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Ilegalidade e dano moral na restrição cadastral interna

17/11/2010 às 13:44
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A Constituição Federal atribui caráter inviolável à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X), e, por outro lado, consagra proteção às relações de consumo, aqui incluídos quer o consumidor dos produtos e serviços, quer o seu fornecedor.

Os arts. 43 e 44, do Código e Defesa do Consumidor - CDC (Lei nº 8078/90), por sua vez, permitem a inserção de dados pessoais dos consumidores inadimplentes em cadastros restritivos (SPC, SERASA, CADIN, etc), desde que eles sejam informados do seu conteúdo, anuindo com a sua divulgação, e que as informações sejam verdadeiras.

Todavia, os consumidores que negociam e quitam empréstimos e dívidas com empresas bancárias, financeiras e telefônicas, vêm sendo constantemente surpreendidos com uma nova modalidade de restrição por elas impostas: a chamada "restrição cadastral interna".

A "restrição cadastral interna" não considera a existência de anotação nos órgãos de restrição ao crédito (SPC, SERASA, CADIN, etc), mais apenas o fato de ter havido quitação de empréstimos e dívidas anteriormente negociadas, o que impede o consumidor de realizar novas transações, obtenção de talonários e outros benefícios.

Ocorre que a chamada "restrição cadastral interna" encontra óbice no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo nos arts. 39 e 51, inciso IV, ambos da Lei nº 8.078/90, e também no art. 2º, letra "a", da Resolução BACEN nº 1.631/89, alterada pela Resolução BACEN nº 1.682/90.

O Código de Defesa do Consumidor, assevera, expressamente, em seu art. 39, incisos II e IX, que "é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas (...) recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades e estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes (...) recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento".

No art. 51, inciso IV, dispõe o CDC que "são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que (...) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".

Não se pode olvidar que quando se trata de empresa concessionária de serviço público, a mesma está "obrigada a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros" (art. 22, CDC).

Ademais, no que tange especificamente às instituições bancárias, o art. 2º da Resolução BACEN nº 1.631/89, alterado pela Resolução BACEN nº 1.682/90, estabelece que a abertura, movimentação de conta e o fornecimento de talonários de cheques ao correntista só podem ser vedados quando este figurar no cadastro de emitentes de cheques sem fundos – CCF.

A par de tais comandos, e à luz do princípio da função social do contrato, pelo qual este não deve ser utilizado como instrumento de opressão mas sim de realização, verifica-se que a negativa e/ou restrição na prestação de serviços bancários, financeiros e telefônicos, pela chamada "restrição interna", a despeito do adimplemento pelo consumidor, afigura-se abusiva e desproporcional, em flagrante ofensa ao sinalagma obrigacional.

É de se ver, então, que não cabe às mencionadas instituições eleger seus clientes, por critério subjetivo, ou discriminatório, haja vista que a licitude da condição de obtenção de crédito no comércio é quanto à inexistência de anotação negativa dos nomes dos clientes nos órgãos de restrição ao crédito (SPC, SERASA, CADIN, etc).

Uma vez procedida a consulta e não constatada qualquer anotação nestes órgãos, indubitavelmente, a empresa que nega crédito ou serviço, ao argumento de "restrição interna", abala a moral do cliente/consumidor, age com discriminação e lhe atribui o perfil de mal pagador, de pessoa não confiável.

A injúria contida na "restrição cadastral interna", portanto, atinge a honra subjetiva da pessoa, sentimento que cada um tem a respeito de seu decoro ou dignidade, sendo presumido que tal fato causa mácula ao nome do cidadão e à sua honra, provocando dor íntima, sentimento depreciativo, sofrimento.

Neste caso, o art. 5º da Carta Magna, em seus incisos V e X, estatuiu a indenização pelo dano moral como sendo uma garantia dos direitos individuais, sendo que o art. 927, do Código Civil, determina àquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo.

Caberá, pois, ao Poder Judiciário, quando provocado, repelir a prática da chamada "restrição cadastral interna", declarando sua ilegalidade e determinando o seu cancelamento no caso concreto, bem como impor uma condenação aos respectivos danos morais.

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Sobre o autor
Roberto Serra da Silva Maia

Advogado em Goiânia (GO). Professor efetivo do curso de Direito e da Pós-Graduação da PUC-GO. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Juiz do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Roberto Serra Silva. Ilegalidade e dano moral na restrição cadastral interna. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2695, 17 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17845. Acesso em: 22 dez. 2024.

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