CONCLUSÕES
Diante de todo o exposto e tomando como marco teórico a doutrina garantista defendida por Luigi Ferrajoli em sua obra "Direito e Razão", que leva ao seu grau máximo a proteção do direito à liberdade, conclui-se que o legislador pátrio teve por escopo adaptar as regras processuais que regulam as medidas cautelares no processo penal às mudanças que já vêm sendo defendidas e adotadas pela doutrina e jurisprudência dominantes.
Vejamos.
Em reflexão sobre o tema FERRAJOLI (2002, pág. 683), defende:
[...] vimos como o modelo penal garantista, recebido na Constituição italiana como em outras Constituições como um parâmetro de racionalidade, de justiça e de legitimidade da intervenção punitiva, é, na prática, largamente desatentido: seja ao se considerar a legislação penal ordinária, seja ao se considerar a jurisdição, ou pior ainda, as práticas administrativas e policialescas. Esta divergência entre normatividade do modelo em nível constitucional e sua não efetividade nos níveis inferiores corre o risco de torná-la uma simples referência, com mera função de mistificação ideológica no seu conjunto [...]
Para o ilustre jurista italiano (2002, pág. 684), em uma primeira acepção:
[...] "garantismo" designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de "estrita legalidade" [...] que sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É, conseqüentemente, "garantista" todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.
Em um segundo significado, FERRAJOLI entende que o "[...] garantismo designa uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas não só entre si mas, também pela existência ou vigor das normas[...]".
E finalizando, esclarece que:
[...] segundo um terceiro significado, por fim, garantismo designa uma filosofia política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade [...]
Os novos institutos jurídicos trazidos pelo Projeto de Lei nº 4208/2001 restringem o campo de abrangência das prisões processuais atualmente existentes, privilegiando a liberdade dos investigados em detrimento das medidas constritivas, o que implica maior efetividade dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, tudo em consonância com a teoria garantista de FERRAJOLI (2002), para o qual:
O Garantismo significa a tutela dos valores ou direitos fundamentais cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal: a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do imputado e a garantia de sua liberdade.
Nota-se, assim, um inegável viés garantista na posição adotada pelo legislador, consonante com a ordem constitucional, extirpando de nosso sistema jurídico institutos incompatíveis com o atual estágio de evolução da sociedade brasileira e amoldando os instrumentos existentes aos parâmetros que já vinham sendo delineados pela doutrina e jurisprudência.
E neste sentido FERRAJOLI (2000) ainda aduz que o "garantismo – entendido no sentido do Estado Constitucional de Direito, isto é, aquele conjunto de vínculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos, representa o único remédio para os poderes selvagens".
Pode-se assim dizer, sem medo de errar, que as mudanças ora em curso representam mais um estágio da evolução histórica de nosso Direito.
Se analisarmos que, nos primórdios de nosso sistema, o Direito Penal levava à aplicação de penas cruéis ou de morte, tendo evoluído para as penas restritivas de liberdade e que atualmente é evidente a preocupação do legislador em atenuar os rigores até mesmo das medidas processuais cautelares, podemos concluir que os ideais garantistas domaram os "poderes selvagens" da sociedade, nos termos de Ferrajoli, o que demonstra um claro avanço em nosso estágio evolutivo.
Em seu estudo o ilustre jurista ainda distingue as garantias do Estado Constitucional de Direito em duas grandes classes:
As garantias primárias e as secundárias. As garantias primárias são os limites e vínculos normativos, ou seja, as proibições e obrigações, formais e substanciais – impostos, na tutela dos direitos, ao exercício de qualquer poder. As garantias secundárias são as diversas formas de reparação – a anulabilidade dos atos inválidos e a responsabilidade pelo atos ilícitos – subseqüentes à violações das garantias primárias.
Neste prisma, pode-se entender que as alterações ora sob estudo fortalecem as garantias primárias por dificultarem as hipóteses de encarceramento cautelar, ampliando o status libertatis dos cidadãos ao estabelecer requisitos mais rígidos para que os poderes constituídos possam restringir o direito ambulatorial dos jurisdicionados.
Diante de todo o exposto e finalizando o presente trabalho, pode-se responder à pergunta formulada na introdução da presente monografia de forma positiva, ou seja, as alterações ora em curso farão das prisões cautelares uma exceção no âmbito das medidas cautelares colocadas à disposição da autoridade judiciária.
E este entendimento transparece na medida em que as novas regras trazidas pelo legislador infraconstitucional criam severos requisitos para que os decretos restritivos de liberdade possam ser levados a efeito, o que somente ocorrerá em último caso. A preferência manifestada pelo legislador destina-se à aplicação das demais medidas cautelares, menos rigorosas e que mantêm a liberdade do investigado, o que demonstra a grande influência da teoria garantista na implementação desta nova fase de nosso sistema processual penal.