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O tratamento da tortura no direito internacional e no direito interno: criminalização e a jurisprudência brasileira na dimensão da Justiça reparadora.

Breves considerações

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18/11/2010 às 15:59
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4. CONCLUSÃO

Considerando que a proibição da tortura está profundamente enraizada no direito interno e internacional e representa uma negação ilegítima, arbitrária e inaceitável dos direitos humanos, devem os Estados, paralelamente à proteção que se exercita nos modelos de justiça punitiva e de justiça reparadora, honrar as suas obrigações internacionais, respeitar as regras do jus cogens e dos tratados internacionais sobre direitos humanos, adotando as medidas adequadas e suficientes para impedir e reprimir a prática da tortura e minorando, quando já consumado o ilícito, as conseqüências causadas por este ato repulsivo, sem olvidar a devida prestação de assistência às vítimas e punição dos infratores. Pela pertinência com a linha de exposição que se desenvolve, oportuna a recomendação de Flávia Piovesan, notadamente sobre algumas das medidas adotáveis no plano doméstico, confira-se:

"...Seja no Brasil, Abu Ghraib ou Guantánamo, a prática da tortura se manterá na medida em que se assegurar a impunidade de seus agentes. Como já disse o então relator especial da ONU, Nigel Rodley, a tortura é um "crime de oportunidade", que pressupõe a certeza da impunidade. O combate ao crime de tortura exige a adoção pelo Estado de medidas preventivas e repressivas, sob o atento monitoramento da sociedade civil. De um lado, é necessária a criação e manutenção de mecanismos que eliminem a "oportunidade" de torturar, garantindo a transparência do sistema prisional-penitenciário. Por outro lado, a luta contra a tortura impõe o fim da cultura de impunidade, demandando do Estado o rigor no dever de investigar, processar e punir os seus perpetradores, bem como de reparar a violação. Enquanto persistir a tortura em dependência policial ou prisional e enquanto se tolerar que os condenados a pena privativa de liberdade devam ter uma pena adicional por meio de tortura, maus tratos e condições degradantes, os padrões democráticos e civilizatórios restarão fortemente comprometidos. Isto porque a tortura revela, sobretudo, a perversidade do Estado que, de guardião da legalidade e de direitos, converte-se em atroz violador da legalidade, ao afrontar o direito fundamental à integridade física e mental de toda e qualquer pessoa, lançando-se no marco da delinqüência, no brutal exercício da violência, que avilta a consciência ética contemporânea..." [15]

O direito de não ser torturado, portanto, é um direito humano fundamental que requer proteção a qualquer tempo e em todas as circunstâncias. E o repúdio a essa odiosa prática - intensamente exercida no período delimitado pela lei 9.140/95, mas ainda presente em tempos atuais [16] -, deve se materializar de forma ininterrupta e efetiva em todas as esferas, tanto no direito interno dos Estados quanto no Direito Internacional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 4: legislação penal especial.São Paulo: Saraiva, 2006.

Direito Internacional Humanitário: O que é o direito internacional Humanitário (D.I.H.)?, disponível em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/direito-internacional-humanitario/sobre-dih.html. Acesso em 08.10.2008.

DUPUY, René-Jean. O direito internacional.Coimbra:Livraria Almedina, 1993.

KELSEN, Hans. Derecho y paz en las relaciones internacionales.trad. por Florencio Acosta. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986.

MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional Público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.5ª edição, ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora RT, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Combate à tortura. Disponível em http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=429&Itemid=2.

RANGEL, Vicente Marotta. Direito e relações internacionais. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

REZEK, José Francisco, Direito internacional público: curso elementar. 7º edição, revista e atualizada – São Paulo: Saraiva, 1998.


Notas

  1. Mensagem do Secretário-Geral da ONU Kofi Annan, por ocasião do dia internacional de apoio às vítimas da tortura. Disponível em: <http://www.nossosaopaulo.com.br/Reg_SP/Barra_Escolha/ONU_VitimasTortura.htm>. Acesso em 06.10.2008.
  2. Nos termos do artigo 53 da Convenção de Viena sobre os Tratados, "uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza." (REZEK, 1998, p. 119)
  3. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
  4. da  Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, representa um dos documentos básicos da ONU, prescrevendo o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações. No seu texto, são enumerados os direitos humanos que não podem ser violados.

  5. Também conhecida como Convenção Européia dos Direitos Humanos, foi adotada pelo Conselho da Europa em 1950, entrando em vigor em 1953. Tem por escopo, como a própria denominação sugere, proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Para assegurar o efetivo respeito aos direitos humanos e aos demais princípios estabelecidos pela Convenção, foi criado o órgão jurisdicional denominado Corte Européia dos Direitos Humanos (CEDH). Reza o artigo 3º da Convenção que "Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes".
  6. Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16.12.1966. Aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 226, de 12.12.1991. Ratificado pelo Brasil em 24.01.1992. Promulgado pelo Decreto n.º 592, de 6.7.1992. "Artigo 7.º Ninguém será submetido à tortura nem a pena ou a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes. Em particular, é interdito submeter uma pessoa a uma experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento."
  7. Aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981, e adotada pela XVIII Assembléia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairóbi, Quênia, em 27 de julho de 1981. Prevê, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, no seu artigo 5º: "Todo indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica. Todas as formas de exploração e de aviltamento do homem, nomeadamente a escravatura, o tráfico de pessoas, a tortura física ou moral e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos."
  8. Trata-se do conhecido Pacto de São José da Costa Rica. Assim tem sido denominada a Convenção Americana de direitos Humanos pelo fato de ter sido assinada em San José, Costa Rica, no ano de 1969, por Estados-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos). O Brasil aderiu à Convenção no ano de 1992. A proibição da tortura no Pacto está prevista no artigo 5º, itens 1 e 2, com o seguinte teor, verbis: "Artigo 5º - Direito à integridade pessoal 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano."
  9. Aberta à assinatura dos Estados Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) por ocasião do XV Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, que teve lugar em Cartagena das Índias, Colômbia, em 9 de dezembro de 1985. Ratificada pelo Brasil em 20 de julho de 1989, aprovada pelo Dec. Leg. 5/89 e promulgada pelo Dec. 98.386/89, a Convenção fundamenta-se no que já dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no sentido de que ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, assinalando a justificativa de que, para tornar efetivas as normas contidas nos instrumentos universais e regionais que tratam da tortura, é necessário elaborar uma convenção interamericana que previna e puna aludida prática. Para os efeitos da Convenção, considera-se tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Concebe-se também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica (art. 2º). Segundo o teor do artigo 9º, os Estados-Membros comprometem-se a estabelecer, em suas legislações nacionais, normas que garantam compensação adequada para as vítimas de delito de tortura.
  10. Adotada pela Resolução 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984. Foi ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989 e promulgada pelo Decreto no 40, de 15 de fevereiro de 1991. Pelo Decreto nº 6.085, de 19 de Abril de 2007, o Brasil promulgou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, adotado em Nova York em 18 de dezembro de 2002, cujo objetivo é estabelecer um sistema de visitas regulares efetuadas por órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde pessoas são privadas de sua liberdade, com a intenção de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
  11. São regras fundamentais do Direito Internacional Humanitário aplicáveis nos conflitos armados, as seguintes:
  12. "1. As pessoas postas fora de combate e aquelas que não participam directamente nas hostilidades têm o direito ao respeito das suas vidas e da sua integridade física e moral. Estas pessoa devem ser, em todas as circunstâncias, protegidas e tratadas com humanidade, sem qualquer distinção de carácter desfavorável. (...)

    4. Os combatentes capturados e os civis que se encontrem sob a autoridade da parte adversa têm direito ao respeito da sua vida, da sua dignidade, dos seus direitos pessoais e das suas convicções. Devem ser protegidos de todo o acto de violência e de represálias. Terão o direito a trocar notícias com as suas famílias e a receber socorros.

    5. Todas as pessoas beneficiarão das garantias judiciárias fundamentais. Ninguém será tido como responsável de um acto que não cometeu. Ninguém será submetido à tortura física ou mental, nem a penas corporais ou a tratamentos cruéis e degradantes.

    6. As partes num conflito e os membros das suas forças armadas não possuem um direito ilimitado na escolha dos métodos e meios de guerra susceptíveis de causar percas inúteis ou sofrimentos excessivos."

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  13. Lembra Fernando Capez que "até a edição desse diploma legal, a tortura era objeto apenas do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bem como do art. 121, § 2º, III, do Código Penal (homicídio qualificado pela tortura). Para os demais delitos, como o de lesão corporal ou abuso de autoridade, em que poderia haver o emprego de tortura, esta constituía mera circunstância agravante genérica, prevista no art. 61, II, d, do mesmo diploma legal. Neste contexto, a Lei 9.455/97 representou significativa evolução no combate á tortura, coibindo essa prática execrável." (CAPEZ, 2006, p. 654)
  14. Nesse sentido Fernando Capez, op. cit., p. 679. Em sentido diverso, entendendo ser hipótese de extraterritorialidade incondicionada toda a previsão do artigo 2º da Lei 9.455/97, Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, p. 91.
  15. Com a redação dada pela Lei 10.536/2002, o prazo, que inicialmente compreendia o período de 02 de setembro de 1961 até 15 de agosto de 1979, estendeu-se até a data coincidente com a da promulgação da Constituição da República de 1988.
  16. Por força do referido instrumento legal, a União instituiu a Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos com a atribuição de proceder ao reconhecimento de pessoas desaparecidas, não relacionadas no Anexo da própria Lei; das pessoas que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em atividades políticas, tenham morrido por causas não-naturais, em dependências policiais ou assemelhadas; das que tiveram suas vidas ceifadas em virtude de repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do Estado e das que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem detidas ou em decorrência de seqüelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder publico. Tem ainda a Comissão a atribuição de envidar esforços para a localização dos corpos de pessoas desaparecidas caso haja indícios quanto ao local em que possam estar depositados.
  17. PIOVESAN, Flávia. Combate à tortura. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=429&Itemid=2.> Acesso em 12.10.2008.
  18. Assinala ainda, com maestria, Flávia Piovesan que "diversamente da prática da tortura perpetrada durante o regime militar, que era orientada por critérios político-ideológicos, a prática da tortura, na era da democratização, orienta-se fundamentalmente por critérios econômico-sociais, com forte componente étnico-racial, na medida em que suas vítimas preferenciais, conforme relatórios das Ouvidoriais de Polícia, são os jovens, negros e pobres." PIOVESAN, Flávia. Op. cit.
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Sobre o autor
Tony Gean Barbosa de Castro

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília-Unb. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCeub. Delegado de Polícia Federal e Professor de Direitos Humanos na Academia Nacional de Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Tony Gean Barbosa. O tratamento da tortura no direito internacional e no direito interno: criminalização e a jurisprudência brasileira na dimensão da Justiça reparadora.: Breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2696, 18 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17856. Acesso em: 24 nov. 2024.

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