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O mandado de injunção: origens e trajetória constituinte

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26/11/2010 às 17:31
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4. Conceituação e efeitos

A questão referente à conceituação do mandado de injunção está ligada diretamente com a de seus efeitos, já que dependendo do modo como se conceitue o instituto os seus efeitos e conseqüências serão diferentes. Para uma melhor análise e compreensão acerca desse tema adotamos a nomenclatura utilizada por Alexandre de Moraes (2000) devido ao seu cunho didático e abrangente da matéria, apesar de alguns autores, como Ronaldo Poletti (2000) por exemplo, não se enquadrarem especificamente em nenhuma das posições elencadas.

Deste modo, segundo Moraes (2000: p. 175) as diversas posições referentes aos efeitos do mandado de injunção seriam divididas em dois grandes grupos: concretista e não concretista. A posição concretista seria, por sua vez, subdividida em geral e individual, sendo que esta última pode, ainda, ser direta ou intermediária.

A posição concretista seria aquela segundo a qual o Poder Judiciário, ao julgar o mandado de injunção, poderia, através de uma decisão constitutiva, declarar a existência da omissão inconstitucional e ao mesmo tempo implementar o exercício do direito requerido, até a superveniente regulamentação. Pela concretista geral, a decisão referente ao mandado de injunção teria efeito erga omnes, através de uma normatividade geral. Já pela concretista individual, a decisão produziria efeitos apenas entre as partes, ou seja, beneficiaria somente o autor do mandado de injunção. Essa posição concretista individual se subdividiria em mais duas, a direta e a intermediária. Pela concretista individual direta, o Poder Judiciário ao julgar procedente o pedido deveria implementar a eficácia da norma em questão. Pela posição concretista individual intermediária, o juiz deveria assinalar um prazo para que o Poder Legislativo elaborasse a norma regulamentadora e, apenas quando esse prazo se esgotasse, fixaria posteriormente as condições necessárias ao exercício do direito obstado pela omissão inconstitucional. Por fim, pela posição não concretista, a finalidade única do mandado de injunção seria o reconhecimento formal da omissão, dando-se ciência ao órgão omisso (Moraes, 2000).

A posição dominante na doutrina nacional, conforme nos esclarece Hage (1999), converge no sentido de rejeitar a posição não concretista, mesmo que apresentem diferenças entre si. Tal posicionamento, contudo, não se refletiu nos contornos jurisprudenciais que o instituto passou a receber, assemelhando-se, muitas vezes, à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

O próprio Alexandre de Moraes (2000: p. 178) já citado esclarece que se filia à posição denominada concretista individual intermediária, pois considera que a mesma "adequa-se perfeitamente à idéia de Separação de Poderes". Canotilho (1993b), por sua vez, defende ser o mandado de injunção um mecanismo que visa viabilizar, num caso concreto, o exercício do direito que está obstado pela falta da norma regulamentadora, não constituindo numa pretensão à emanação de uma norma com eficácia erga omnes, aproximando-se da corrente concretista individual direta. Jorge Hage (1999: p. 118) também defende essa posição, acrescentando ainda que o mandado de injunção, como qualquer processo subjetivo, deve ter a sua decisão com eficácia apenas entre as partes, pois "não visa à defesa objetiva do ordenamento jurídico" e sim a viabilização do exercício de um direito obstado pela ausência de norma regulamentadora. Na defesa dessa corrente encontramos autores como: Velloso (1997); Bonavides (1996); Guerra Filho (2001); José Afonso da Silva (1998) entre outros.

Dentro da corrente concretista individual direta, poderíamos encontrar, ainda, àqueles que defendem que não há na decisão do mandado de injunção qualquer ação de cunho legislativo por parte do judiciário, mas sim a aplicação direta do preceito constitucional por força de sentença, como por exemplo Vieira (2002). Há também aqueles que entendem que deve haver a formulação de uma regra provisória, aplicável apenas para o caso concreto, como por exemplo José Carlos Barbosa Moreira (apud Hage, 1999). Essa divergência — que aparente ser mais de cunho filosófico — acaba não produzindo diferentes resultados, porque, de qualquer modo, se estará viabilizando o exercício do direito através da determinação de parâmetros para tanto, sejam eles estabelecidos na forma de uma norma jurídica ou não.

A posição concretista geral é defendida, por exemplo, por Vicente Greco Filho (apud Moraes, 2000), que considera ser possível ao Judiciário fazer a norma não elaborada pelo Legislativo, no sentido de viabilizar o exercício do direito constitucional. Já a posição não concretista, é acolhida por autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho (apud Moraes, 2000), Paulo Lúcio Nogueira (apud Moraes, 2000) e Gilmar Mendes (1996). O último autor citado defende, inclusive, que o mandado de injunção versaria sobre o controle abstrato da omissão inconstitucional e como tal deve ter eficácia erga omnes da mesma forma como tem a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Assim, os efeitos do mandado de injunção não poderiam se distanciar daqueles da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por ser também um processo objetivo, chegando a afirmar que (1996: p. 296):

"A posição do Supremo Tribunal Federal, que reconhece ter a decisão proferida no controle abstrato da omissão eficácia erga omnes, merece ser acolhida. É de excluir-se, de plano, a idéia de que a decisão proferida no controle abstrato da omissão deva ter eficácia inter partes, porque tais processos de garantia da Constituição, enquanto processos objetivos, não conhecem partes. As decisões proferidas nesses processos, tal como admitido pelo Tribunal, devem ser dotadas, necessariamente, de eficácia geral."

Há também autores que defendem posições que não se enquadram em nenhuma das nomenclaturas utilizadas, como por exemplo Ronaldo Poletti (2000) que considera só ser possível a impetração do mandado de injunção se houver uma declaração prévia da omissão numa ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Dentro da temática da realização constitucional, entendemos que a solução preconizada pela corrente concretista individual direta é a que melhor atende ao princípio da máxima efetividade, ou seja, é o que atribui maior eficácia ao instituto do mandado de injunção. A corrente concretista geral tem o problema de viabilizar não só o direito do impetrante, mas de todos os que estejam na mesma situação, o que, segundo nosso entendimento, foge à finalidade do instituto, sem contar na dificuldade de se ter uma norma editada de caráter genérico e abstrato e de eficácia erga omnes emanada pelo Judiciário.

Já a concretista individual intermediária tem o problema de postergar ainda mais a concretização do direito. Como disse o Ministro Marco Aurélio no seu voto no MI 283, o Congresso Nacional sabe que está omisso e o Judiciário não tem como compelir o mesmo a legislar nem mesmo na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que tem essa finalidade e faz parte do controle abstrato, quem dirá no mandado de injunção. Teríamos que esperar mais um prazo para que o direito seja viabilizado e não parece ser essa a finalidade do mandado de injunção. Entretanto, essa corrente pode ser capaz conciliar posições diversas acerca do instituto, podendo ser uma alternativa à posição não concretista.

A posição não concretista é, a nosso ver, a que mais se distancia do dever de se buscar pela realização da Constituição, dever esse que cabe em grande parte ao STF. A simples comunicação ao órgão omisso de que ele está em mora não é capaz de viabilizar o exercício do direito, conforme prevê o art. 5º, LXXI, da CF.


5. Conclusões

O Mandado de Injunção, tenha sido ou não sua origem marcada nos institutos similares do direito comparado, foi criado pela Assembléia Constituinte de 1988 em razão da preocupação em se evitar a chamada omissão constitucional, reconhecendo-se verdadeiro direito subjetivo à edição de normas. Ante tão relevante tarefa, o instituto não deve ser relegado ao esquecimento devido a sua trajetória de pouco sucesso até agora. Barroso (2002: p. 247) chega a chamar o mandado de injunção de algo "que foi sem nunca ter sido". Considero que não se deve deixar de lutar para que ele ainda seja algo. Seja um instrumento eficaz na viabilização dos direitos fundamentais, pois foi criado para tanto. E essa luta é também de todos nós, já que a tarefa da realização constitucional não é apenas dos que detém parte do poder estatal, mas também de todos que têm na Constituição a emanação de seus direitos e deveres.

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A postura da doutrina, entretanto, tem sido a de deixar de demonstrar seu inconformismo, agindo de forma ora derrotista, ora adesista, como se a posição jurisprudencial acerca do mandado de injunção fosse definitiva e impassível de mudança e questionamento. Ao lado da inércia dos poderes constituídos, a acomodação da comunidade jurídica é também um grande empecilho à efetividade do mandado de injunção e, por conseqüência, da realização constitucional.


6. Referências Bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 6ª ed. atual. São Paulo: Renovar, 2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador – contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2ª ed. Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2001.

. Direito constitucional. 6ª ed. revista. Coimbra, PT: Almedina, 1993a.

. Tomemos a sério o silêncio dos poderes público – o direito à emanação de normas jurídicas e a proteção judicial contra omissões normativas. In: As garantias do cidadão na justiça. Organizado por Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, p. 351-367, 1993b.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001.

HAGE, Jorge. A realização da constituição, a eficácia das normas constitucionais e o mandado de injunção. In: Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Ano 5, nº 9, p. 111-142, 1997.

. Omissão inconstitucional e direito subjetivo – uma apreciação da jurisprudência do STF sobre o mandado de injunção, à luz da doutrina contemporânea. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.

PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de injunção. São Paulo: Atlas, 1999.

POLLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

QUARESMA, Regina. O mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4ª ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2000.

. Curso de direito constitucional positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. 1ª ed. 2ª tiragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

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Sobre a autora
Marcela Albuquerque Maciel

Procuradora Federal junto à PFE/IBAMA. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário do Distrito Federal - UniDF. Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília - UnB. Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Marcela Albuquerque. O mandado de injunção: origens e trajetória constituinte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2704, 26 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17913. Acesso em: 6 mai. 2024.

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