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Noções gerais sobre as prisões cautelares no ordenamento jurídico vigente

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01/11/2010 às 09:31
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1.4. Prisão decorrente de pronúncia ou sentença penal condenatória recorrível

Com expressa previsão nas antigas redações dos artigos 408, §1º e 594 do CPP, estas espécies de medidas cautelares vinham sendo rotineiramente contestadas pela doutrina e jurisprudência.

Para um melhor entendimento da questão vale transcrever a antiga redação dos artigos supramencionados:

Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.

§1o Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura

Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto

Tratava-se de instrumentos anacrônicos, que privilegiavam o encarceramento à liberdade, sendo o primeiro a regra e a segunda a exceção, que só poderia ser concedida em casos específicos.

Referidos dispositivos legais facultavam ao magistrado, caso o réu fosse primário e de bons antecedentes, deixar de decretar a prisão ou revogá-la, na hipótese de já se encontrar encarcerado.

Notava-se, nesta faculdade concedida ao juiz, uma inversão no pressuposto constitucional de liberdade, uma vez que a regra criada pelo legislador seria a do encarceramento, e não o contrário. E mais. Sendo uma faculdade judicial, em havendo outros argumentos contrários à liberdade poderia o magistrado expedir o decreto prisional mesmo no caso de ser o réu primário e portador de bons antecedentes.

Tais aspectos afastavam referidos institutos do padrão constitucional trazido pelo constituinte de 1988, podendo-se aventar a não-recepção destes instrumentos cautelares pela nova ordem implantada.

Este era o posicionamento de LUÍS FLÁVIO GOMES (2005), o qual já fora ratificado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual os fundamentos da reincidência e dos maus antecedentes não justificariam a necessidade de decretação do encarceramento, devendo ser substituídos pelos requisitos que autorizariam a decretação da prisão preventiva.

Entretanto, o artigo 408 do CPP foi revogado pela Lei nº 11.689/2008, que passou a prever no artigo 413, §3º um novo tratamento para o tema. Vale transcrever a nova redação de referido dispositivo:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

Como se vê, o fundamento da prisão foi completamente alterado, passando a prever que caberá ao juiz decidir fundamentadamente sobre a manutenção, revogação ou substituição da prisão previamente decretada ou sobre a necessidade de constituição de nova medida prisional, fazendo expressa menção ao título do CPP que trata da prisão e da liberdade provisória.

Neste sentido, forçoso entender que o novo tratamento legal dado à espécie trouxe à antiga prisão por pronúncia os fundamentos e requisitos aplicáveis à prisão preventiva, conforme já vinha entendendo parte da doutrina e da jurisprudência, trazendo ao caso o pressuposto constitucional da liberdade, só alterável se caracterizadas certas situações fáticas excepcionais.

No que toca à prisão por sentença condenatória recorrível, a Lei nº 11.718/2008 revogou a previsão contida no artigo 594 do CPP, retirando de nosso ordenamento a esdrúxula necessidade de o réu, condenado em primeira instância, ter que se recolher ao cárcere para apelar da decisão. Referida estipulação legal ia de encontro ao princípio constitucional da presunção de inocência, por antecipar os efeitos de um possível trânsito em julgado desfavorável ao réu.

Nas palavras de TÁVORA (2008):

[...] a matéria passa a ser disciplinada pelo parágrafo único do artigo 387, CPP, asseverando que na sentença condenatória o juiz ‘decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

Nada impede, assim, que diante de uma situação fática específica e desde que caracterizados os pressupostos da prisão preventiva, o juiz aplique tal medida restritiva na sentença, afinal, o Estado não pode silenciar diante de situações que possam pôr em risco a sociedade ou prejudicar a aplicação da lei penal. O que não mais existe é a possibilidade de decretação da prisão apenas e tão-somente como condição para que o recurso seja conhecido.

O jurista baiano completa:

De qualquer sorte, o recolhimento do réu ao cárcere não é requisito objetivo para o conhecimento do recurso de apelação, e não há deserção pela fuga do apelante, o que já se extraia da Súmula nº 347 do STJ, e agora da norma em exame (parágrafo único, art. 387, CPP).

Como se vê, neste tópico nosso ordenamento já foi devidamente adequado à ordem constitucional criada em 1988, sendo extirpados institutos incompatíveis com os direitos e garantias fundamentais, assim como será realizado na alteração legislativa objeto do presente trabalho de pesquisa.

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Cumpre salientar, porém, que algumas leis extravagantes também tratam do tema, na forma a seguir esquematizada:

- Lei nº 8.072/90: a lei dos crimes hediondos dispõe que o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade ou não;

- Lei nº 9.034/95: a lei do crime organizado estabelece que o réu não poderá apelar em liberdade nos crimes nela previstos;

- Lei nº 11.343/06: a nova lei de tóxicos prevê que o recurso em liberdade estará condicionado à primariedade e aos bons antecedentes;

- Lei nº 9.613/98: a lei de lavagem de dinheiro dispõe que o juiz decidirá fundamentadamente sobre o direito do réu de apelar em liberdade;

- Lei nº 7.492/86: a lei que regula os crimes contra o sistema financeiro dispõe em seu artigo 31 que "o réu não poderá prestar fiança, nem apelar antes de se recolher à prisão, ainda que primário e de bons antecedentes, se estiver configurada situação que autoriza a prisão preventiva".

Em comentário a este ponto TÁVORA (2008) aponta várias críticas aos dispositivos que estabeleciam regras semelhantes às revogadas de nosso Código de Processo Penal, esclarecendo que "vedar por absoluto o apelo em liberdade é retirar do magistrado a possibilidade de aferir a necessidade da medida, afora o rasgo manifesto ao princípio da presunção de inocência". O jurista baiano conclui seus comentários defendendo que "a previsão do artigo 31 é a regra, e deve se irradiar para todas as outras leis extravagantes".

É importante ressaltar que a mudança do Código de Processo Penal acima estudada, ao contrário do que possa parecer, não tolheu o Estado-Juiz de instrumentos de força necessários à imposição de sua autoridade, uma vez que continuará sendo possível a decretação do encarceramento nas hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, isto em qualquer fase do processo penal. É assim que prevê a nova redação do artigo 311 do CPP a ser implementada com a aprovação do Projeto de Lei nº 4208.2001:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

O que houve na verdade foi uma simplificação dos institutos e uma adequação das regras à nova ordem constitucional, fortalecendo o instrumento cautelar da prisão preventiva, o que certamente fará com nossos órgãos julgadores trabalhem de forma mais uniforme, evitando discussões doutrinárias inócuas do ponto de vista prático, que implicavam turbação do trâmite processual e insegurança jurídica aos jurisdicionados, que ficavam ao alvedrio do entendimento defendido pelo julgador.

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Sobre o autor
Luciano Mendonça Fontoura

Delegado de polícia Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTOURA, Luciano Mendonça. Noções gerais sobre as prisões cautelares no ordenamento jurídico vigente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2679, 1 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17727. Acesso em: 25 abr. 2024.

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