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Sigilo das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas e órgãos públicos

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Inicia-se a presente abordagem com menção aos recentes relatados da ação de "hackers", que se utilizam de recursos tecnológicos dos escritórios em que trabalham, como meio a viabilizar suas práticas condenáveis. Através dos computadores de empresas e órgão públicos, os mencionados criminosos invadem banco de dados, destroem arquivos e propagam vírus de efeitos devastadores.

Diante destes precedentes, o acesso aos "e-mails" dos empregados das repartições representaria meio eficaz no auxílio à prevenção e detecção dos crimes praticados no ambiente virtual. Registra-se que, na Inglaterra, tal medida já se reveste de licitude.

Em nosso país, iniciam-se as discussões, acerca da possibilidade jurídica de se conferir, através de instrumento normativo, prerrogativa aos responsáveis por empresas e órgãos públicos, no sentido de devassar o correio eletrônico de seus funcionários.


Para a apreciação da matéria, ora sugerida, torna-se indispensável a análise de preceitos constitucionais, os quais se encontram inseridos no Título II, da Carta Magna, o qual é intitulado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais". Reservou-se tal seção do referido diploma legal para a tutela do particular contra a ação infundada, ou lesiva, do Estado e dos demais membros da coletividade. A tutela do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5° , XII, CF) representa dispositivo fundamental para a consecução de um Estado de Direto, com respeito às prerrogativas do indivíduo. Temerária, contudo, seria a hipótese em que esta garantia fosse imposta de forma absoluta. Os direitos individuais devem ceder em face de interesses mais abrangentes, que repercutem em toda a sociedade. Assim, a própria norma constitucional, in fine, prevê exceção (art. 5° , XII, parte final) à exigibilidade do sigilo dos dados mencionados.

"Art. 5° . (omissis)

(...)

XII. é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;"

Divergências doutrinárias existem quanto à amplitude da ressalva à garantia inserta na Carta Magna. Dúvidas, não subsistem, contudo, no que cerne à circunstância, em que tal hipótese pode ser aplicada: para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Tão-somente com este escopo, pode-se denegar a alguém o direito ao segredo das informações indicadas no texto legal.

Tendo em vista os argumentos expostos, reveste-se de patente inconstitucionalidade, qualquer norma ordinária, que disponha sobre faculdade, atribuída de forma genérica às empresas, de violar o conteúdo das mensagens eletrônicas de seus funcionários. Ao se corresponder, por meio do correio eletrônico, o usuário do serviço compartilha, com o receptor, informações de cunho pessoal, as quais não podem ser violadas, sob pena de se incorrer em mácula ao direito de privacidade. A Lei Máxima tutela expressamente a intimidade e a vida privada, de cada indivíduo.

"Art. 5° . (omissis)

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"   

Cumpre ressaltar que o estudo da questão não deve se limitar à interpretação dos ditames legais pátrios. Os problemas decorrentes da fabulosa e contínua expansão da Internet demonstram-se comuns a todas as nações. Com isso, não só é viável a realização de um esforço global; como também tal medida revela-se imprescindível, para a consecução de eficazes normas, a punirem os agentes dos denominados "ciber crime".

Para se atestar a procedência da assertiva acima formulada, propõe-se a formulação de caso hipotético, com base em fato mencionado no início do presente texto. Legalizou-se na Inglaterra a violação das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas por seus patrões. Esta determinação tem a finalidade de facilitar o procedimento investigatório das transgressões, promovidas por intermédio da Internet. Acontece que, constata-se ser bem mais provável que os ataques aos computadores ingleses sejam originários de quaisquer outras localidades do mundo. Com isso, nas situações de maior incidência, as normas inglesas restariam inócuas; na medida que não se pode, a princípio, submeter os cidadãos de outras nacionalidades aos ditames legais da Inglaterra.

Resta claro, portanto, que iniciativas isoladas de determinados países, provavelmente, produziram efeitos pífios, ou, até mesmo, nulos. Faz-se necessária a promoção de amplas discussões internacionais, as quais conduzam à assinatura de tratados, que versem sobre matérias relativas à grande rede.

Ao se transpor a conclusão acima para o objeto desta exposição, verifica-se que, mesmo que se determine através de acordos multinacionais a possibilidade de se violar o conteúdo dos "e-mails" de um indivíduo, persistiria a inconstitucionalidade do dispositivo correlato. Isto decorre o fato de que tal dispositivo representaria exceção ao sigilo das correspondências, o qual se consubstancia em garantia fundamental do particular, prevista no diploma pátrio de máxima hierarquia. No que cerne à relação entre os tratados internacionais e os direitos e garantias, estipuladas no art. 5° , da Carta Magna , o legislador constituinte dispôs da seguinte forma

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"Art. 5° . (omissis)

(...)

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."


Desta forma, através da interpretação gramatical do dispositivo compilado, observa-se que, com o emprego da expressão "não excluem outros decorrentes (...) de tratados internacionais", concede-se margem à inclusão de direitos e garantias não previstas nos incisos do art. 5º, da Constituição Federal. Não se coaduna, contudo, com o teor do parágrafo acima, o estabelecimento, por força de instrumento de Direito Internacional, de restrições ao exercício das garantias fundamentais do indivíduo, tais como o sigilo de correspondência. As ressalvas, nesta esfera, somente se caracterizam como constitucionais, caso indicadas expressamente no texto da Lei Máxima.

Em conclusão, revela-se incompatível com as hodiernas diretrizes do Direito nacional qualquer estipulação normativa, que venha a legalizar a quebra do sigilo das mensagens eletrônicas, dos funcionários de empresas e repartições, em circunstâncias diversas daquela prevista na Constituição.

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Sobre o autor
Marcos Antonio Cardoso de Souza

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí (1999). Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Assessor jurídico da ATI - Agência de Tecnologia da Informação do Estado do Piauí - e Sub-coordenador do Curso de Direito do Centro de Ensino Unificado de Teresina. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcos Antonio Cardoso. Sigilo das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas e órgãos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1788. Acesso em: 26 abr. 2024.

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