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Prisão em flagrante delito por militar das Forças Armadas em razão de crime comum

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20/11/2010 às 09:29
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5. SEGURANÇA ORGÂNICA

O contexto da criminalidade deve ser analisado também do ponto de vista da segurança das instalações das organizações militares, posto que a contenda externa pode ser fato simulado para provocar a desatenção do vigia no intuito de adentrar no quartel ou surpreendê-lo para roubar ou furtar suas armas, munições ou outros bens.

O militar de serviço que intervir deve se cercar de todos os cuidados necessários para não desguarnecer o seu posto de serviço, uma vez que pode estar infringindo a legislação penal militar no cometimento de crime de abandono de posto.10

Entendo, porém, que cada caso deve ser tratado da maneira mais adequada à situação concreta, pois, a despeito de não haver dever jurídico em adotar uma ação efetiva para evitar o crime, impedindo a agressão de que outrem esteja sendo vítima, sendo infração comum, deve-se vislumbrar a possibilidade de auxílio, desde que seja viável o oferecimento de ajuda, ou, de outra forma, o acionamento dos órgãos públicos competentes pode produzir resultado satisfatório.

Contudo, a atuação, dos militares das Forças Armadas, se for empregada, estará respaldada na legítima defesa, donde não surge responsabilidade para quem assim proceder.

As organizações militares normalmente dispõem de recursos humanos e materiais, sendo que algumas são compostas por grupo de militares a serem envolvidos no pronto atendimento de ocorrência contra a instituição. Esses mesmos recursos, a nosso ver, podem ser utilizados, com a cautela devida, no intuito de oferecer o auxílio a quem se encontre com a integridade física e a liberdade em risco, provocado por marginais.

Entretanto, a possibilidade do pronto emprego da tropa, deve ser visto com reservas, quanto à sua real e efetiva empregabilidade, posto que os bens são da União e devem ser utilizados no interesse militar.

Na Justiça Militar da União foi julgado um caso em que um automóvel enguiçou em frente a uma Guarita do 24º BIB, quartel do Exército Brasileiro, ato contínuo, aproximaram-se três meliantes num automóvel e anunciaram o roubo daquele veículo que estava avariado. O Sentinela percebeu a ação e interviu determinando que os meliantes se afastassem do local. Então, os marginais iniciaram os disparos contra a guarita que protegia o militar. O Sentinela revidou, ferindo dois bandidos, que empreenderam fuga do local. Posteriormente, dois marginais foram encontrados no hospital próximo, enquanto o terceiro conseguiu fugir.

O resultado foi o seguinte: o roubo foi evitado, dois meliantes presos, julgados e condenados pela tentativa de roubo na Justiça Comum; e, pela tentativa de homicídio contra o Sentinela, na Justiça Militar.

Na auditoria, um deles foi absolvido, mas acatando recurso do Ministério Público Militar, o Superior Tribunal Militar reformou a decisão e também o condenou.11

Na ocorrência acima o Sentinela não teve auxílio de nenhum outro militar da OM.

Há para os militares das Forças Armadas a faculdade de agir, posto que qualquer pessoa pode efetuar prisão em flagrante na condição de cidadão comum. Entretanto, acredito que raramente algum deles empreenderá reação, se não houver ordem superior para tanto.

Mantendo-se nesse patamar, a impressão que emerge é a da banalização da violência, sem embargo, já que não há obrigação de agir, mesmo, pelo menos aparentemente, em condições de prestar algum tipo de ajuda, diante de uma agressão a qualquer cidadão que esteja com sua vida em iminente risco, mas inexoravelmente, não há obrigação para atuar nesses casos e, o sistema de segurança das organizações militares deve servir aos interesses internos de proteção dos militares e bens da força.


6. LEGÍTIMA DEFESA

Por outro lado, constatada a veracidade dos fatos e a possibilidade de auxílio, este será revestido pelo manto da legítima defesa, ou na impossibilidade de agir em defesa da vítima, que seja comunicada a ocorrência à autoridade policial competente.

O conceito analítico de crime informa que sua estrutura se desdobra em fato típico, antijurídico e culpável. Só com a reunião desses elementos é que se pode afirmar a existência de infração penal.

A legítima defesa exclui a ilicitude do fato tipicamente considerado como crime, ou seja, para fazer cessar uma agressão injusta, uma pessoa pode se valer de uma figura típica, pode praticar um fato descrito na lei penal como crime, exemplo do Sentinela que disparou contra os meliantes para impedir os disparos contra ele.

Agindo em legítima defesa fica suprimido do conceito analítico de crime o elemento da antijuridicidade, porque é lícito defender-se e, assim, não se completando aqueles elementos, não se pode falar na existência de crime.

Aquele que age em legítima defesa está se conduzindo legalmente, não comete crime, pois a lei penal não considera como infração penal a conduta que apresenta essa qualidade. Note-se que o Sentinela foi envolvido na ação penal como vítima.


7. CONCLUSÃO

Do exposto, com o emprego da interpretação sistemática dos dispositivos legais acerca da prisão em flagrante delito e da polícia judiciária militar no Código de Processo Penal Militar e na Constituição Federal; e confrontando a atribuição da Segurança Pública com a missão das Forças Armadas, conclui-se pela inexistência de dever jurídico de agir dos militares das Forças Armadas para efetuarem prisão em flagrante por crime comum, dever jurídico que incumbe às polícias civis e militares estaduais e à polícia federal, bem como a seus agentes, nos termos do art. 301 do CPP e §§4º e 5º do art. 144 da Constituição Federal.

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O art. 243 do CPPM, que impõe dever jurídico aos militares para prenderem em flagrante, deve ser interpretado restritivamente, apenas para abranger os crimes militares.

Apesar de pugnar pela legítima defesa, mas sem adentrar na real possibilidade de agir em casos semelhantes, indico o uso do sistema de segurança do CIAA exclusivamente na segurança orgânica, como preceituam as normas administrativas, além de que as ocorrências dessa natureza sejam imediatamente comunicadas aos órgãos e agentes de segurança mais próximos.


 NOTAS

01. SILVA, JOSÉ AFONSO DA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", 2001, pág. 756.

2. Idem.

3. Art. 142 da Constituição da República Federativa do Brasil.

4. O Supremo Tribunal Federal julgou que a Polícia Naval é atividade secundária da Marinha e, os crimes praticados contra os militares durante esse serviço devem ser julgado pela Justiça Comum. Habeas Corpus nº 0068928-1/PA – Ministro Neri da Silveira, 1991.

5. NETO, JOSÉ DA SILVA LOUREIRO, Processo Penal Militar, 1992, pág. 89.

6. SANTOS, CARLOS MAXIMILIANO PEREIRA DOS, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1996, pág. 128.

7. Idem, pág. 329.

8. NETO, JOSÉ DA SILVA LOUREIRO, Processo Penal Militar, 1992, pág. 86.

9. ASSIS, JORGE CESAR DE, por e-mail, acessado em 2 de outubro de 2007.

10. Art. 195 do CPM.

11. Apelação (FO) nº 2003.01.049483-9 – RJ, julgada em 30 de junho de 2005, Relator Ministro Ten Brig Ar HENRIQUE MARINI E SOUZA.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Walter Santos Peniche

Oficial da Ativa do Quadro Técnico do Corpo Auxiliar da Marinha, Bacharel em Direito e Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal e em Direito Militar pela Universidade Gama Filho, Assessor Jurídico na Marinha.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENICHE, Walter Santos. Prisão em flagrante delito por militar das Forças Armadas em razão de crime comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2698, 20 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17854. Acesso em: 24 abr. 2024.

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