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Análise do propalado câmbio do paradigma etiológico ao da reação social

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1. INTRODUÇÃO

O presente texto visa a desvendar e a criticar aqueles que tratam da "mudança do paradigma sociológico ao da reação social", com enfoque especial no artigo de autoria da Professora Vera Regina de Andrade, da Universidade Federal de Santa Catarina. [01]

Demonstrar-se-á que foi Alessandro Baratta quem propôs a "mudança do paradigma sociológico ao da reação social" e, sem fazer defesa do positivismo, serão feitas explicações tendentes a demonstrar que as propostas sistêmicas da atualidade poderão prejudicar a necessária análise científica dos fenômenos sociais.

Heidegger demonstrou preocupação com a linguagem, visto que o neologismo é próprio das novas descobertas científicas e jusfilosóficas, mas é importante que os sentidos das novas palavras sejam devidamente esclarecidos. No caso vertente, desde a palavra crítica, que busca alcançar o mesmo sentido kantiano, em que a crítica significa buscar conhecer, indagar, perscrutar etc., é necessário alertar ao leitor sobre o sentido da palavra etiológico.


2. DA ETIOLOGIA

No dicionário globo, etiologia significa: "S.f. Estudo sobre a origem das coisas; parte da medicina que trata das causas das doenças. (Do lat. aetiologia).". [02]

No Aurélio, a palavra etiologia é assim apresentada:

[Do gr. aitiologia, pelo lat. aetiologia]. S.f. 1. Estudo sobre a origem das coisas: "a verdade é que, no tocante à etiologia do absenteismo [absanteismo eleitoral, a fraude é apenas um epifenômeno; as causas reais, íntimas, fundamentais são outras muito diversas." (Oliveira Viana, Pequenos Estudos de Psicologia Social, p. 73). 2. A parte da medicina que trata da origem das doenças: "Possuo... um Larouse Medical, onde me guio na etiologia dos meus lumbagos e que me tem ensinado até mesmo a técnica de pequenas intervenções cirúrgicas por meio de lâminas de barbear." (Costa Rego Águas Passadas, p. 246). [03]

De Plácido e Silva não apresenta a palavra etiologia em seu vocabulário jurídico, [04] e no artigo da Prof.ª Vera Regina de Andrade pode-se ter em vista que busca esclarecer que a Criminologia nasce etiologicamente, ou seja, como ciência que se ocupa de explicar a causa do crime e da criminalidade, isso a partir da perspectiva da criminologia clássica (ou positiva?), avançando até os modelos de reação social.

A palavra paradigma é utilizada no seu sentido vulgar, ou seja, como "padrão", sendo que a autora estabelece dois paradigmas (padrões) referenciais: o etiológico (de fundamentação positivista) e o da reação social (neste há uma desconstrução do modelo positivista, a partir labelling approach).


3. CRÍTICAS AO POSITIVISMO

É interessante notar que a análise parte do positivismo, movimento da filosofia que tem contornos jusfilosóficos, com sérias implicações jurídico-criminais. Alhures, procurei demonstrar que há profunda influência do pensamento filosófico no jurídico e vice-versa, sendo que a Escola Positiva do Direito Criminal decorre do Período Criminológico, o qual, na Itália, teve como expoentes: Cesare Lombroso (antropologia ou biologia criminal), Enrico Ferri (sociologia criminal) e Rafael Garofalo (criminologia científica). [05]

A posição de Lombroso é compatível com a palavra etiologia, visto que foi a partir de técnicas e conhecimentos próprios da Medicina Legal que ele desenvolveu a pesquisa que resultou na sua antropologia criminal, traduzida no seu célebre livro O Homem Delinquente. [06] A sua antropologia criminal é compatível com o sentido da etiologia enquanto busca medicinal das causas das doenças e com o sentido de pesquisa da origem das coisas, pois ele quis saber a causa, a origem do fenômeno criminal.

Ferri não se valeu de métodos da medicina para desenvolver suas pesquisas. Toda sua postura é sociológica e, fundamentalmente, jurídico-criminal, adotando método indutivo de pesquisa. [07] De qualquer modo, teve especial preocupação com a causa sociológica do delito (sociologia criminal).

O positivismo marca um momento em que se buscou afastar integralmente a filosofia dos fundamentos metafísicos que prevaleceram em todo período jusnaturalista. No entanto, levou à hipervalorização do conhecimento científico, que é fragmentário, o que fez surgirem inúmeras críticas à esterilidade do pensamento positivista.

A Prof.ª Vera Regina de Andrade cita frequentemente, no seu artigo, Alessandro Baratta, expoente da criminologia crítica. No entanto, diz-se que ele matou a criminologia, in verbis:

Mas o próprio Baratta diz então que a criminologia morreu, vítima de sua própria crítica, pois adotar os postulados da Criminologia Crítica significa reconhecer que o Direito Penal não serve senão como um instrumento de desigualdade social, e, como tal, deve ser abandonado. [08]

Observe-se que Alessandro Baratta propôs a "passagem do paradigma etiológico para o paradigma da reação social". [09] Porém, não se pode admitir o labelling approach (este, segundo o artigo sob exame, marca o início da mudança de paradigma) sobre o qual escrevi:

Surgiu nos Estados Unidos da América, no início da década de 1.960, a teoria do labelling approach. Por essa teoria, o delinqüente que pratica uma conduta delituosa (criminalidade primária) tem uma resposta ritualizada e estigmatizada que o distancia da sociedade e diminui as oportunidades, surgindo uma subcultura do delinqüente com reflexo na auto-imagem, que o rotula como criminoso e propicia a carreira no crime, sendo a causa da delinqüência secundária (fruto do aparelho repressor estatal). [10]

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Diz-se que a mudança de um para outro paradigma tem por fundamentação principal a conclusão de que a causa do delito não é biológica (Lombroso), sociológica (Ferri) ou moral (Garofalo), sendo normativa. No entanto, a análise precisa ser aprofundada porque é do funcionalismo que decorrem as posturas sistêmicas da atualidade, com sério risco de abandono definitivo do conhecimento científico.

A análise necessitaria de texto longo e aprofundado sobre a norma como causadora de delitos (assunto do qual não me ocuparei), mas procurarei falar resumidamente sobre os principais pontos de interesse, evitando perspectivas exageradamente amplas e inseguras, mormente por faltar a segurança que é própria do conhecimento científico.


4. CRIMINOLOGIA CRÍTICA E REAÇÃO SOCIAL

Em uma seção intitulada "Criminologia Crítica e Abolicionismo, Minimalismo e Maximização do Direito Criminal", em um dos meus livros, transcrevi artigo de Edmundo de Oliveira, [11] visando a apresentar as vertentes existentes acerca da criminologia crítica. Esta tende ao minimalismo e até ao abolicionismo, colocando em xeque todo sistema punitivo estatal.

Os movimentos de lei e ordem representam uma proposta diversa para evitar a anomia. Durkheim, no início do Século XX, propôs que o delito é um fenômeno normal e essencial ao desenvolvimento social, devendo o Direito atuar apenas para evitar o excesso em qualidade ou quantidade (o excesso representaria a anomia). [12] De forma diversa, Ralf Dahrendorf defendeu a lei e a ordem, pela qual somente o rigor será capaz de combater a anomia. [13]

Entre abolição, minimização ou maximização do Direito Criminal, os discursos dos movimentos de lei e ordem são os que encontram maior espaço dentre os leigos. Políticos tem sido eleitos em nome do rigor criminal, criando outro problema, que é a administração de grandes massas carcerárias.

A fragmentariedade do conhecimento científico faz com conhecimentos diversos se correlacionem. Assim como na análise da causa do crime muitos conhecimentos podem se aproximar, exigindo a dialética entre eles, o mesmo se pode falar da pena (objeto de estudo da Penalogia) e da Política Criminal (esta enquanto atividade do Estado e atividade científica voltada aos fins do Direito Criminal). Porém, é melhor que se preserve a ciência, ao contrário de tender aos estudos sistêmicos da atualidade, os quais confundem os conhecimentos científicos e filosóficos.

Não é raro se encontrar propostas para se estabelecer novo paradigma para a ciência, isso a partir do pensamento sistêmico. [14] Porém, embora se possa afirmar que o conhecimento é unico, é bom que ele seja delimitado em níveis, eis que, nem sempre o conhecimento científico estará correto, mas as teorias não científicas terão maior probabilidade de estarem erradas. [15]


5. CONCLUSÃO

É necessário que se tenha em vista que o labelling approach pode ampliar exageramente o objeto de estudo da Criminologia, tornando-a abstrata a ponto de lhe retirar o caráter científico.

O labelling approach, como paradigma de reação social, não prestigia os motivos que tornam as pessoas criminosas, optando por investigar os motivos de algumas pessoas serem etiquetadas (estigmatização como delinquentes), a legitimidade da punição e as consequências das penas concretizadas.

O Direito de Execução Criminal, a Penalogia e a Política Criminal tem papéis e objetos de estudos específicos importantes, não sendo razoável reunir suas áreas de conhecimento na Criminologia, a fim de destruir o método de estudo, isso sob o pretexto de que a multidisciplinariedade é própria dos conhecimentos científicos atuais.


Notas

  1. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Do paradigma etiológico ao paradigma reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Disponível. Florianópolis: Revista CCJ, n. 30, ano 16, Jun/1995. p. 24-36. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Seq30Andrade-ParadigmaEPRSMPPCCSC.pdf>. acesso em: 19.10.2010, às 7h40.
  2. FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário brasileiro globo. 56. ed. São Paulo: Globo, 1996
  3. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1.975. p. 591.
  4. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.002.
  5. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 32-112.
  6. LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2.001.
  7. FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 62-63.
  8. BUSATO, Paulo César; HAUPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.003. p. 15.
  9. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.999. p. 217.
  10. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2.010. p. 106.
  11. OLIVEIRA, Edmundo. As vertentes da criminologia crítica. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 11.5.2004, às 12h15.
  12. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 60.
  13. DAHRENDORF, Ralf. A lei e a ordem. Brasília: Instituto Tancredo Neves, 1987.
  14. VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus, 2.002. passim.
  15. RUSSELL, Bertrand. Meu desenvolvimento filosófico. Rio de Janeiro: Zahar, 1.980. p. 12.
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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Análise do propalado câmbio do paradigma etiológico ao da reação social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2668, 21 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17665. Acesso em: 17 nov. 2024.

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