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O Direito do ciberespaço

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01/11/1999 às 01:00
Leia nesta página:

OS PODERES DO PROVEDOR DE SERVIÇOS E
A PROPRIEDADE DE TEXTOS E MENSAGENS

O provedor de serviços pode quase tudo em uma rede de computadores. Ele pode enviar mensagens públicas ou particulares, negar-se a transmitir certas mensagens ou arquivos, abrir mensagens, redirecionar mensagens, etc. E isto também deve ficar claro, por escrito, para o usuário, para que ambas as partes compreendam que o provedor não pode abrir mensagens, a não ser em casos de comprovada suspeita de estar havendo ato ilícito contratual ou legal.

A propriedade das mensagens e arquivos, textos, imagens, sons e programas de computador, entre outros produtos digitais que podem ser transmitidos por uma rede, é do usuário. O contrato deverá, entretanto, especificar que direitos tem o provedor de serviços em relação às mensagens e textos de que o usuário é dono. Excepcionalmente, alguns sistemas especificam que todas as mensagens e textos ali trocados e enviados seriam de domínio publico; o que, evidentemente, é inadmissível para o usuário, o qual está apenas usando a internet como meio de transmissão.

Admitimdo-se que a propriedade dos textos e mensagens é do usuário, o provedor dos serviços tem direitos  (restritos) de propriedade sobre a compilação, ou resumo dos textos e mensagens, quando, por exemplo, produz resumos e textos de sua autoria de forma a ilustrar o assunto de que trata o grupo, quando for o caso. Pode-se dizer que o usuário tem direito sobre as obras individuais que originalmente introduziu na rede e o provedor de serviços sobre as "obras coletivas" das redes.


A RELAÇÃO DE TRABALHO "ONLINE"

Fica cada vez mais comum a existência de relação, com vínculo trabalhista, que opera de forma "online", entre empregado e empregador, na internet, por isso os contratos de trabalho devem especificar as condições dessa relação, incluindo a questão da propriedade intelectual e, válido também para relações de trabalho convencionais, em que situações o empregador teria direito de "abrir" as mensagens do empregado.


A PIRATARIA DE SOFTWARE EM BBS

Nos EUA, na Europa, e no Brasil, muitos BBS piratas são operados por jovens. Pirataria de software de entretenimento, jogos, etc. é comum entre jovens que usam computadores. Em alguns países, empresas de software preferem não propor ações judiciais contra tais jovens, e alguns juizes já decidiram não enquadrá-los legalmente por crimes contra copyright. "Sysops" de BBSs piratas usam falsos nomes e códigos no lugar de nomes reais, o que dificulta o enquadramento legal. "Sysops" piratas tem consciência da sua condição ilegal e mantém suas bibliotecas de software extremamente bem escondidas, autorizando acesso com muito cuidado. "Sysops" que permitem acesso livre a seus acervos de software desaparecem da mesma maneira que apareceram: isto é, instantaneamente.

Às vezes é necessário para o proprietário de programas, que está sendo prejudicado por pirataria, trabalhar em conjunto com um BBS e preparar uma espécie de armadilha para o pirata. Ainda há casos, nos Estados Unidos, em que várias empresas de software mantêm um investigador, empregado por tempo integral, sentado `a frente de um PC/terminal várias horas por dia, operando um pequeno BBS, fora das instalações físicas da empresa, a título de atrair outros BBSs interessados em mostrar suas bibliotecas de programas. Nesse momento o investigador pode constatar, com relativa calma, se existem ou não programas sendo ilegalmente distribuídos.

Às vezes o BBS usa artifícios para disfarçar sua exata localização, ou seja, seu endereço físico. A ausência de endereço físico  (rua, quadra, número, etc..) dificulta citar, intimar, realizar busca e apreensão ou tomar qualquer medida judicial. Busca e apreensão de programas ilegais, em BBSs, são feitas nos respectivos "hard disks" e memória RAM dos computadores.

Quando o proprietário de um programa decide entrar na justiça contra um provedor BBS, ele pode ter certeza de uma coisa: mesmo que consiga provar sua razão e interromper os atos de pirataria, ou até multar ou prender o (s) operador (es), poderá não haver chance de conseguir qualquer indenização, já que a maioria dos "Sysops" não cobram por uso e geralmente não possuem muito dinheiro. No máximo consegue-se apreender algum equipamento e dar publicidade ao fato. Mesmo assim, ações judiciais contra BBSs piratas tem se mostrado positivas em varios paises. Elas baixam os índices de pirataria e deixam "Sysops" piratas preocupados, pois qualquer cliente/usuário novo pode ser um espião da policia, `a procura de programas ou outros produtos ilegais


PROVEDORES DE ACESSO NO BRASIL, O ICMS-IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS E O ISS-IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS

O Decreto Nº 1.790, de 29 de abril de 1997, que aprova o RICMS - Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação do Estado de Santa Catarina, que entrou em vigor a partir de 1º de maio de 1997  (D.O.E. Nº 15.664, de 29/04/97) estabelece, em seu Art. 1º, inciso III, que o ICMS tem como fato gerador as

          "...prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza."

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O mesmo Decreto estabelece, no Art. 3º, inciso VII, que considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento

          "... da prestação onerosa do serviço de comunicação feita por qualquer meio inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza."

Provedores de acesso, em qualquer estado brasileiro, são prestadores de serviços que, por possuirem uma configuração de hardware adequada, fazem "timesharing", ou blocagem de hora-máquina com utilização de área de disco rígido, particionada entre seus usuários.

Os usuários dos provedores de acesso são assinantes de linhas telefônicas que se "conectam" ao provedor. O provedor, por sua vez, também por linha telefônica, liga-se a um chamado "backbone", ou concentrador, o qual, no Brasil, faz conexão com a Embratel, o que permite a comunicação do usuário com o restante do mundo. Todos, em qualquer estágio, pagam por comunicação telefônica - e o imposto recolhido é, sempre, o ICMS. Não há porque criar outros. Deixemos o ciberespaço com poucos impostos.

A prestação de serviço pelo provedor não se enquadra como "prestação onerosa de serviço de comunicação", como no entender do RICMS – Regulamento do ICMS, pois as operações do provedor constituem atividade definida de modo totalmente diferente daquela cuja definição é sugerida pelo regulamento. Quando um provedor de acesso opera, seu serviço pode ser basicamente constituído de:

  1. cessão de uso, para uma pessoa física ou jurídica definida, de determinado espaço em disco, para depósito de informações de sua propriedade e responsabilidade, pagando um valor mensal que varia segundo a área do referido espaço;
  2. acesso síncrono/assíncrono a redes de computadores por meio de linhas telefônicas e com uso de protocolos, os quais também devem ser especificados. Alguns provedores permitem acesso por número ilimitado de horas
  3. disponibilização de endereço de correio eletrônico eletrônico  (e-mail) reconhecido nas redes de computadores, para que o usuário se comunique com outros que também possuam endereço eletrônico;
  4. acesso a "home-pages" e "mailing lists";
  5. IRC - Internet Relay Chat. 

Cada um destes serviços deve ser mencionado no contrato entre o provedor e seu cliente, além, evidentemente, de outros serviços específicos, do preço a ser pago, das especificações técnicas acerca de equipamentos e transmissões e direitos e deveres de ambos.

Entre os deveres do usuário, um dos mais polêmicos é identificado pela cláusula que trata da proibição de circulação de informação que vise ao comércio ou à propaganda, dirigida a usuários indistintos, a denominada prática do "spam", havendo usuários que defendem o chamado "spam responsável", ou seja propaganda honesta e que atinge o interesse do usuário, sem lhe causar incômodo ou qualquer tipo de constrangimento.

O "spam" é combatido, em primeiro lugar, pois pode ser praticado para espalhar "virus" e "contaminar" sistemas, causando sérios prejuízos. Além disso o "spam" é, por si, considerado anti-ético, a não ser em raros casos em que existe efetivo benefício para o usuário. Exemplos clássicos de "spam responsável" foram a divulgação da prestação de serviços para se conseguir a cidadania norte-americana, feita por uma empresa de assessoria sediada em São Paulo e o anúncio dos sistemas de "callback", que oferecem ligações telefônicas internacionais a preços reduzidos. São claramente condenados o envio mensagens do tipo pregação religiosa, "correntes de felicidade" e "pirâmides", estas últimas oferecendo forma de enriquecimento rápido.

Os que defendem o "spam", na sua forma consciente, mencionam o comercial da televisão, os anúncios de rádio e as propagandas em fitas de vídeo e as malas diretas convencionais, como forma de anúncio, ou divulgação de informação, não encomendada pelo usuário, mas que não o incomoda tanto, além de poder trazer-lhe benefícios.

O que se verifica, ainda hoje em dia, é que a internet ainda é uma "terra sem leis", onde "sneakers" perambulam de um lugar para outro em busca de acesso a senhas proibidas e algo para copiar, "hackers" desaparecem sem deixar pistas e "sysops" piratas agem camuflados (3). Abrir um arquivo de origem desconhecida é considerado próximo do suicídio, quando se está online. Apesar disso, cresce o uso da internet para comercializar software e produtos em geral e algumas práticas começam a se definir como legais e ilegais, na medida que os países legislam sobre o assunto e os problemas são levados à justiça.


ALGUNS CASOS JUDICIAIS MAIS RECENTES

(4)

A Corte de Justiça de Hamburgo, na Holanda, decidiu que o criador de uma home-page na Internet é legalmente responsável pelo conteúdo de sua página e por qualquer página que esteja na relação de links de seu site.

No Brasil, uma admiradora do compositor de músicas populares Vinícius de Moraes criou uma home-page em sua homenagem, sendo obrigada a retirá-la da rede a pedido dos herdeiros do compositor, que consideraram violados os direitos autorais. O caso tornou-se de conhecimento público e vários outros sites foram criados, alguns anonimamente, outros em forma de protesto, demonstrando que na Internet o mecanismo legal não funciona da maneira usual.

Em outro caso, um residente em João Pessoa, capital da Paraíba, colocou alguns links pornográficos em sua home-page. Um funcionário do Tribunal de Justiça da Paraíba acessou a página e reclamou ao Juiz Onaldo Queiroga que, por sua vez, decidiu processar o menor por atentado ao pudor. A Curadoria da Infância, através da Promotoria de Justiça do Estado, encarregou-se da defesa do menor, por acreditar que as conseqüências da lide seriam piores do que o próprio conteúdo da página (5)


NOTAS

  1. Ou "Digital Networked Environment", como define a profª. Pamela Samuelson, da Fac. de Direito da Univ. de Pittsburgh, EUA, in "The NII Intellectual Property Report". Communications of the ACM. Dez. 1994/Vol. 37, nº 12, p. 21.
  2. Art. 82. "A validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma não prescrita ou não defesa em lei.".
  3. Brendan P. Kehoe, in "ZEN and the Art of the Internet". 3ª Ed. Prentice Hall. EUA. 1994.
  4. Conf. Fabio Malina Losso, de Curitiba, Paraná, in , "Internet: um desafio jurídico". PUC-Pr. 1998. [email protected]
  5. Maiores informações sobre o caso podem ser encontradas no endereço eletrônico http://www.openline.com.br/~onorte/infor.html
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Sobre o autor
Tarcisio Queiroz Cerqueira

advogado e professor de Direito em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. O Direito do ciberespaço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1774. Acesso em: 24 nov. 2024.

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