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A tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro

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28/10/2010 às 09:22
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3 O descompasso entre a realidade e legislação de proteção ao meio ambiente

O crescimento de projetos e práticas relacionadas à proteção do meio ambiente pressupõe um despertar, na sociedade, de uma consciência quanto à necessidade de conjugar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental. A percepção dos efeitos decorrentes das alterações adversas às características do meio natural associa-se a essa tomada de consciência social, responsável pela fragilização da concepção antropocêntrica e da ideia de que por meio da ciência e da tecnologia o ser humano sempre encontra uma solução para os problemas causados ao meio ambiente.

Na perspectiva antropocêntrica, o ser humano é o centro de toda a atividade realizada no orbe, não sendo o planeta compreendido em sua totalidade e, por isso, dissociado do entendimento de que esse todo constitui-se pelas partes, formando um imenso ecossistema,

Portanto, não se situando o ser humano como parte integrante dessa cadeia ecológica, não poderia estabelecer uma relação harmônica com o meio ambiente, percebendo a natureza apenas com um mero fator de produção material, ou seja, algo de interesse meramente econômico e mercadológico. Como consequência, os modelos de desenvolvimento econômico têm sido responsáveis por relações de produção de caráter predatório quando se trata do uso dos recursos naturais, indiscriminadamente explorando-os, despreocupados da necessidade de garantia do direito fundamental à qualidade ambiental.

Esse modelo civilizatório, de base antropocêntrica, tem, portanto, associado a si, um modelo material de produção que não respeita os limites dos recursos naturais, explorando-os até a exaustão, o que levará, como alerta Capra (2002), o sistema econômico mundial ao colapso por absoluta escassez de fontes energéticas e alimentares. As perspectivas de um colapso das condições de manutenção da vida no orbe têm conduzido a sociedade a pressionar o Estado para assegurar a conservação do meio ambiente, dando azo à criação de um mecanismo jurídico que limite as ações sobre o meio ambiente.

O Brasil atualmente dispõe de uma vasta legislação de proteção ao meio ambiente, influenciando, de forma positiva, o ordenamento jurídico nacional, haja vista ser o direito um sistema normativo e não um mero conjunto de normas.

Entretanto, não obstante a existência de uma forte legislação ambiental, a realidade empírica vem demonstrando um descompasso entre o escopo do ordenamento jurídico ambiental e as ações econômicas sobre o meio ambiente, conforme explicam Ruscheinsky e Freitas (2009, p.18):

A produção capitalista é por sua própria natureza anti-ambiental, inclusive com a progressiva degradação ou exaustão dos recursos naturais. Sem esquecer que em alguns setores não há ainda alternativa para proceder de forma ambientalmente correta, como é o caso dos derivados de energia fóssil (petróleo e carvão). A racionalidade do sistema a curto e a longo prazo implica no domínio e destruição dos recursos naturais, desvelando o viés da insustentabilidade, uma vez que toda a natureza passa a ser compreendida como bens naturais com fins de apropriação privada.

Não se pode negar que, além do interesse capitalista na desregulamentação das normas de proteção do meio ambiente, a estrutura burocrática estatal não se encontra devidamente preparada para garantir a efetivação das leis ambientais. Conforme Duarte (2003), constatam-se problemas de carência de informações e de planejamento, restrições de natureza política e orçamentária, falta de integração entre as políticas públicas, deficiências regulatórias e conflitos institucionais.

O entendimento de que a preservação do meio ambiente impede o desenvolvimento econômico responde pela falta de recursos financeiros para uma adequada implementação das políticas ambientais pelos órgãos burocráticos, gerando, com essa insuficiência orçamentária, problemas que vão desde a falta de verbas para contratação de pessoal, em regra despreparados e em números escassos, até a incapacidade de custeio de ações fiscalizatórias ostensivas e impedimento de definição de metas, principalmente a longo prazo.

Além disso, as políticas públicas, em sua maioria, estão sendo vistas pelos administradores como políticas de governo, o que gera a descontinuidade das ações governamentais, sendo bastante comum no sistema político brasileiro a paralisação de planos, programas e projetos elaborados pela gestão anterior, principalmente quando o sucessor possui diferente vinculação político-partidária. Essa prática gera graves prejuízos ao meio ambiente e, por conseguinte, à população.

Assim, se por um lado houve um aperfeiçoamento da ordem jurídica, observa-se que em face da inércia estatal diante do dever constitucional de conservação do meio ambiente há, ainda, uma forte prevalência dos interesses mercadológicos, incompatíveis com as leis da natureza.

Portanto, todo o aparato normativo existente não vem sendo, por si só, capaz de permitir a efetiva proteção ambiental, dependente de ações executivas e políticas dos organismos estatais. Dessa forma, a consagração, em nossa Lei Maior, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não tem sido suficiente para que tal direito seja efetivamente assegurado, pois, como afirma Milaré (2001), não basta apenas legislar, mas torna-se essencial que o Estado se lance ao trabalho de concretizar as regras postas.

Diante desse descompasso entre a produção legislativa e realidade vivenciada, a sociedade hodierna passa, agora, a enfrentar o desafio de pressionar os governantes a assumirem uma postura ativa no tocante ao dever de proteção ambiental.


4 A posição da sociedade frente à negligência estatal

A nossa Constituição Federal dá uma atenção especial ao direito ambiental, que também passa a ser objeto do dever de proteção e defesa por parte do Estado e da coletividade, uma vez que, nos moldes do artigo 225, impõe-se ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A tutela da qualidade ambiental deve ser exercida pelo Poder Público, nas três esferas de poder, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações capazes de assegurar, conforme termos da CF de 1988: 1) a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 2) a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; 3) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; 4) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental; 5) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; 6) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 7) e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Assegura ainda a nossa Lei Maior que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados e a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado daquele que explorar recursos minerais, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

Em que pese essa proteção constitucional do meio ambiente, a exigência de uma elogiável legislação ambiental e o fato do Brasil ser signatário de inúmeras convenções internacionais sobre o meio ambiente, contraditoriamente o Estado não tem se mostrado capaz de resolver a problemática do meio ambiente.

Diante da essencialidade da proteção ambiental, configura-se imprescindível que a sociedade se organize com o objetivo de exigir que o Poder Público torne eficazes as normas ambientais, assegurando higidez ao meio ambiente.

Problemas como carência de informações e de planejamento, restrições de natureza política e orçamentária, falta de integração entre as políticas públicas, deficiências regulatórias e conflitos institucionais, citados por Carneiro [02] (2001), precisam ser resolvidos, não podendo a população ficar passiva diante da inércia estatal ao dever de assegurar o direito fundamental à qualidade ambiental.

Isso porque, como explica o referido autor, a carência de informações e planejamento não contribui para que se compreendam os efeitos que as diversas atividades produtivas, em especial as capitalistas, acarretam aos processos ecológicos fundamentais, bem como os custos sociais e econômicos decorrentes dessa produção. A ausência, limitação e desatualização ou imprecisão dos dados relativos às variáveis ambientais inviabiliza o planejamento das ações do poder público. Essa realidade estatal malfere a legislação ambiental, impossibilitando a superação dos efeitos negativos da atividade produtiva e uma conciliação dos interesses socioambientais com a necessidade de desenvolvimento, que precisa ser sustentável. Isso exige a formalização, implantação e avaliação de políticas públicas.

Entretanto, o movimento empírico, no Brasil, tem demonstrado que as políticas públicas são vistas pelos governantes como meras políticas de governo, gerando descontinuidade das ações formuladas e já implementadas pelos governos antecessores.

A paralisação de planos, programas e projetos elaborados pela gestão anterior, que ocorre, principalmente quando o sucessor possui diferente vinculação político- partidária, gera graves prejuízos para o meio ambiente e, por conseguinte, para a qualidade de vida da população.

Pelo exposto, constata-se que todo o aparato normativo existente não vem sendo capaz de permitir o efetivo zelo pelo ambiente, uma vez que tal direito depende da ação concreta dos organismos estatais. A mera edição de leis não é suficiente para a efetiva solução da problemática ambiental, sendo necessária a mudança da postura da população e dos órgãos competentes, de modo a dar concretude ao disposto no caput do artigo 225 da CF/88.

Para que isso ocorra, o ordenamento jurídico deve assegurar a adoção de medidas preventivas e um processo educacional que possibilite, além de hábitos em favor da proteção ao meio ambiente, uma consciência crítica sobre as reais causas da crise ambiental.

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Imprescindível se faz a aplicação concreta e efetiva dos instrumentos de gestão ambiental, como a contabilidade, auditoria, licenciamento, além da aplicação de medidas coercitivas em caráter retórico e não punitivo, ou seja, de modo a convencer o possível infrator a não cometer determinada infração, pois seu cometimento acarretará mais prejuízo que possíveis lucros, levando as empresas poluidoras à compreensão de que é preciso toda cautela antes de agir sobre o meio ambiente.


5 Considerações finais

A necessidade de proteção ao meio ambiente vem despertando preocupações em diversos segmentos da sociedade ao longo das últimas décadas, haja vista a real possibilidade de esgotamento dos recursos naturais e energéticos não renováveis, e perda da biodiversidade, da qualidade do ar, da água, do solo e a contaminação crescente dos ecossistemas, não só com a destrutividade do ambiente natural, mas das condições de existência dos seres humanos no planeta.

Entretanto, ainda não parece estar claro para a maioria da população que é a forma de organização social predominante, hodiernamente, a responsável pelo comprometimento da qualidade ambiental, uma vez que os interesses mercadológicos se colocam acima do bem-estar social, comprometendo a continuidade da vida no planeta, em todas as formas.

Essa realidade requer, portanto, que a sociedade desenvolva um processo de conscientização crítica quanto às causas da crise ambiental, além de criar normas reguladoras de conduta, individual e coletiva, relativamente à proteção do meio ambiente. Essas normas precisam ser efetivamente aplicadas aos casos concretos, limitando a atuação sobre o meio ambiente, exigindo-se que sejam racionais e adequadas, se o objetivo real for a conservação da qualidade ambiental, condição para se assegurar digna vida. Para que possam ser efetivas, a sociedade precisa cobrar dos poderes públicos o dever de proteger o meio ambiente, o que exige a criação de mecanismos necessários a esse fim, principalmente no que diz respeito à contratação, respectivamente, de insumo humano e materiais apropriados à fiscalização e gestão ambiental, sem o que não se verificará geral mudança na realidade ambiental.

A modificação da realidade ambiental não tem sido tarefa simples, como não tem sido fácil manter inalteradas as normas de proteção ao meio ambiente, haja vista que os mecanismos jurídicos que limitam as ações sobre a natureza se contrapõem aos interesses políticos e econômicos dos grupos dominantes, incompatíveis com a exigência de sustentabilidade ambiental. Isso leva a inferir que não obstante os avanços no ordenamento jurídico legal, talvez somente a ultrapassagem do atual modo social de organização, embasado em modelo econômico predatório e socialmente excludente, seja a única forma de solucionar os problemas ambientais.


6 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Guilherme Assis de; APOLINÁRIO, Silvia Menicucci de Oliveira Selmi. Direitos Humanos. Série leituras jurídicas: provas e concursos. São Paulo: Atlas, 2009. v. 34.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5.ª Edição; Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas: Ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Editora Cultrix, 2002, 296p. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla.

DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: direito fundamental em crise. Curitiba: Juruá, 2003. 242p.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. 2º ed. Rio de Janeiro. 2006.

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: Direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Editora, 2004. 201 p..

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática e jurisprudência, glossário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário /. 3 ed. ver. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

NALINI, José Renato . Ética Ambiental. 2. ed. São Paulo-SP: Revista dos Tribunais, 2008. v. 1.

OMENA, Flávio. Meio Ambiente Natural: normas jurídicas e procedimentos. Disponível em: <http://www.pm.al.gov.br/intra/downloads/direito_ambiental.pdf>. Acesso em 10/11/2009.

REALE, Miguel. Memórias. São Paulo: Saraiva 1987. Vol. I.

RUSCHEINSKY, Aloísio; FREITAS, José Vicente de. Interrogações e prospectivas do amanhã. 2003. p. 18. Disponível em: http://www.remea.furg.br/mea/remea/vol11/artv11n2.pdf>. Acesso em: 28 out. 2009.

SANTOS Maurício Takahashi dos. Consciência Ambiental e Mudança de atitude. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. 2005. UFSC, Florianópolis. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/25359/1/consciencia-ambiental-e-a-falta-da-sua-pratica-efetiva/pagina1.html>. Acesso em: 20/11/2009.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo 6º ed. Editora Malheiros.

SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades / São Paulo: Atlas, 2001.


Notas

  1. Para Medeiros (2004) a proteção do ecossistema no qual estamos inseridos e da qual fazemos parte, foi concebida para respeitar o processo de desenvolvimento econômico e social, ou seja, com o escopo de conservação/alterações socioindividualmente constituída para que o ser humano desfrute de uma vida digna.
  2. Carneiro (2001) apud Duarte, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: direito fundamental em crise./ Curitiba: Juruá, 2003. 242p.
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Sobre a autora
Suzana Carolina Dutra

Advogada<br>Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela UFRN.<br>Extensão em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACÊDO, Suzana Carolina Dutra. A tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2675, 28 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17711. Acesso em: 17 nov. 2024.

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