliás, a natureza do direito alimentar justifica as restrições legais no sentido de garantir a inviolabilidade prometida no texto, daí culminar com o reconhecimento de que é ele irrenunciável, não passível de cessão, compensação ou penhora.

Embora a união estável venha sendo tratada de forma aproximada ao casamento, chegando a ser afirmado pelo professor Fábio Alves Ferreira ser ela um "casamento não solene" [57], cabe trazer neste momento um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul onde se percebe que, em sede de dissolução da união estável, o tratamento é diferenciado do despendido à dissolução do casamento. Eis o julgado:

"Alimentos. Renúncia em Dissolução de União Estável. Impossibilidade de novo pedido. A dissolução judicial consensual de União Estável, como no divórcio rompe, salvante expressa exceções, todos os vínculos entre os ex-conviventes. Inaplicabilidade da sumula 379 do STF. O dever de assistência, somente persiste quando as partes o convencionam no acordo da dissolução da União. Também, inaplicável o disposto no art.404 do Código Civil, porque restrito as relações de parentesco. Carência de ação por parte da ex-convivente para pedir alimentos ao ex-companheiro. Apelação desprovida.(6fls)" [58]. (destacou-se)

A posição que preconiza a irrenunciabilidade dos alimentos, sem diferenciar a origem da obrigação, é majoritária na doutrina, sobretudo em razão da posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, cabe aqui delinear a posição do professor Leoni Lopes [60], que, na vigência do Código Civil de 1916, dizia serem renunciáveis os alimentos, quando não advindos de relação de parentesco. Pugnando também pela possibilidade da renúncia em relação aos alimentos, quando não fundados na consangüinidade [61], parece salutar apontar os ensinamentos de Belmiro Welter [62], uma vez que este autor afirma poder ocorrer renúncia aos alimentos tanto no casamento quanto na união estável, sendo certo que, uma vez renunciados, não podem mais ser reclamados.

Outra característica notável dentro da perspectiva de análise dos alimentos é a imprescritibilidade. A prescrição de que trata o art. 206 [63] do CC atingiria tão-somente as parcelas vencidas e não pagas, mas não as futuras, como se depreende da Lei n. 5478/68 em seu art. 23 [64]. A imprescritibilidade caracteriza a não perda do direito de ação pelo decurso do tempo.

São também os alimentos impenhoráveis. A impenhorabilidade, como aponta Orlando Gomes [65], resultaria da própria finalidade do instituto, que é a supressão do estado de miserabilidade do alimentando. Assim, seria um absurdo permitir-se aos credores fazerem o devedor voltar à situação de miserabilidade anterior ao recebimento dos alimentos.

A revisibilidade, prevista no art. 1699 [66] do CC, é fruto de entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o julgado de relações continuativas não faz coisa julgada material. Assim o ato jurídico pode ser alterado na medida em que novas circunstâncias imprevistas possam alterar o anteriormente pactuado, homologado pelo juízo, ou ainda o objeto de decisão condenatória. Este entendimento é conseqüência, ainda que indireta, do princípio da razoabilidade, uma vez que as condições, tanto do alimentante quanto do alimentando, podem mudar com o passar do tempo e a obrigação alimentar, lembremos, deve, por pressuposto de existência, atender ao binômio necessidade/possibilidade.

Embora prepondere o entendimento de que o julgado nas ações continuativas, dentre as quais a que concede alimentos, não faz coisa julgada formal e material, cabe trazer à colação o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, em 1992, negou provimento ao Recurso Especial em que se alegava o não cabimento da ação rescisória contra Acórdão que havia fixado alimentos e entendeu que na ação de alimentos existe coisa julgada formal e material, quando assim consignou:

"Civil- Ação de Alimentos - Ação rescisória de acórdão que fixou alimentos em valor além do pedido. Alegação de não cabimento da demanda rescisória em matéria alimentar. A sentença que fixa alimentos pode ser objeto de ação rescisória, sob pressupostos próprios, diversos dos da ação de 'modificação' do valor dos alimentos. Coisa julgada formal e material e as ações de alimentos". [67]

Considerando que uma eventual nova ação terá como fundamento a nova realidade financeira do alimentante e do alimentando, entendemos que o julgado nas ações de alimentos faz coisa julgada. Este posicionamento decorre da premissa que, se mantido as realidades que fundamentaram a decisão, não se poderá intentar outra ação, eis que a causa de pedir seria a mesma.

Cahali [68] aponta que a espinha dorsal da obrigação alimentar sofreu substancial modificação no novo Código, pois neste, independentemente da origem da obrigação, os alimentos são dispostos no capítulo que trata dos alimentos decorrentes do parentesco, embora faça parte da máxima do senso comum de que marido mulher não são parentes, assim como não são os companheiros.

A renúncia à pensão alimentícia na dissolução amigável do casamento encontrou fértil campo de discussões. Na jurisprudência, pela sua relevância, culminou com o verbete 379 da súmula do STF. Todavia recente orientação do STJ [69] vem rejeitando a aplicação da Súmula, reconhecendo a possibilidade de renúncia à pensão quando não decorrente do vínculo sangüíneo, posicionamento não previsto no novo Código. Neste, o que prevalece é irrenuncialidade ao direito a alimentos, sem excepcionar a origem da obrigação, disposição literal do art. 1707.

Não se pode repetir, ou seja, é irrestituível, quer sejam provisórios, definitivos ou ad litem. Assim, uma vez pagos, os alimentos são irrestituíveis. Desta forma, mesmo que a ação venha a ser julgada improcedente, não cabe a restituição dos alimentos provisórios ou provisionais. Nesta seara, cabe trazer à discussão o julgado do TJSP, do qual foi relator o Des. Santos Andrade, onde se admitiu a restituição de valor descontado a maior na folha de pagamento. Eis o julgado: "Alimentos - Restituição de quantia descontada a mais na folha de pagamento do alimentante -Admissibilidade - Desconto efetuado que ocorreu com a base antiga. Valor que não era mais devido - Restituição mantida - Recurso não provido [70]".

Uma característica também muito evidente, em se tratando de alimentos, é a que aponta ser este crédito o mais importante dentro da sistemática civil atual. É tão importante que, uma vez inadimplido, pode ensejar – sem discussão doutrinária e jurisprudencial, face ao que dispõe o Pacto de San Jose da Costa Rica – prisão civil, esta prevista na CF no art. 5º, LXVII [71]. Pacífica também é a possibilidade de aplicação desta modalidade de prisão tanto ao não-pagamento de alimentos provisionais como ao de alimentos definitivos.

Por outro lado, uma situação que tem suscitado diversos questionamentos é a duração da prisão civil do devedor de alimentos, eis que a lei geral, art. 733, § 1º CPC [72], preceitua privação de liberdade por um a três meses, ao passo que a lei especial, Lei n. 5478/68 [73], preceitua prisão por até 60 dias.

José Carlos Barbosa Moreira [74], pondera que o prazo da prisão deve ser sempre o previsto no art. 733 do CPC, eis que este teria derrogado, nesta parte, o art. 19 da Lei de Alimentos.

Humberto Theodoro Júnior [75], a seu termo, afirma que, no caso de alimentos provisionais é de se aplicar o prazo previsto no art. 733 do CPC, logo de um a três meses e, para alimentos definitivos, o prazo seria o previsto no art. 19 da Lei de Alimentos.

Neste contexto, um argumento que parece muito salutar é a proposição de que a execução far-se-á do modo menos gravoso ao devedor, como se depreende da lição de Araken de Assis [76]. Este autor consubstancia tal entendimento se pautando no artigo 620 do CPC, devendo, portanto, ser observado o prazo menor. Além disto, com base na Lei n° . 6014/73 – que adaptou ao novo Código de Processo Civil as leis que menciona –, continuaria em vigor o art. 19 da Lei de Alimentos, que prevê uma prisão menor que o art. 733 do próprio CPC. Assim, o prazo da prisão deveria ser sempre de 60 dias.

Este entendimento é também esposado pelo professor Alexandre Câmara, onde lemos que, "parece-nos fora de dúvida que está em vigor o art. 19 da Lei de Alimentos" [77]. Tal entendimento decorre do fato de ser a Lei n.° 6014/73 posterior ao CPC e, tendo esta a incumbência de adequar leis extravagantes, dentre elas a Lei de Alimentos, a este, manteve na íntegra o art. 19 da Lei n.° 5478/68. "Assim sendo, parece-nos fora de dúvida que a prisão civil do devedor de alimentos jamais poderá exceder de sessenta dias, pouco importando se os alimentos devidos são provisórios ou provisionais." [78]

No que se refere ao prazo mínimo, o CPC e a Lei de Alimentos também não são convergentes ao cominarem a pena. Naquele está expresso que a prisão será decretada pelo prazo de um a três meses, sendo a pena mínima cominada de um mês, portanto. Contudo, a Lei de Alimentos não fixa um prazo mínimo, limitando-se a dizer, em seu artigo 19, que este não excederá a sessenta dias.

Partindo do postulado defendido pelo professor Araken de Assis, postulado baseado na premissa encontrada no art. 620 do CPC, de que a execução se procederá da forma menos gravosa ao devedor, entendemos ser ponderável que o prazo mínimo seja o encontrado no artigo 733, CPC, uma vez que a Lei de Alimentos é omissa quanto ao prazo mínimo. Deste modo parece-nos que o prazo de 1 (um) mês deve ser o paradigma a ser seguido no que concerne à fixação do prazo mínimo.

No que concerne às características da prisão decorrente do débito alimentar, cabe apontar que esta não é pena, mas meio de coerção para impelir o devedor de alimentos a cumprir uma obrigação, como se depreende da lição de Álvaro Villaça: "A prisão por débito alimentar não é pena, mas meio coercitivo de execução, para compelir o devedor ao pagamento da prestação de alimentos. Esta prisão não existe, portanto, para punir o esse devedor, tanto que pagando-se o débito, a prisão será levantada." [79]

2.4 MODALIDADES

A questão dos alimentos pode ser encarada sob dois aspectos. Em sentido lato abrangeria, dentre outras hipóteses, aqueles originários do ato ilícito e da vontade humana. Em sentido estrito, seria a obrigação que decorre do parentesco consangüíneo ou afim.

Os alimentos que decorrem da vontade podem ser inter vivos ou causa mortis. Inter vivos consiste em obrigação assumida contratualmente por quem não tinha a obrigação legal de pagar alimentos. Pertence, portanto, ao direito das obrigações.

Causa mortis são os alimentos encontrados em testamento, via de regra sob a forma de legado de alimentos, pertencendo ao campo do direito das sucessões, daí serem chamados alimentos testamentários. O legado de alimentos abrange a alimentação propriamente dita, as despesas para a manutenção da saúde, vestuário, habitação, além da educação, se o legatário for menor.

Caso especial é a obrigação alimentar que se origina da doação, podendo ser convencional ou eventual. Não sendo a doação remuneratória, fica o donatário obrigado a prestar ao doador os alimentos que este venha a necessitar. Se não cumprir a obrigação, ensejará a revogação da doação por ingratidão, a menos que se veja sem condições de prestá-los.

Os alimentos indenizatórios, também chamados de ressarcitórios, têm o condão de reparar uma conduta ilícita, na forma do art. 928 [80] do novo Código. A obrigação alimentar surgida em conseqüência da prática de ato ilícito representa, portanto, forma de indenização do dano ex delicto, mas tem característica precipuamente obrigacional.

Os chamados alimentos legítimos assim se qualificam por serem devidos por força de uma obrigação legal e, em nosso ordenamento, são os que se devem por direito de sangue, ou relação de natureza familiar, pelo matrimônio ou pela união estável. Apenas esta modalidade de alimento é regida pelo Direito de Família.

O novo Código, ao contrário do revogado, diferencia os alimentos necessários dos civis, fazendo tal distinção no art. 1694. Os alimentos estritamente necessários à mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites das necessidades vitais, são chamados alimentos naturais. Se abrangidas as necessidades intelectuais e morais, inclusive a recreação do beneficiário, compreendendo necessidades outras da pessoa, são chamados alimentos civis.

Pelo teor do art. 1694, § 1°, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. O § 2° do mesmo artigo traz um apontamento de cunho restritivo ao dizer que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

O art. 1704 [81] do mesmo diploma dispõe que, se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. No parágrafo único do mesmo artigo é encontrada uma disposição restritiva no sentido de que, uma vez sendo declarado culpado pela dissolução da sociedade conjugal, o cônjuge que vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, terá sua subsistência garantida pelo outro cônjuge, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Maiores esclarecimentos a respeito da expressão culpa encontrada nos referidos dispositivos estão dispostos no tópico 3.4.

Quanto à modalidade da prestação, os alimentos se dividem em próprios e impróprios. Os próprios correspondem ao cumprimento da obrigação que tem como conteúdo o fornecimento daquilo que é diretamente necessário à manutenção do beneficiário. Já os impróprios têm como conteúdo a prestação financeira e os meios idôneos à aquisição de bens correspondentes ao atendimento de todas as necessidades do alimentando.

Quanto à finalidade, os alimentos classificam-se em definitivos, provisórios e provisionais. Definitivos são os de caráter permanente, fixados por sentença homologatória de acordo ou condenatória. Provisórios são os arbitrados liminarmente em ação própria. Eles podem ser revistos a qualquer tempo, processando-se em apartado, conforme se depreende da Lei n. 5478/68. Provisionais são os previstos no art. 1706, do CC [82]. São os alimentos que a parte pede liminarmente, em cautelares, para o seu sustento e para os gastos processuais, enquanto durar a demanda.

Quanto ao momento em que podem ser reclamados, os alimentos classificam-se em atuais e futuros. São atuais os postulados a partir do ajuizamento, porque o pedido já está instruído com prova pré-constituída do pressuposto do direito. Futuros são os que decorrem da respectiva sentença, embora caiba frisar que os alimentos quase sempre serão devidos retroativamente à citação. No que concerne à retroatividade, deve-se apontar o verbete 277 [83] da Súmula do STJ, segundo o qual, tratando da ação de investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.

Os alimentos podem ser provisórios ou provisionais. Os alimentos provisórios são aqueles previstos na Lei n. 5478/68 em seu art. 4º [84]. Constituem adiantamento da tutela, concedido pelo juiz no início da ação, visando a garantia do necessário à subsistência do autor, até que se decida sobre o direito aos alimentos e sua fixação definitiva. Cabe frisar que tal medida só merece proteção quando há pressuposição de que exista a obrigação, com apresentação de provas.

Os alimentos provisionais, por outro lado, encontram-se elencados nos artigos 852 a 854 do Código de Processo Civil, e artigo 1.706 do novo estatuto civil, possuindo desta forma natureza de medida cautelar. Os alimentos provisionais, ao contrário dos provisórios, abrangem tanto o necessário ao sustento do alimentante, como também habitação, vestuário e as despesas custeio da demanda, inclusive os honorários advocatícios. Por se tratar de medida cautelar, a ação principal deve ser proposta no prazo de 30 dias, como prevê o artigo 806 do Código de Processo Civil, sob pena de caducidade da medida, quando cautelar preparatória. Assim, os alimentos concedidos liminarmente na ação de alimentos em rito especial denominam-se alimentos provisórios. Se forem concedidos em ação cautelar preparatória ou incidental, são denominados alimentos provisionais.

Os alimentos provisórios, uma vez concedidos, são devidos até o julgamento final da ação, inclusive do recurso extraordinário, como se conclui da leitura da Lei n. 5.478/68, em seu art. 13 § 3º [85]. Assim, é vedado ao magistrado revogar os alimentos provisórios concedidos na ação de alimentos. "Pode haver variação ou mesmo diminuição, mas jamais supressão, devendo ser pagos até decisão final, inclusive do recurso extraordinário." [86]

Por outro lado, os alimentos provisionais podem ser revogados a qualquer tempo, como ocorre com as demais liminares concedidas nas medidas cautelares em geral, por inteligência do art. 807 [87] do Código de Processo Civil.

Em sede de união estável, tem se entendido pelo descabimento de alimentos provisórios, pela impossibilidade de atendimento ao requisito da prova documental exigida pela Lei de Alimentos. Mas, conforme sustenta RejaneFilippi , "inexistem dúvidas quanto ao cabimento do pedido de alimentos provisionais, pela via da medida cautelar, quando pleiteados com fundamento em relação concubinária." [88]

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Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. O conceito de família ao longo da história e a obrigação alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2664, 17 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17628. Acesso em: 22 dez. 2024.

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