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Uma abordagem filosófica da tese conhecida como Direito Penal do inimigo

09/11/2010 às 08:10
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RESUMO: no presente artigo o autor procura demonstrar a fragilidade, principalmente sob o aspecto filosófico, mas também sob uma perspectiva jurídica, da teoria conhecida como Direito Penal do Inimigo, desenvolvida pelo professor alemão Günther Jakobs. O ponto principal deste trabalho é a análise, ainda que superficial, acerca do pensamento do filósofo Immanuel Kant, uma vez que a mencionada tese encontra sustentação, principalmente, na obra kantiana.

Palavras-chave: Direito – Penal – Inimigo – Filosofia – Kant.

ABSTRACT: in this article the author demonstrates the fragility, particularly in the philosophical aspect, but also from a legal perspective, the theory known as the Criminal Law of the Enemy, developed by German professor Günther Jakobs. The main point of this work is the analysis, even if superficial, about the thought of philosopher Immanuel Kant, since the aforementioned thesis is based mainly on Kant's work.

Keywords: Law - Criminal - Enemy - Philosophy - Kant.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO - ÉTICA KANTIANA - SEPARAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL - DIREITO PENAL DO INIMIGO - A ESCOLA ALEMÃ - CONCLUSÃO - REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

De alguns anos para cá, a teoria conhecida como "Direito Penal do Inimigo", desenvolvida por Günther Jakobs, catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito, na Universidade de Bonn, Alemanha, vem ganhando adeptos em vários países do mundo.

Todavia, para que possamos melhor compreender as principais características da referida tese, é mister esclarecer, desde já, que, não obstante Jakobs fundamente seu pensamento em vários filósofos importantes, sem sombra de dúvidas, o alicerce de sua teoria remonta à filosofia kantiana.

Por isso, no transcorrer deste trabalho, estudaremos alguns conceitos fundamentais do pensamento kantiano, tais como o imperativo categórico e a questão da segurança social. Além disso, demonstraremos que, de acordo com o posicionamento mais recente, o Direito e a Moral apresentam um ponto de intersecção, ao contrário do que defendia Kant. Analisaremos, também, o método de estudo dos doutrinadores alemães, quase sempre pautados pela erudição e pelo caráter acentuadamente filosófico.

Iniciamos o presente estudo fazendo uma breve análise da vida e obra de Immanuel Kant, especificamente no que tange aos aspectos relacionados à ética kantiana.


ÉTICA KANTIANA

Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724, em Königsberg, cidade alemã localizada na região do Mar Báltico. Grande parte de sua vida foi dedicada à investigação filosófica e ao ensino, tanto que durante quarenta anos lecionou na Universidade de Königsberg. Um mês e meio antes de completar oitenta anos de idade, ou seja, em 12 de fevereiro de 1804, Kant morreu de causas naturais.

Gilberto Cotrim (2006, p.61), ao ensinar o que Kant pensava acerca do conhecimento, afirma que:

Todo conhecimento começa com a experiência, mas (...) a experiência sozinha não nos dá o conhecimento. Ou seja, é preciso um trabalho do sujeito para organizar os dados da experiência. (...) Para Kant, portanto, a experiência fornecia a matéria do conhecimento (os seres do mundo), enquanto a razão organizaria essa matéria de acordo com suas formas próprias, estruturas existentes a priori no pensamento (...).

Partindo dessa premissa, na célebre obra Crítica da Razão Pura, Kant distingue duas formas básicas do ato de conhecer.

A primeira delas é chamada conhecimento empírico, também denominada conhecimento a posteriori, a qual está relacionada aos dados fornecidos pelos sentidos, ou seja, o conhecimento é posterior à experiência.

Já a segunda forma recebe o nome de conhecimento puro, ou a priori, segundo a qual o conhecimento não depende de quaisquer dados dos sentidos, justamente pelo fato de ser anterior à experiência, ou seja, de nascer exclusivamente de uma operação racional.

Para o filósofo, apenas o conhecimento puro pode conduzir a juízos universais e necessários. A partir desse entendimento, Kant desenvolveu o seguinte raciocínio: como a razão é uma característica universal dos homens, ela é perfeitamente capaz de elaborar normas também universais. A materialização dessa idéia encontra-se na seguinte máxima da obra de Kant: "age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal" (KANT, 2008, p.51).

Essa exigência recebeu o nome de imperativo categórico, que nada mais é do que uma "determinação imperativa, que deve ser observada sempre, em toda e qualquer decisão ou ato moral que venhamos a praticar" (COTRIM, 2006, p. 253).

Tecidos esses breves comentários acerca da ética kantiana é imprescindível, para darmos seqüência ao presente estudo, esclarecer que Kant fazia uma nítida distinção entre Direito e Moral.


SEPARAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL

Marcus Cláudio Acquaviva (2000, p.9), ao tratar dessa nítida separação, encontrada na obra kantiana, ensina o seguinte:

Kant separava o Direito da Moral, sendo aquele apenas um conjunto de condições destinadas, simplesmente, a garantir a coexistência das liberdades. O Estado subordinado ao Direito, prossegue Kant, assim procede para reger os atos externos do homem, independentemente da lei moral, pois esta, segundo o kantismo, disciplina exclusivamente os atos internos, de foro íntimo.

Para corroborar o que foi dito é conveniente transcrever a lição de Miguel Reale (2000, p.660), também acerca da referida distinção:

O homem é livre porque deve; não deve porque seja livre. Eis, pois, como o imperativo categórico é o fundamento da moral kantiana. Quando um imperativo vale por si só, objetivamente, sem precisar de qualquer fim exterior, dizemos que é um imperativo autônomo. A Moral é autônoma. Os imperativos morais prescindem de qualquer outra justificação. São fins de si mesmos. Quando a Moral diz "não mates", não precisa de qualquer outra justificação. O próprio imperativo moral basta-se a si mesmo, não requer outra finalidade, senão aquela que se contém no próprio enunciado. Os preceitos autônomos, que se bastam a si mesmos, por conterem em si próprios a sua finalidade, são preceitos morais.

Já não acontece o mesmo com os preceitos jurídicos. O Direito é eminentemente técnico e instrumental. Toda norma jurídica é instrumento de fins, que se não situam no âmbito da norma mesma; não há nenhuma finalidade intrínseca ou inerente à própria regra: sua finalidade é a segurança geral, a ordem pública, a coexistência harmônica das liberdades, etc. Daí a possibilidade de um comportamento perfeitamente jurídico pela só conformidade exterior aos imperativos do Direito: enquanto que a legislação moral não pode ser jamais exterior, a legislação jurídica pode ser também exterior.

Justamente por esse motivo, Günther Jakobs, profundo conhecedor da obra de Kant, não fundamenta a teoria do Direito Penal do Inimigo (conceito eminentemente jurídico) na noção de imperativo categórico (conceito eminentemente moral). O ponto crucial da tese de Jakobs refere-se à questão da segurança social, conforme se demonstrará a seguir.

Todavia, nesse instante é bom salientar que essa separação rígida entre Direito e Moral, vislumbrada na obra de Kant, como se eles não tivessem nenhum ponto em comum, não pode mais ser aceita, uma vez que o Direito, muitas vezes, tutela aspectos morais, bem como amorais e até mesmo imorais.

Nesse sentido a lição de Miguel Reale (2000, p.43):

Há, portanto, um campo da Moral que não se confunde com o campo jurídico. O Direito, infelizmente, tutela muita coisa que não é moral. Embora possa provocar nossa revolta, tal fato não pode ficar no esquecimento. Muitas relações amorais ou imorais realizam-se à sombra da lei, crescendo e se desenvolvendo sem meios de obstá-las. Existe, porém, o desejo incoercível de que o Direito tutele só o "lícito moral", mas, por mais que os homens se esforcem nesse sentido, apesar de todas as providências cabíveis, sempre permanece um resíduo de imoral tutelado pelo Direito. Há, pois, que distinguir um campo de Direito que, se não é imoral, é pelo menos amoral, o que induz a representar o Direito e a Moral como dois círculos secantes.

Assim, de acordo com a "Teoria dos Círculos Secantes", desenvolvida por Claude du Pasquier, Direito e Moral coexistem, isto é, não podem ser separados, uma vez que sempre existirá um campo de competência comum, composto por regras que são, ao mesmo tempo, jurídicas e morais.

Feitos esses esclarecimentos passaremos, a partir de agora, a analisar, especificamente, as principais noções acerca da teoria conhecida como Direito Penal do Inimigo.


DIREITO PENAL DO INIMIGO

De acordo com a tese desenvolvida por Jakobs, pode-se dizer que existem dois direitos penais, "um é o do cidadão, que deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais; para ele vale na integralidade o devido processo legal; o outro é o Direito Penal do Inimigo. Este deve ser tratado como fonte de perigo e, portanto, como meio para intimidar outras pessoas" (GOMES, 2009, p.1).

Deve ser considerado inimigo "quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel a norma". Como exemplo, Jakobs cita os "criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações penais perigosas" (GOMES, 2009, p.1).

No que tange ao tratamento que deve ser dispensado ao inimigo, como ele "não é um sujeito processual, (...) não pode contar com direitos processuais" (GOMES, 2009, p.1).

Em suma, o "Direito Penal do Inimigo" estabelece que o "cidadão" deve ser respeitado e pode contar com todas as garantias penais e processuais colocadas à sua disposição. Já o "inimigo", pelo fato de não ser um sujeito processual, não pode contar com tais direitos.

No presente trabalho, entretanto, nos ateremos apenas ao tratamento que deve ser dispensado aos "inimigos". A esse respeito Jakobs (2008, p.17) afirma:

Quem não pode oferecer segurança cognitiva suficiente de que se comportará como pessoa não só não pode esperar ainda ser tratado como pessoa, como tampouco o Estado está autorizado a tratá-lo ainda como pessoa, pois, de outro lado, estaria lesando o direito das outras pessoas à segurança.

O trecho da obra de Kant, utilizado por Jakobs para fundamentar seu raciocínio, é o seguinte:

Admite-se comumente que não se pode proceder hostilmente contra ninguém, a não ser quando ele de fato já me lesou, e isto também é inteiramente correto quando ambos estão no estado civil-legal. Pois, pelo fato de que entrou nesse estado, ele dá àquele (mediante a autoridade que possui poder acima de ambos) a segurança requerida. Mas o homem (ou o povo) no puro estado de natureza tira de mim esta segurança e me lesa já por esse mesmo estado, na medida em que está ao meu lado, ainda que não de fato (facto), pela ausência de leis de seu Estado, pelo que eu sou continuamente ameaçado por ele, e posso forçá-lo ou a entrar comigo em um Estado comum legal ou a retirar-se de minha vizinhança. O postulado, portanto, (...) é: todos os homens que podem influenciar-se reciprocamente têm de pertencer a alguma constituição civil (KANT, 2008, p.23).

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Kant utiliza a expressão "estado civil-legal" em contraposição ao termo "estado de natureza", o que nos permite concluir que, para ele, estado civil-legal nada mais é do que aquilo que hoje conhecemos por Estado de Direito.

Para corroborar tal afirmação é conveniente a transcrição do seguinte trecho da obra de Marcus Cláudio Acquaviva (2000, p.8):

A concepção tradicional do Estado de Direito provém de Emmanuel Kant (...), como se depreende de sua concepção individualista, racionalista e voluntarista do Direito, que cairia como uma luva nos interesses de uma nascente burguesia. Daí a expressão Estado de Direito Liberal Burguês (...).

Ainda com relação ao conceito de Estado de Direito, não obstante a doutrina aponte, e com razão, que tal expressão, sem outra adjetivação, como por exemplo liberal, social, etc., possa levar a concepções deformadas, na realidade deve-se invocar "a concepção formal do Estado de Direito à maneira de Forsthoff, ou de um Estado de Justiça, tomada a justiça como um conceito absoluto, abstrato, idealista, espiritualista (...)" (SILVA, 2002, p.113).

No mesmo sentido indica a posição de Paulo Dourado de Gusmão (2000, p.350), que se refere ao Estado de Direito como sendo "o Estado submetido ao Direito por ele mesmo criado ou reconhecido, dotado de eficácia e que, tendo estabilidade, possa servir de base para profecias de como decidirão as autoridades e os juízes".

Por outro lado, o "estado de natureza" mencionado por Kant, de acordo com o próprio filósofo, é aquele caracterizado pela "ausência de leis".

Lon L. Fuller, na obra O Caso dos Exploradores de Cavernas, tão conhecida da comunidade jurídica, ao se referir à "lei da natureza" (ou estado de natureza, nos dizeres de Kant), ensina o seguinte:

Funda-se este entendimento na proposição de que o nosso direito positivo pressupõe a possibilidade da coexistência dos homens em sociedade. Surgindo uma situação que torne a coexistência impossível, a partir de então a condição que se encontra subjacente a todos os nossos precedentes e disposições legisladas cessou de existir (FULLER, 1993, p.11/12).

Realmente, no caso dos exploradores, quando um grupo de espeleólogos fica preso por mais de 30 (trinta) dias no interior de uma caverna, em virtude de um desmoronamento de terra, sem nenhum contato com o mundo exterior, sem água, sem comida, etc., é perfeitamente defensável a tese de que tais homens, até então submetidos a um Estado de Direito, passaram a viver em um "Estado Natural", a partir do momento em que ocorreu tal infortúnio.

Situação totalmente distinta é a narrada por Jakobs, em sua obra Direito Penal do Inimigo. Para o referido autor os criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações penais perigosas devem deixar de ser tratados como cidadãos e passar a ser tratados como inimigos, a partir do momento em que deixam de oferecer segurança cognitiva suficiente de que se comportarão como pessoas, ou seja, a partir do instante em que passam a agir como se estivessem vivendo em um "Estado Natural".

Porém, não há como negar que, em todos os casos mencionados por Jakobs, os criminosos estão inseridos num Estado de Direito, ou seja, estão convivendo em sociedade sob o império das mesmas leis que regem a vida das "pessoas de bem", o que demonstra, claramente, a impossibilidade de se falar em "Estado Natural", ou seja, em "ausência de lei".

Nesse ponto é importante lembrar que num "estado civil-legal", ou seja, num Estado de Direito, o próprio Kant entende correto proceder de forma hostil somente quando determinada lesão já ocorreu. Isso significa que a punição antecipada, como forma de preservar a segurança, somente se justificaria em virtude da ausência de leis, ou seja, no Estado Natural, situação não ocorrente nos exemplos de crimes expressamente mencionados por Jakobs.

Desse modo, partindo-se da premissa de que a imensa maioria dos países civilizados vivem sob a égide de um Estado de Direito, a tese de Jakobs, ao menos sob esse aspecto, não pode prevalecer.


A ESCOLA ALEMÃ

É importante consignar que, não obstante Kant tenha sido um dos filósofos mais importantes do século XVIII, e, sem sombra de dúvidas, o maior filósofo do iluminismo alemão, suas idéias não podem ser transportadas ipsis literis para o direito moderno.

Primeiro porque Kant separa o Direito da Moral, contrariando o entendimento moderno de que, ao menos sob alguns aspectos ambos coincidem (existe um ponto de intersecção entre eles). Em segundo lugar, porque a ética kantiana é extremamente formalista, pois estabelece o dever como norma universal, sem levar em conta a condição individual na qual cada um se encontra diante desse dever.

Corroborando esse entendimento, Cotrim (2006, p.254) diz que "Kant nos dá a forma geral da ação moralmente correta (o imperativo categórico), mas não diz nada acerca de seu conteúdo, não nos diz o que devemos fazer em cada situação concreta".

Entretanto, é plenamente justificável o fato do professor Jakobs, alemão nascido em 1937, na cidade de Mönchengladbach, Nordrhein – Westfalen ter escolhido Kant (que, além de filósofo, também era alemão) para fundamentar grande parte de sua obra. Isso porque os alemães dão grande ênfase aos aspectos filosóficos, no que tange ao método do estudo do direito.

Sobre esse assunto Vicente Ráo (1976, p.35/36) ensina o seguinte:

A filosofia do direito, ao mesmo tempo em que procura enquadrar o direito na ordem universal, investiga e apresenta os princípios (normas universais e abstratas) aplicáveis a todas as ciências jurídicas que, por este modo unifica; é ela própria a ciência que completa a unidade do conhecimento jurídico. (...) A escola alemã sempre se caracterizou pelo estudo da doutrina pura, dos princípios filosóficos ou científicos; (...) O estudo dos alemães é de erudição, de exposição doutrinária, ora com caráter acentuadamente filosófico, ora sob o aspecto de estudo sistemático do direito romano.

Porém, é importante consignar que o direito não é estático. Ao contrário, é extremamente dinâmico, ou seja, ele deve estar em constante transformação para atender aos anseios de uma determinada população, em determinado momento histórico.

Miguel Reale (2000, p.67) apresenta um conceito de Direito que reforça o que acaba de ser dito: "Direito é a concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores".

Dessa forma, se tivéssemos que nos valer do pensamento de algum filósofo, especificamente, para solucionarmos as questões jurídicas ora analisadas, entendemos que melhor seria adotar o pensamento de outro alemão, extremamente importante no século XVIII, chamado Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), uma vez que, ao buscar respostas para o maior número de questões, ele tentou reconciliar a filosofia com a realidade.

Para Hegel, ao não levar em consideração a história e a relação do indivíduo com a sociedade, a ética de Kant não apreende os conflitos reais existentes nas decisões morais. Kant teria considerado a moral apenas como uma questão pessoal, íntima e subjetiva, na qual o sujeito tem que se decidir entre suas inclinações (desejos, medos, etc) e sua razão. Para Hegel, portanto, a moralidade assume conteúdos diferenciados ao longo da história das sociedades, e a vontade individual seria apenas um dos elementos da vida ética de uma sociedade em seu conjunto. A moral seria o resultado de uma relação entre o indivíduo e o conjunto social. E em cada momento histórico a moral se manifestaria tanto nos códigos normativos como, implicitamente, na cultura e nas instituições sociais (COTRIM, 2006, p.254).

Em relação à expressão "códigos normativos", acima mencionada, convém lembrar que nossa Lei Maior, em seu artigo 5°, inciso LV, dispõe que "aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

Ao tratar da ampla defesa, Marcus Cláudio Acquaviva (2000, p.148/149) ensina que esta é a "expressão que denomina o princípio pelo qual a todos é garantido o direito de expor, desde que lícitas, quaisquer razões na defesa de direitos, ensejando ao juiz firmar sua convicção com base nos argumentos e provas apresentadas, devendo fundamentar sua decisão com base naquilo que for demonstrado pelas partes."

Justamente por isso, a idéia de Jakobs, no sentido da "supressão das garantias processuais", nas hipóteses de crimes cometidos por inimigos, jamais pode prevalecer, pois entendemos que tal posicionamento seria um dos maiores retrocessos da história da humanidade, no que tange aos direitos humanos fundamentais.


CONCLUSÃO

Concluímos o presente estudo apontando os principais motivos pelos quais entendemos que a teoria desenvolvida por Jakobs, fundada principalmente na obra de Immanuel Kant, carece tanto de fundamentação jurídica quanto filosófica:

a) Kant separa a Moral do Direito, o que contraria o entendimento moderno acerca do assunto;

b) Kant aceita a punição antecipada de criminosos apenas quando estes estejam vivendo como se estivessem em um Estado Natural, mas em todos os exemplos mencionados por Jakobs os criminosos estão sob a égide de um Estado de Direito e, portanto, devem ser responsabilizados por suas condutas, nos moldes previstos na legislação vigente;

c) A obra de Kant, por não levar em consideração os aspectos históricos, bem como a relação do indivíduo com a sociedade, não pode ser transportada, ao pé da letra, para o mundo jurídico moderno, haja vista ser o Direito extremamente dinâmico, sempre levando em conta os anseios de uma determinada população que vive em determinado local.


REFERÊNCIAS

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FULLER, Lon L. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993.

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do direito penal). Disponível em:http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B5CAC2295-54A6-4F6D-9BCA-0A818EF72C6D%7D_8.pdf > Acesso em 30/03/2009.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

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RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos – Volume I – Tomo I. 2ª ed. São Paulo: Resenha Universitária, 1976.

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Sobre o autor
Marcio Rodrigo Delfim

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Bolsista/pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Toledo de Presidente Prudente/SP, Especialista em Direito Público (com ênfase em Direito Penal) pela Universidade Potiguar/RN, Bacharel em Direito pela Faculdade Toledo de Presidente Prudente/SP, Ex-coordenador do curso de Direito da Faculdade Objetivo de Rio Verde/GO, Coordenador Pedagógico da Escola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás, Técnico Jurídico do MP/GO, Professor de Direito Penal da PUC/GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFIM, Marcio Rodrigo. Uma abordagem filosófica da tese conhecida como Direito Penal do inimigo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2687, 9 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17788. Acesso em: 5 nov. 2024.

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