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O Direito do ciberespaço

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01/11/1999 às 01:00
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"Ciberespaço", que deve ser pronunciado com "i", não com "ai", do inglês "cyberspace", é como se poderia denominar o espaço onde ocorre a comunicação entre máquinas, ou "espaço cibernético", como querem alguns. É o ambiente digital (1), formado por redes de computadores, denominadas, genericamente, internet.

O direito do ciberespaço, por seu turno, é o conjunto de leis, regulamentações em geral e práticas contratuais de todos os tipos e níveis, que envolvam a utilização e funcionamento de redes de software e computadores. É também chamado "direito online", debatido nos nos Estados Unidos desde 1985, com o objetivo de se estabelecerem regras para a comunicação, os negócios e o uso em geral das redes de computadores.

Em recente congresso onde se discutiu o futuro da lei do ciberespaço, concluiu-se, até certo ponto, que estamos cometendo um erro tentando aplicar em redes de computadores os mesmos conceitos que aplicamos nas comunicações convencionais. Para nós o ato de enviar e receber mensagens pela Internet tem sido encarado da mesma forma que o ato de fazer uma chamada telefônica, ou enviar uma mensagem por telex, ou fax, ou mesmo distribuir imagens e sons por canais de televisão  (ou "broadcasting").

Outros assuntos e aspectos que compõem a atual discussão com relação `a regulamentação e legislação do ciberespaço, em acordo com as conclusões do congresso, seriam:

  • A dificuldade em se chegar a alguma conclusão com relação ao ciberespaço é porque não o encaramos como um lugar `a parte, diferente de tudo o quanto até agora se conhecia.
  • Adotar a idéia de que ciberespaço é um ambiente à parte resultaria em admitir que temos que repensar nosso tradicional conceito de fronteiras entre paises, já que a comunicação digital eletrônica independe de quaisquer outros tipos de separações.
  • a maior parte da controvérsia acerca da regulamentação do ciberespaço existe porque as pessoas estão discutindo quem terá o poder para regulamentar e aplicar a lei. Regulamentar o funcionamento e utilização da Internet é uma questão de distribuir poderes e vantagens.
  • há, nos países desenvolvidos, duas correntes opostas que tentam estabelecer uma teoria acerca da regulamentação do ciberespaço: uma delas, a mais forte, define ciberespaço como um lugar `a parte e que merece sua própria jurisdição; a outra defende a idéia de que não existe nada de novo, em termos legais, com o ciberespaço ou mesmo com qualquer tipo de comunicação eletrônica. Essa corrente seria sustentada por aqueles que acham que os atuais conceitos e a atual legislação, especialmente a de Direitos Autorais/Copyright, que vem atuando sobre o software, resolvem todos os problemas e deveriam ser aplicados também às redes de computadores.

Não resta dúvida que a comunicação por redes de computadores possui características especiais, que a tornam diferente do que conhecemos até agora, o que, por si, é suficiente para atrair a atenção do Direito. Primeiro, as mensagens por computador que vem escritas, automáticas e ricamente registradas, representam fatos de valor econômico e expressam as vontades das pessoas, são sucessivamente copiadas ao longo do seu caminho e ocupam lugar, materialmente considerado, no espaço físico, qual seja o disco ou qualquer outro meio físico. São provas documentais mais fidedignas que escritos em folhas de papel e muito mais fidedignas que escritos em papéís transmitidos por fax. Além disso, redes de computadores já provaram ser um meio eficaz de transmissão de produtos, tais como filmes, publicações escritas e sonoras, imagens e, last but not least, programas de computador. A Internet não só transformou-se em meio comum de acesso transcontinental a informações e local conveniente, e habitual, para pessoas efetuarem pesquisas, discussões e trocas de opiniões acerca de qualquer assunto concebível na cultura humana, além de mostrar-se como instrumento até certo ponto eficaz para a realização de negócios, em geral, para assumirem-se compromissos e direitos e também, consequentemente, para o cometimento de atos ilícitos.


DISTRIBUIÇÃO DE SOFTWARE ATRAVÉS DA INTERNET

O relatório do Grupo de Trabalho da Infra-estrutura Nacional de Informação - qualquer coisa semelhante ao Conselho Nacional de Informação da Casa Branca, nos EUA - definiu que há algo de especial com a transmissão de cópias de programas de computador de uma para outra máquina, principalmente porque quando a transmissão se completa a cópia original do programa permanece na máquina que transmitiu e outras cópias idênticas passam a residir nas máquinas receptoras, em suas memórias centrais ou equipamentos periféricos, o que acontece também com transmissões por fac-símile   (fax). O relatório concluiu que os Direitos Autorais, ou Copyright, aplicam-se à distribuição de software pela Internet e que a definição de "transmissão"   (da lei de copyright) constitui, na realidade, uma distribuição de programas para o público - a "comunicação" da obra ao público, como na nossa lei.

O ato de uma pessoa, à frente de um computador pessoal, transformado temporariamente em terminal, transmitindo software para uma ou várias outras pessoas, equivale `a transmissão de arquivos de textos. Software é binário, ele mesmo - então seu transporte digital é como se fosse parte de sua própria natureza, poderíamos acrescentar, para enfatizar a facilidade e fluência com que software pode ser transmitido através de qualquer meio de comunicação digital/eletrônico.

Programas de computador podem ser transmitidos de uma para outra máquina, descarregados para discos rígidos, flexíveis ou qualquer tipo de midia  (ou "media") para armazenamento e transporte; podem ser usados, licenciados e até vendidos. São transmitidos com perfeição e inteiramente descarregados  ("downloaded") com facilidade, de forma cada vez mais rápida e prática.

Licenças de uso de software, assim como qualquer outro tipo de contrato, podem ser inteiramente negociadas através de redes de computadores. Alguns advogados norte-americanos chegam a afirmar que concretizar negócios através de redes de computadores é uma maneira até mais segura e confiável, legalmente falando; principalmente quando se usa software e informação encriptada, ou seja, transformada segundo uma fórmula, ou chave, e tornada irreconhecivel - e que brevemente nos lembraremos da época em que contratos eram feitos em papel e assinados `a caneta, `a moda antiga.

A lei que regulamenta programas de computador nos paises da União Europeía - EC Directive 250/91, de 17/05/91 - estabelece que o detentor de direitos de programas de computador é o único que pode autorizar a distribuição de programas em qualquer forma. A Lei dos Direitos Autorais, no Brasil - antiga lei Nº 5.988/73, Art. 29, atual lei 9.610, de 19/02/98 - determina que o autor é o único que detém o direito de utilizar, fruir e dispor de sua obra, bem como o de autorizar sua utilização ou fruição por terceiros, "...no todo ou em parte".

Certamente tais determinações se aplicam à distribuição de software através de redes de computadores. Geralmente, quando o detentor de direitos sobre programas de computador autoriza a distribuição de um programa, através de uma rede de computadores, também outorga, ou deveria outorgar, expressamente, ao provedor de serviços, o direito de praticar qualquer ato necessário para a referida distribuição, como o de copiar o programa, ou até adaptá-lo. Em contrapartida, os provedores de serviços teriam o dever, ou a faculdade, dependendo do contrato, de negar-se a transmitir programas não autorizados, ou aqueles programas reconhecidamente obtidos, assim como suas cópias, de maneira ilegal.

Não há nenhuma regulamentação especifica acerca de distribuição de software através de redes de computadores. Programas podem ser transmitidos fácil e livremente, gratuita ou onerosamente. O pessoal que administra redes de computadores, também chamados administradores de redes, provedores de serviços, "servers", ou mesmo "posters", não são normalmente considerados responsáveis nos casos de transmissão ilegal de software. Isto porque, por outro lado, eles não tem, a obrigação de verificar mensagens, investigar comunicações ou qualquer outra forma de transmissão de informação "online" para saber da sua veracidade e autenticidade.

Seria sensato, de qualquer maneira, de forma a aumentar a segurança e fortalecer a proteção legal sobre programas de computador, que as pessoas envolvidas com administração de redes passassem a ser responsáveis por - e tivessem o direito de - verificar, por algum meio, a transmissão de software a fim de assegurar-se da ocorrência, ou não, de cópias autorizadas para distribuição.

É senso comum que a distribuição de programas de computador e sua respectiva documentação atraves da Internet oferece uma série de vantagens sobre a distribuição convencional. A primeira delas é a redução do custo de distribuição. A segunda é a redução do custo dentro da própria empresa recebedora, ou usúaria, que opera mais facilmente com cópias eletrônicas dos manuais e do programa que com material impresso.

No comércio de software via redes de teleprocessamento, ou seja, na Internet, já existe a prática de se firmarem contratos de adesão  ("shrink-wrap licenses") através da Internet: ao invés de rasgar o invólucro, como na licença tradicional, o usuário tem que seguir uma certa rotina interativa para obter e descarregar o software, o que é encarado, legalmente, como o mesmo que assinar um contrato, ou aderir a ele.

Um dos métodos utilizados para aumentar a segurança e o controle na comercialização de software e serviços através da Internet  (ou, simplesmente, comercialização "online" de software e serviços) é o do chamado "envelopes de software", onde informação protegida é enviada de forma encriptada e tornada incompreensível, perfazendo, junto com o software, um programa executável. As possibilidades de cada "envelope" limitam o acesso do usuário, assim, para pesquisas em bancos de dados o software permite a pesquisa em índices e a consequente exibição  ("display") da informação, para CAD o software permite a exibição de informação e a manipulação de atributos, para processamento de textos o programa age em acordo com um processador de textos, para operar em hipertexto o programa permite "navegar" pelas informações, etc..

O "envelope de software" pode, também, agir em acordo com uma central de comando da rede  (um endereço de comando) enviando e recebendo mensagens acerca de abertura de "envelopes", tempos de utilização, observação de limites de copyright, prorrogação ou cessação da permissão de uso, etc..


A EXPERIÊNCIA DE LIVERPOOL NO COMÉRCIO DE PROGRAMAS EM REDES

Vale mencionar que a Universidade de Liverpool, na Inglaterra, há mais de dois anos, vem desenvolvendo com sucesso um arquivo, ou biblioteca, de software de dominio publico para determinados tipos de equipamentos.

Para os programas gratuitos não existem mecanismos mais complexos para acessá-los e copiá-los. Os 150 pacotes de software existentes em 1992 passaram a 800 em Abril de 1995. Até então os pacotes eram mantidos em arquivo na forma fonte, o que significa que os usuários tinham que decompilá-los antes de operá-los. Atualmente o software é mantido na forma binária, podendo ser operado logo após gravado em disco ou outro meio físico.

A universidade, através de uma empresa privada, além de oferecer "shareware" está comercializando software através de um procedimento denominado "escolha, experimente, compre e tenha".

          O cliente pode escolher qualquer dos pacotes de software disponíveis na biblioteca através de um catélogo online, acessar informações acerca de cada um dos pacotes - que são fornecidas em forma de descrição e ilustrações em hipertexto, de forma que o cliente saiba o que cada pacote oferece. Decidindo-se por um, ou mais de um, pacote, o cliente interage com o sistema, fornece algumas informações e fica autorizado a copiar uma versão de demonstração que funciona por tempo determinado. Ao copiar o software o cliente assume o compromisso de, caso se decida por não adquiri-lo, explicar porque, o que fornece um importante "feedback" de informações.

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Experimentando o pacote, e decidindo-se por adquiri-lo, o cliente, então, novamente interage com o sistema, fornecendo maiores informações, e paga pelo pacote que quer adquirir. Informações consideradas confidenciais  (como dados pessoais e outros relativos ao cartão de crédito) são fornecidas de forma encryptada por motivo de segurança.

Assim que o pagamento é feito e confirmado o cliente pode entrar na posse do pacote. Prevendo a existência de problemas com redes e conexões, a empresa dá um prazo de 30 dias, após o pagamento, para o cliente copiar o programa inteiramente.

Tudo realizado com a pompa legal necessária.


PROVEDORES DE SERVIÇOS & CONTRATOS ATRAVÉS DA INTERNET

A troca de mensagens, através da Internet ou de qualquer rede de computadores, pode dar origem a um contrato com todos os requisitos e exigências estabelecidos pela legislação; desde que as pessoas sejam capazes e troquem as mensagens conscientes e voluntariamente, isto é sem estarem sendo enganadas ou sofrendo qualquer tipo de coação física ou psicológica, e desde que o objeto seja lícito, possível e determinado, ou determinável, tudo exatamente como mandam os Arts. 82 e segs. do Código Civil Brasileiro de 1916 (2).

Quando se performa um contrato em redes de computadores, ou um "contrato online", seja através da troca de mensagens por "e-mails" ou qualquer outra forma de comunicação digital, é recomendável gravar as informações em meio magnético seguro   (disquetes ou fitas) para se evitarem futuros problemas legais. Cópias em papel costumam ser úteis na medida em que evitam excessiva consultas às máquinas.

Provedores de serviços costumam oferecer, por contrato, serviços de conexão às redes, de forma individualizada e intransferível, em alguns casos com possibilidade de diferentes níveis de acesso para classes diferentes de usuários, cada classe sendo definida, na maioria das vezes, em função da quantia paga mensalmente ao provedor. O contrato será, quase sempre, de prestação de serviços, com ou sem licenciamento de programas.

Normalmente o provedor exige, em contrato, que o assinante faça uso apropriado do serviço, estabelecendo penalidades para uso indevido. Usos indevidos seriam , entre outros, desrespeitar direitos, em geral, invadir privacidade, causar danos de quaisquer tipos, divulgar comercialmente produtos ou exercer o comércio de forma desautorizada, divulgar mensagens não desejadas, e, principalmente, atentar contra o pudor público divulgando, de forma não desejada, textos ou imagens considerados imorais ou indecentes .

O provedor não se responsabiliza por perdas de dados, sofridas, por acidentes ou atos intencionais de terceiros, por problemas existentes em programas não fornecidos pelo provedor ou por qualidade ou legitimidade e legalidade de dados e produtos digitais transmitidos.

Uma maneira do provedor identificar os diferentes níveis de acesso é fornecendo a cada classe uma certa quantidade de tempo de acesso - quem paga mais tem direito a mais tempo  (para trocar e-mails, navegar pelo WWW, gravar arquivos de seu interesse ou engajar-se em qualquer atividade online). O tempo de acesso pode ser medido pela quantidade de minutos por dia a que o usuário tem direito.

Outra maneira de diferenciar os níveis de acesso pode não ser através da quantidade de tempo, mas, sim, através de até onde é permitido que o usuário vá, o que pode ser chamado de "privilégios de acesso", ou seja, existirão áreas, ou serviços, que somente certos usuários terão direito de atingir. Esta maneira de separar as classes pode ser usada, entre outras, para diferenciar clientes individuais e empresas.

Adicionalmente aos diferentes níveis de acesso, os provedores de serviços podem fornecer, entre outros: a) acesso a noticias, b) acesso a bancos de dados diversos, incluindo total acesso ao WWW-World Wide Web, com a facilidade de copiar e gravar arquivos, c) serviço de correio eletrônico em ambos os sentidos, isto é, para enviar, coletar/estocar e expor mensagens, d) acesso a grupos de discussão no país e no exterior, e) acesso a "newsgroups", jogos, etc..

Quando há casos de problemas, ou inadimplência, algumas empresas usam o sistema de ir cortando, aos poucos, os direitos do usuário, até que ele acerte os pagamentos atrasados e fique em dia novamente. Tudo tem que estar bem esclarecido no contrato, e é conveniente que o provedor de serviços conheça bem seus usuários, mesmo quando se tratar de serviços gratuitos.

Nenhum serviço poderá ser descontinuado - mesmo que seja gratuito - sem que o usuário seja avisado com certa antecedência. Isto porque usuários acabam se fiando em certos serviços, mesmo que não paguem por eles, e podem ser prejudicados em caso de corte abrupto. Em certos casos, mesmo que não seja uma violação contratual, quando há cláusulas contratuais que o prevejam, o corte repentino de um determinado serviço pode gerar obrigações de indenizar, do âmbito do direito civil, e ser péssimo negócio para as relações entre provedor e usuário.

Para os serviços pagos, o cliente/usuário tem que entender perfeitamente o mecanismo utilizado, ou a fórmula empregada, para cobrá-los, e o contrato deve especificar inconfundivelmente os periodos de pagamento. É melhor ser claro no contrato do que ter que sê-lo frente a um Juiz, posteriormente.


LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE SERVIÇOS

Prover serviços em redes de computadores, agindo como intermediário em um ambiente onde usuários, pessoas fisicas e juridicas, passam a trocar e ter acesso a informações, algumas de razoável valor estratégico e econômico, torna os provedores extremamente vulneráveis. Por isso, uma clara e bem redigida cláusula de limitação de responsabilidade deve ser incluída em todo e qualquer contrato entre provedores de serviços e usuários, principalmente porque muita coisa que acontece em uma rede, e que passa de um para outro usuário - tal como um "vírus", uma troca de mensagens ofensivas ou uma violação de direitos autorais - costuma ser não por culpa do provedor dos serviços.

Mesmo assim o provedor de serviços pode ser pego pelo fogo cruzado entre usuários descontentes uns com os outros; o que também deve ser previsto em cláusula contratual. Além da cláusula de limitação de responsabilidade, clara e bem redigida, deverá haver menção ao fato - tanto para usuário quanto para provedor do serviços - de não se ser responsável por ação de outro, que pode ser outro usuário ou até um terceiro, que nada tenha a ver com o sistema. Deve-se, também, deixar claro que qualquer atividade ilegal, na rede, não será admitida, e que a responsabilidade pelas mensagens e outros produtos enviados é do usuário.

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Sobre o autor
Tarcisio Queiroz Cerqueira

advogado e professor de Direito em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. O Direito do ciberespaço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1774. Acesso em: 27 dez. 2024.

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