Resumo: A minirreforma política e eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034/2009) originou várias discussões de ordem hermenêutica. A principal delas é a que gravita em torno do §7º, art. 11, da Lei n° 9.504/1997, a qual suscitou recentemente instigantes discussões acerca da abrangência do conceito de quitação eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE, notadamente quanto à modalidade concernente à prestação de contas de campanha eleitoral.
Palavras-chave: Quitação eleitoral. Prestação de contas.
INTRODUÇÃO
O estudo que ora se inicia tem como finalidade principal discutir a celeuma exegética existente acerca do novo conceito de certidão de quitação eleitoral apresentado pela Lei n° 12.034/2010 e o impedimento da expedição do referido documento nos casos em que o candidato não se desincumbir do dever de apresentar a prestação de contas da campanha.
A intenção do presente artigo é contribuir com a discussão da matéria e tentar apresentar uma solução coerente com a real intenção do legislador, pois é notória a divergência jurisprudencial existente entre os órgãos da Justiça Eleitoral, notadamente das decisões do Tribunal Superior Eleitoral, bem como entre Ministros de sua própria composição.
Por fim, será feita uma análise sobre a tentativa de promover interpretação extensiva em norma restritiva de direito, com uma breve análise sobre a intenção do Poder Judiciário em legislar positivamente, ambos vedados pelas regras de hermenêutica e pela Constituição Federal, respectivamente.
1.QUITAÇÃO ELEITORAL – CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Para demonstrar o regular exercício dos direitos políticos, preconizado como condição de elegibilidade pela Constituição Federal (art. 14, §3º, II), a legislação ordinária eleitoral tem colocado como documento indispensável à instrução do registro de candidatura a certidão de quitação eleitoral, consoante disposto no art. 11, §1º, VI, da Lei 9.504/1997, que, diga-se, inovou no ordenamento jurídico ao exigir a mencionada documentação.
No entanto, sem regulamentação expressa determinando o conceito de quitação eleitoral (ou certidão de quitação eleitoral), coube a jurisprudência oscilante do Tribunal Superior Eleitoral, notadamente através das resoluções autorizadas pelo artigo 23, IX, do Código Eleitoral, em que se legisla positivamente, definir tal nomenclatura e sua abrangência do termo.
O conceito de quitação eleitoral surgiu inicialmente do posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, originário da consulta respondida nos autos do Processo Administrativo n° 19.205/DF (Resolução nº 21.823), da relatoria do Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ de 05.07.2004, que fixou a seguinte ementa:
PLENO GOZO DOS DIREITOS POLÍTICOS. EXERCÍCIO DO VOTO. ATENDIMENTO À CONVOCAÇÃO PARA TRABALHOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE MULTAS PENDENTES. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. REGISTRO DE SANÇÕES PECUNIÁRIAS DE NA TUREZA ADMINISTRA TIVA PREVISTAS NO CÓDIGO ELEITORAL E NA LEI N° 9.504/97. PAGAMENTO DE MULTAS EM QUALQUER JUÍZO ELEITORAL APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART 11 DO CÓDIGO ELEITORAL. O conceito de quitação eleitoral reúne a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, salvo quando facultativo, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, excetuadas as anistias legais, e a regular prestação de contas de campanha eleitoral, quando se tratar de candidatos. [...] (grifou-se).QUITAÇÃO ELEITORAL ABRANGÊNCIA.
A definição adotada no julgado sobrescrito foi de suma importância para os operadores do direito que, diante da omissão da norma eleitoral, puderam compreender a intenção do legislador ordinário, apresentando a abrangência da terminologia e as consequências decorrentes da ausência da certidão.
Entretanto, malgrado o parâmetro para o atual positivismo do conceito de quitação eleitoral, com o advento da Lei nº 12.034, de 29 de Setembro de 2009, percebeu-se que o escopo da norma não era exatamente aquele exteriorizado pelas Cortes Eleitorais, visto a dicção do artigo 11, §7º, in verbis:
Art. 11 [...]
§7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (grifou-se).
Observe, por conseguinte, que entre a jurisprudência que vigorava até então e a Lei nº 12.034/2009 existem consideráveis divergências, a saber: (i) outrora somente a apresentação de contas de campanha eleitoral não era suficiente à emissão da certidão de quitação eleitoral, sendo necessária a regularidade (aprovação ou aprovação com ressalva) das mesmas, o que, agora, é prescindível diante da inovação jurídica; (ii) os casos de quitação eleitoral eram exemplificativos e agora passam à categoria de numerus clausus, em razão da expressão "exclusividade" contida na redação do dispositivo em comento. Nesse diapasão, Thales Tácito Cerqueira leciona:
Todavia, o legislador foi claro ao determinar que, doravante, o TSE não pode mais criar modalidades de quitação eleitoral não prevista pelo Poder Legislativo, ou seja, de agora em adiante somente existem cinco modalidades de quitação eleitoral, rol taxativo que não permite ampliação, ainda que por resolução do TSE. [01] (grifou-se)
A regra interpretativa do §7°, do Artigo 11, Lei n° 9.504/1997, incluída pela Lei n° 12.034/2009, por ser resultado de interpretação autêntica do legislador, retroagirá à data da publicação da norma interpretada (Lei n° 9.504/1997), operando efeito ex tunc ao conceito compreendido pela jurisprudência de dantes.
Segundo percepção categórica do Ministro Luiz Fux [02], é indiscutível que a legislação eleitoral de cunho interpretativo se aplica aos acontecimentos oriundos das eleições pretéritas, desde que pendentes de julgamento. Segue-se, portanto, o entendimento do Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos: "a chamada lei interpretativa é lei nova e, como tal, só se aplica aos casos não definitivamente consolidados sob o pálio da lei interpretada" [03].
Indispensável, outrossim, é saber qual a natureza jurídica da quitação eleitoral. Dentre os doutrinadores não há consenso, sendo duas as correntes dominantes, quais sejam: (i) condição de elegibilidade explícita e (ii) natureza mista – condição de elegibilidade explícita e implícita. Melhor explicação fica a cargo do doutrinador Thales Tácito Cerqueira:
trata-se de uma condição de elegibilidade explícita do artigo 14, §3º, II (pleno exercício dos direitos políticos); logo, não está sujeita à preclusão, ou seja, ausente a quitação, caberá AIRC e, perdido o prazo desta, ainda caberia AIME e RCD; Corrente 2: inauguramos essa corrente ao afirmar, no tomo IV da nossa obra Tratado de direito eleitoral, que a quitação eleitoral tem natureza mista, ou seja, em regra, é uma condição de elegibilidade implícita e, excepcionalmente, uma condição de elegibilidade explícita (somente nos casos de perda ou suspensão dos direitos políticos). [04] (grifos do autor)Corrente 1:
Inobstante a substanciosa argumentação do autor em defesa de sua tese, acredita-se que a primeira corrente é a mais coerente com os preceitos legais, notadamente quanto à modalidade "pleno do gozo dos direitos políticos", porquanto, por força de uma interpretação sistemática, o artigo 15 está imbricado com o inciso II, §3º, do artigo 14, ambos da Constituição Federal, razão pela qual incide a exceção do artigo 259, do Código Eleitoral, em relação à preclusão, caso o legitimado perca a oportunidade de propor a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC.
Destarte, voltando ao cerne da matéria, diante da nova ordem jurídica eleitoral introduzida pela Lei n° 12.034/2009, a irregularidade (desaprovação) na prestação de contas de campanha não é óbice ao fornecimento da certidão de quitação eleitoral, sendo vedada a expedição do documento somente nos casos em que ela for julgada como não prestada.
2. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA ELEITORAL
A prestação de contas foi instituída com a finalidade de analisar a regularidade na arrecadação e gastos de recursos de campanha eleitoral, punindo o candidato pelos possíveis excessos que ocorreram durante o pleito, mormente quando caracterizada a prática de abuso do poder econômico.
Após vários escândalos acerca da prática de caixa dois nas campanhas eleitorais, na prestação de contas de campanha ficou mais evidente a necessidade de coibir a ilicitude, através de norma coercitiva forte. Com esse anseio, surge a minirreforma eleitoral de 2006, consubstanciada na Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006, tendo como destaque: (i) a responsabilidade solidária entre o candidato e o administrador financeiro; (ii) a obrigatoriedade de abertura da conta bancária, confirmando revogação da súmula nº 16, feita pelo TSE [05]; (iii) a identificação do doador dos recursos, nos termos do artigo 23, §4º, da Lei das Eleições; (iv) vedação de doação das instituições previstas no artigo 24, Lei das Eleições; (v) Representação Eleitoral por captação ilícita de recurso (Art. 30-A); e mudanças atinentes a propaganda eleitoral, condutas vedadas, entre outros.
Em relação ao procedimento empregado, a legislação prevê que os candidatos e comitês financeiros estão obrigados a prestar contas da arrecadação e gastos feitos na campanha eleitoral, apresentando relatórios dos recursos em dinheiro ou estimáveis em dinheiro, no curso do certame eleitoral, exigindo-se a indicação dos nomes dos doadores e os respectivos valores doados somente na prestação de contas final de que tratam os incisos III e IV do art. 29 da Lei nº 9.504/1997.
A entrega da documentação junto à Justiça Eleitoral deverá ocorrer até o trigésimo dia após a realização das eleições, sendo que a inobservância do prazo para encaminhamento das prestações de contas impede a diplomação dos eleitos, enquanto perdurar a omissão.
Após a verificação das contas de campanha eleitoral, emitido o parecer técnico acerca da sua regularidade (ou não), o Juízo Eleitoral decidirá da seguinte maneira: pela aprovação ou aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não comprometem a lisura, ou ainda pela desaprovação, quando existirem falhas consideradas insanáveis, e pela não prestação, quando não apresentadas as contas após a notificação emitida pela Justiça Eleitoral.
O presente estudo está intimamente ligado à hipótese de julgamento da prestação de contas, uma vez que existe uma intensa discussão sobre a impossibilidade de expedir a referida certidão quando as contas forem julgadas desaprovadas. Todavia, a nova dicção do §7º, do artigo 11, da Lei das Eleições afasta essa possibilidade, pois tal modalidade de quitação eleitoral diz respeito ao julgamento pela não apresentação das contas, nos moldes do artigo 30, IV, da Lei nº 9.504/1997.
A principal novidade trazida pela minirreforma política e eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034/2009) foi a judicialização da prestação de contas de campanha, que dantes tinha caráter administrativo, segundo a jurisprudência eleitoralista [06], o que impedia sua apreciação pelo Tribunal Superior Eleitoral em sede de Recurso Especial.
Por derradeiro, cumpre destacar e reiterar que os casos de irregularidades verificados na prestação de contas de campanha eleitoral não é impedimento à obtenção da quitação eleitoral, podendo ensejar, no entanto, a propositura da ação por captação ilícita de recursos, com supedâneo no artigo 30-A, da Lei 9.504/1997, que, uma vez comprovada (irregularidade ou abuso de poder), impedirá a diplomação do candidato, ou a cassação, se já houver sido outorgado, bem como a inelegibilidade do condenado por oito anos (cumulado com o artigo 1º, I, j, da LC n°64/1990).
Portanto, correta e irretorquível é a intenção do legislador, quando exclui do critério de quitação eleitoral a desaprovação da prestação de contas, posto que o remédio judicial cabível é o autorizado pelo artigo 30-A, da Lei das Eleições.
3. A POLÊMICA EM TORNO DA INTERPRETAÇÃO DO §7º, ART. 11, DA LEI N° 9.504/1997, À LUZ DOS PRECEDENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
O conceito de quitação eleitoral estabelecido pelo legislador já nasceu criando várias polêmicas e divergências entre doutrinadores e magistrados, notadamente quando se refere à modalidade de "apresentação de contas de campanha eleitoral".
Com a redação do artigo 41, §3°, da Resolução/TSE n° 22.715/2008, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu que "a decisão que desaprovar as contas de candidatos implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu", modulando através de resoluções as consequências da desaprovação das contas e a abrangência do conceito de quitação eleitoral.
Esse tipo de atitude é alarmante, uma vez que não cabe ao Poder Judiciário fazer interpretação extensiva em norma restritiva de direito, ou seja, percorrer caminhos não alcançados pelo Poder Legislativo, o que demonstra uma cristalina afronta à primazia da separação dos poderes.
No caso, a reprovabilidade das contas não impede a expedição da certidão de quitação eleitoral; pensamento contrário induz a interpretação extensiva, a qual restringe a participação do cidadão no processo eleitoral, prejudicando os direitos políticos a elegibilidade do cidadão e sua capacidade eleitoral passiva, estendendo, por conseguinte, uma sanção desconhecida pelo legislador, especialmente
Ocorre que, com o advento da Lei 12.034/2009, limitando o conceito de quitação eleitoral, o legislador expressou sua real intenção quanto ao termo, estabelecendo "exclusivamente" a "apresentação de contas de campanha" (art. 11, §7º) como obrigação à obtenção da certidão. Assim, afasta-se definitivamente a incidência 41, §3º, da Resolução/TSE n° 22.715/2008.
Tal divergência chegou ao pleno do Tribunal Superior Eleitoral, tendo a Colenda Corte expressado dois entendimentos heterogêneos sobre a mesma matéria, conforme se observa com a publicação do Informativo 30/2010, surgindo, por conseguinte, duas correntes distintas.
A primeira corrente, capitaneada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, parte da premissa de que o §7°, do artigo 11, da Lei das Eleições deve ser interpretado sistemática e teleologicamente, uma vez que "não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que teve suas contas desaprovadas", consoante ementa a seguir:
Ementa: PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUITAÇÃO ELEITORAL. LEI 12.034/2009. DEVER DE PRESTAR CONTAS À JUSTIÇA ELEITORAL. ARTS. 14, § 9º, E 17, III, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. MERA APRESENTAÇÃO DAS CONTAS. INSUFICIÊNCIA. NECESSIDADE DE APROVAÇÃO DAS CONTAS. SOLICITAÇÃO RESPONDIDA.
I – A exegese das normas do nosso sistema eleitoral deve ser pautada pela normalidade e a legitimidade do pleito, valores nos quais se inclui o dever de prestar contas à Justiça Eleitoral, nos termos dos arts. 14, § 9º, e 17, III, ambos da Constituição.
II – Não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que teve suas contas desaprovadas pelo órgão constitucionalmente competente.
III – Para os fins de quitação eleitoral será exigida, além dos demais requisitos estabelecidos em lei, a aprovação das contas de campanha eleitoral, não sendo suficiente sua simples apresentação. IV – Solicitação respondida. [07] (grifou-se)
Para chegar a esta conclusão, nos autos da Consulta (CTA) n° 594-59, o Ministro Lewandowski, acompanhado por uma apertada maioria, entendeu que:
Penso que, embora a literalidade da norma possa levar a esta primeira interpretação, a melhor solução passa por uma interpretação teleológica, que leve em consideração a finalidade dos preceitos que regulam essa fase do processo eleitoral. [...] Na verdade, posicionamento em sentido contrário esvaziaria por completo o processo de prestação de contas, fazendo desse importante instrumento de controle da normalidade e da legitimidade do pleito uma mera formalidade, sem repercussão direta na esfera jurídica do candidato. [08] (grifou-se).
Data maxima venia, ousa-se discordar do posicionamento do eminente redator do acórdão, porquanto o operador do direito poderá propor a representação eleitoral prevista no artigo 30-A, da Lei das Eleições, ocasionando, destarte, repercussão direta e nefasta na esfera jurídica do candidato, segundo considerações já levantadas.
A segunda corrente acerca da interpretação dada ao artigo 11, §7º, da Lei nº 9.504/1997, sob a regência do Ministro Arnaldo Versiani (relator), inobstante a derrota em um primeiro instante (CTA n° 594-59), retornou ao pleno da Corte para firmar um fortíssimo precedente no julgamento do Recurso Especial Eleitoral – REsp nº 4423-63, in verbis:
Registro. Quitação eleitoral. Desaprovação de contas de campanha.
1. A Lei n° 12.034/2009 trouxe novas regras no que tange à quitação eleitoral, alterando o art. 11 da Lei n° 9.504197, que, em seu § 7º, passou a dispor expressamente quais obrigações necessárias para a quitação eleitoral, entre elas exigindo tão somente a apresentação de contas de campanha eleitoral.
2. A desaprovação das contas não acarreta a falta de quitação eleitoral.
3. Eventuais irregularidades na prestação de contas relativas a arrecadação ou gastos de recursos de campanha podem fundamentar a representação objeto do art. 30-A da Lei n° 9.504197. Recurso especial provido. (grifou-se) [09]
O substancioso voto do Ministro-relator, corroborado com os fundamentos dos Ministros Hamilton Carvalhido e Aldir Passarinho Júnior, afirma acertadamente que a intenção do legislador deve ser aferida com base em interpretação literal e sistemática, porquanto, reitera-se, uma norma restritiva de direitos não pode ser interpretada de maneira extensiva, sob pena de restringir direitos e estabelecer sanções distintas das previstas pela lei eleitoral, o que é expressamente vedado pela exegese do artigo 105, da Lei n° 9.504/1997.
Ao explicar o seu voto, o Ministro Aldir Passarinho Júnior levantou uma situação interessante quanto à intenção do Legislativo em relação à expedição da certidão de quitação eleitoral, ao dizer que: "ficou muito claro, pelo histórico, que a vontade do legislador realmente foi a de limitar apenas à apresentação, e não necessariamente à aprovação" [10] (grifou-se). Realmente, se a norma de outrora previa que a desaprovação das contas impedia a obtenção da certidão de quitação eleitoral, e, atualmente, com a Lei n°12.034/2009 basta à sua apresentação regular, é porque a intenção do legislador foi depurar a interpretação que era prenunciada pelos Juízos Eleitorais.
Em sentido contrário, o Ministro Marco Aurélio Melo defendeu o posicionamento da primeira corrente, ao concluir que "a partir do momento em que ocorrida à rejeição, impossível é cogitar de quitação eleitoral. A quitação e a desaprovação das contas não coabitam o mesmo teto jurídico". [11]
Em relação à expressão "regular", esculpida no §4º, do artigo 26, da Resolução n° 23.221/2010, o Ministro Arnaldo Versiani fez a seguinte ponderação: "o adjetivo ‘regular’ está ali mencionado apenas para dizer que a prestação de contas deve conter todos os elementos necessários ao seu exame", sendo forçoso encaixar o termo na intenção pretendida pela primeira conferente, conclui-se.
Em síntese, no âmbito da Justiça Eleitoral, a tese da primeira corrente perdeu força por ter sido proferida em sede de processo administrativo, sendo relevante destacar que o entendimento jurisprudencial que merece ser abraçado, por ser precedente jurisdicional, é o firmado no julgamento do Respe n° nº 4423-63/RS, o qual se filia por entender sê-lo o mais coerente com a intenção do legislador e regra de regência.
CONCLUSÃO
Em razão do exposto, é imperioso concluir que, com o advento da Lei nº 12.034, de 29 de Setembro de 2009, o conceito de quitação eleitoral se restringe taxativamente as cinco modalidades previstas no §7º, do artigo11, da Lei das Eleições, quais sejam: "(i) plenitude do gozo dos direitos políticos, (ii) o regular exercício do voto, (iii) o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, (iv) a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e (v) a apresentação de contas de campanha eleitoral".
Em relação à última modalidade prevista no artigo em comento, a interpretação que melhor se aproxima da intenção do legislador é a que expressa à literalidade da norma, ou seja, a apresentação de contas de campanha eleitoral é suficiente para considera quite com a Justiça Eleitoral o cidadão que disputou mandato eletivo.
Portanto, finaliza-se ratificando atual entendimento do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, afirmando que "a desaprovação das contas não acarreta a falta de quitação eleitoral" (Respe nº 4423-63/RS), visto que interpretação extensiva que restringe diretamente a participação do cidadão no processo eleitoral (capacidade eleitoral passiva), face a impossibilidade de realizar o registro de candidatura, é expressamente vedada pelas regras de hermenêutica.
REFERÊNCIA
BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. Leis interpretativas e a aplicação do princípio da irretroatividade das leis. In: Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Anais: Biênio 1986/1988. Brasília, 1988. p. 148-150. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bd000028.pdf> Acesso: 15.10.2010.
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua. Reformas eleitorais comentadas – Lei nº 12.034/2009 (minirreforma política e eleitoral) e LC nº 135/2010 (ficha limpa) / Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira. São Paulo: Saraiva, 2010.
DA SILVA, José Afonso. Direito constitucional positivo. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica jurídica clássica. 3ª Ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.
TORRES, Fábio. A exigência de aprovação das contas para expedição de certidão de quitação eleitoral. Blog Adriano Soares da Costa. 11.08.2010. Disponível em: <http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com/search/label/quita%C3%A7%C3%A3o%20eleitoral> Acesso: 16.10.2010.
Internet:
Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: www.tse.jus.br
Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: www.stj.jus.br
Supremo Tribunal Federal. Disponível em: www.stf.jus.br
Notas
- CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua. Reformas eleitorais comentadas – Lei nº 12.034/2009 (minirreforma política e eleitoral) e LC nº 135/2010 (ficha limpa) / Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 92.
- STJ, EREsp 539.212/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 08/06/2005, DJ 27/06/2005 p. 216.
- BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. Leis interpretativas e a aplicação do princípio da irretroatividade das leis. In: Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Anais: Biênio 1986/1988. Brasília, 1988. p. 148-150. Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bd000028.pdf> Acesso: 15.10.2010.
- Op. Cit., p. 93
- TSE, Ac. de 6.6.2006 no AgRgAg no 6.813, rel. Min. Caputo Bastos; no mesmo sentido o Ac. de 28.11.2006 no AgRgAg no 6.637, rel. Min. Cesar Asfor Rocha.
- TSE, Res. no 22.702, de 14.2.2008, rel. Min. Gerardo Grossi.
- TSE, Processo Administrativo nº 594-59/DF. Relator originário: Ministro Arnaldo Versiani. Redator para o acórdão: Ministro Ricardo Lewandowski. DJE de 23.9.2010. Noticiado no informativo nº 23/2010.
- Op. cit, p. 16 e 17.
- TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 4423-63/RS, rel. Min. Arnaldo Versiani, em 28/9/2010. Informativo n° 30/2010.
- Op. cit., p. 24.
- Op.cit., 25.