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Competência cível da Justiça Militar Estadual

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5. Mandado de segurança contra ato disciplinar

O mandado de segurança é ação idônea para impugnar o ato disciplinar. De acordo com a Lei Federal nº 1.533/1951, é cabível mandado de segurança contra ato disciplinar, desde que este seja praticado por autoridade incompetente ou sem a observância de formalidade essencial. Portanto, a ação mandamental é meio próprio para impugnar ato disciplinar, desde que a discussão esteja restrita à competência e à forma, que são dois dos cinco elementos formadores do ato administrativo.

Maria Sylvia Zanella de Pietro ensina que existem duas concepções da forma como elemento do ato administrativo, uma restrita e "uma concepção ampla, que inclui no conceito de forma, não só a exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato". Assim, assevera a Doutrinadora que "(...) tanto a inobservância da forma como do procedimento produzem o mesmo resultado, ou seja, a ilicitude do ato. (...) Não há dúvidas, pois, que a observância das formalidades constitui requisito de validade do ato administrativo, de modo que o procedimento administrativo integra o conceito de forma" (2006, p. 217 e 218).

A doutrina e a jurisprudência também têm admitido a utilização do Mandado de Segurança para discutir todos os aspectos da legalidade do ato administrativo disciplinar. Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho esclarece que:

Diz a lei não ser cabível o mandado de segurança contra ato disciplinar, salvo quando haja vício na competência ou quando tenha sido inobservada formalidade essencial para a prática do ato. A intenção do legislador foi a de inadmitir o writ para discutir questões relacionadas ao mérito do ato disciplinar, vale dizer, àqueles aspectos de convencimento privativos do administrador público. O texto, entretanto, ficou aquém do que se pretendia. A interpretação que acabou prevalecendo nos Tribunais foi a de que é cabível o mandado contra ato disciplinar para questionar qualquer ponto relativo à legalidade do ato (e não somente à competência ou à formalidade essencial), e não contra o mérito administrativo. (2006, p. 848)

Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, por seu órgão pleno, que:

Mandado de segurança contra ato disciplinar. Remédio cabível, em tese, por se tratar de argüição objetiva de ilegalidade, fundada exclusivamente em matéria de direito, extrínseca aos motivos da demissão impugnada e alheia à necessidade de revisão de critério político ou discricionário da autoridade. (MS nº 21.001/DF)


6. Decisões liminares e tutela antecipada contra a Fazenda Pública

Questão que apresenta grande relevância nas causas propostas contra os atos disciplinares diz respeito à possibilidade de concessão de liminares e antecipação de tutela contra a fazenda pública.

O art. 1º da Lei 8.437/92 dispõe que não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal, bem como quando a medida esgotar, no todo ou em parte o objeto da lide. O art. 1º da Lei 9.494/97, por sua vez, determina que esta restrição aplica-se à antecipação de tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, e o art. 2-B estabelece que a sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, a inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores somente poderá ser executada após o seu trânsito em julgado.

As restrições estabelecidas acabam por tornar quase impossível a concessão de liminares e tutelas antecipadas contra a Fazenda Pública. A jurisprudência, no entanto, não acata estas vedações de maneira absoluta, por estabelecer restrições ao exercício da jurisdição que não encontram amparo na Constituição da República.

Vale notar que, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter concedido liminar na Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 04, reconhecendo a constitucionalidade do art. 1º da Lei Federal nº 9.494/97, tal decisão não veda a concessão da tutela antecipatória para garantir ao militar apenas o direito de permanecer em atividade. Aliás, este é o entendimento do órgão pleno da Suprema Corte, conforme se pode perceber da seguinte ementa:

EMENTA: RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 4. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REINTEGRAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCESSÃO DE EFEITOS FINANCEIROS PRETÉRITOS. DESCABIMENTO. 1. A concessão de tutela antecipada que não teve como pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9494/97, objeto de apreciação da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4, não enseja o ajuizamento de Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal. 2. O provimento antecipatório que se limita a restabelecer o status quo ante de servidor, abstendo-se de conceder o pagamento dos vencimentos atrasados, não configura afronta ao quanto decidido no julgado proferido na ADC 4. Agravo regimental desprovido. (Rcl-AgR 2421 / BA - Relator: Min. Eros Grau - Tribunal Pleno Julgamento: 23/09/2004, DJ 17-12-2004 PP-00032)


7. Prescrição dos direitos e Decadência das ações contra a Fazenda Pública

A Prescrição dos direitos ea decadência das ações contra a Fazenda Pública são questões de apresentam relevância para as causas cíveis da Justiça Militar. O art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 dispõe que:

Art. 1º - As dividas passivas da união, dos estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

O referido Decreto foi editado na era Vargas e foi recepcionado pela nova ordem constitucional com status de Lei Ordinária. Portanto, mesmo que se possa verificar qualquer causa de nulidade no ato administrativo disciplinar, deve enfrentar preliminarmente a questão relativa à prescrição dos direitos ea decadência das ações contra a Fazenda Pública.

O art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 estabelece o mesmo prazo para a perda do direito material e do direito de propor a ação judicial que o protege. Muito embora, seja mais técnico denominar de decadência o instituto que estabelece prazo para o exercício do direito de ação, a doutrina trata os institutos de mesma forma tendo em vista a produção dos mesmos efeitos. Nesse sentido, o Prof. José dos Santos Carvalho Filho esclarece:

"Prescrição é a perda da oportunidade de formular uma pretensão na via judicial em decorrência da inércia do titular do direito material. Em outras palavras, não é o direito material que se extingue, mas sim a pretensão à tutela, a ser requerida através da ação judicial. Como bem salienta CLÓVIS BEVILAQUA, "não é o fato de não se exercer o direito que lhe tira o vigor".E culmina rematando: "O que o torna inválido é o não-uso da sua propriedade defensiva, da ação que o reveste e protege". A inércia do titular não provoca a prescrição como penalidade. O que ocorre é que o tempo faz nascer e consolidar-se outras situações jurídicas contrárias ao direito e desse modo fica o titular do direito material sem condições jurídicas de defendê-lo contra essas novas situações.

A prescrição distingue-se da decadência. Aquela acarreta a perda da pretensão a ser formulada na ação, ou, como se diz na prática, a perda da ação; esta provoca a perda do próprio direito. Além disso, a prescrição se suspende ou se interrompe, ao passo que na decadência não há paralização do curso do prazo, a menos que a lei expressamente o admita. Essa é a sistemática agora adotada pelo vigente Código Civil (arts. 189 e 207).

O tema examinado neste tópico diz respeito à ocorrência da prescrição das ações de particulares contra a Fazenda Pública, ou seja, os casos em que o particular, titular do direito material em face da Fazenda, fica impossibilitado de ver a pretensão à tutela desse mesmo direito como objeto de apreciação judicial." (2006, p. 837-838)

Em muitos casos concretos, a propositura da ação civil contra o ato disciplinar na Justiça Militar ocorre após o prazo de cinco anos e não se pode mais examinar o mérito da pretensão anulatória do ato administrativo.

No entanto, a prescrição que ora nos ocupa a atenção também pode ocorrer após a propositura da ação civil. A propositura da ação judicial contra o ato administrativo disciplinar é causa de interrupção do prazo prescricional. O inciso I do art. 202 do Código Civil dispõe que o despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual, interrompe a prescrição. Tal interrupção, conforme o caput do referido dispositivo legal e o art. 8º do Decreto nº 20.910/32, somente poderá ocorrer uma vez. O § 1º do art. 219 do Código de Processo Civil, por outro lado, estabelece que a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.

Interrompida a contagem do prazo prescricional, este volta novamente a correr a partir da data da interrupção. Contudo, o art. 9º do dispõe que uma vez interrompida a prescrição o prazo recomeça a correr, pela metade.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece de maneira pacífica a aplicação do Decreto nº 20.910/32, que é norma especial em relação às disposições do Código Civil, como se pode constatar na decisão proferida no Recurso Especial nº 25.499/PR.

O prazo de cinco anos estabelecido pelo Decreto nº 20.910/1932 para a propositura da ação judicial que vise questionar a legalidade do ato administrativo disciplinar, contudo, não se confunde com a possibilidade de autocorreção pela administração pública.


8. Prescrição da ação disciplinar

A prescrição da pretensão punitiva da administração também constitui tema recorrente nas discussões levada à exame da Justiça Militar estadual e a única dificuldade que o tema apresenta reside no fato de que a legislação administrativa costuma se referir ao instituto como prescrição da "ação disciplinar".

No âmbito do direito administrativo, o instituto da prescrição tem aplicação em várias situações. Na síntese proposta por Elody Nassar:

Necessário destacar os diferentes sentidos em que se opera a denominada prescrição administrativa. São eles resultantes da:

a) perda do prazo para recorrer de decisão administrativa (administrado e servidor público);

b) perda do prazo para que a administração reveja os próprios atos (hipóteses de revogação, anulação, feitas espontaneamente ou, no caso de anulação, também por via do Judiciário);

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c) perda do prazo para a aplicação de penalidades administrativas. (2006, p. 36)

A espécie de prescrição administrativa que mais interessa aos casos examinados pela Justiça Militar é a que se relaciona à aplicação de sanções disciplinares. Nesse aspecto, a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho (2006, p. 798) e Hely Lopes Meireles (1995, p. 586), concebem a existência de um único prazo prescricional, que se relaciona ao poder de punir da administração.

A doutrina e a jurisprudência nacional entendem ser a prescrição um instituto de direito material que incide sobre a pretensão estatal. Nesse sentido, especificamente tratando da Prescrição Administrativa, confiram-se as lições dos doutrinadores Fábio Medina Osório (2005, p. 539-540); José dos Santos Carvalho Filho (2006, p. 798) e Elody Nassar (2006, p. 36).

A prescrição da pretensão punitiva das sanções disciplinares aplicadas aos militares da União obedece ao disposto na Lei Federal nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. O art. 142 da referida lei apresenta a seguinte redação:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

O § 3º do referido art. 142 da Lei Federal nº 8.112/90 dispõe expressamente que "a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente".

A norma administrativa refere-se expressamente à "prescrição da ação disciplinar". A interpretação que a doutrina confere ao texto normativo pode ser resumida nas palavras do prof. José dos Santos Carvalho Filho, para quem "isso significa que, se a Administração não aplicar essa punição no prazo legal, estará prescrito seu poder punitivo..." (2006, p. 798).

Pode-se perceber que o legislador socorreu-se de noções teóricas mais tradicionais, quando utilizou a expressão "prescrição da ação". A doutrina antiga denominava de prescrição da ação a prescrição que acontecia antes do trânsito em julgado da decisão condenatória e de prescrição da pena, da execução ou da condenação aquela que acontecia após o trânsito em julgado da condenação. A obra clássica de Franz Von Liszt, Tratado de Direito Penal Alemão (1899) trazia, em seu § 77, lições sobre a "prescripção da acção" e, em seu § 78, sobre a "prescripção da execução". Entre nós, a noção de prescrição da ação aparece em antigas lições como a de Galdino de Siqueira (1947, p. 826) e 828) e de Aloysio de Carvalho Filho (944, p. 213). O próprio Supremo Tribunal Federal, com base em decisões da década de 60, inseriu a expressão prescrição da ação no texto da Súmula nº 146, que dispõe que a prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.

O art. 124 do Código Penal Militar, que foi editado em 1969, ao tratar das espécies de prescrição, dispõe expressamente que a prescrição refere-se à ação penal ou à execução da pena. Embora a expressão prescrição da ação possa ser considerada tecnicamente incorreta, pode-se perceber que o estatuto repressivo da Justiça castrense a utiliza para designar a prescrição da pretensão punitiva, que acontece antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

A expressão prescrição da ação já é considerada de pouca técnica desde a edição do Código Penal Comum de 1940, sendo que sua exposição de motivos consignava, no item 35, que as denominações tradicionais de extinção da ação penal e da condenação expressavam conceitos reconhecidamente errôneos. Complementa a exposição de motivos, esclarecendo que "o que se extingue, antes de tudo, nos casos enumerados no artigo 108 do projeto, é o próprio direito de punir por parte do Estado...". Nos dias atuais, a doutrina concorda que a prescrição é instituto de direito material, que incide sobre a pretensão punitiva ou sobre a pretensão executória, e não sobre a ação ou condenação.

A doutrina do Direito Penal Militar é unânime em reconhecer que o Código Penal Militar utiliza a expressão "prescrição da ação" para designar o instituto da prescrição da pretensão punitiva.

Nesse sentido, o clássico Jorge Alberto Romeiro leciona que:

Diz o CPM que "a prescrição refere-se à ação penal ou à execução da pena" (art. 124), usando a fórmula "prescrição da ação penal" (art. 125 e seus §§) para designar a prescrição da pretensão punitiva, que não se identifica absolutamente com a ação penal, que por sua vez não prescreve (...).

O CPM vigente nada mais fez que exumar a desatualizada técnica dos velhos Códigos Penais comum de 1890 (arts. 78 e 79) e para a Armada de 1891 (arts. 65 e 66), só explicável pelo fato de, por ocasião da elaboração deles, ser ainda desconhecida, em nosso país, a moderna doutrina da autonomia do direito de ação penal, então confundindo com a pretensão punitiva. (1994, p. 299/300).

Esta também é a lição de Jorge César de Assis:

Basicamente, duas são as espécies de prescrição penal: prescrição da pretensão punitiva (impropriamente chamada de prescrição da ação) e, prescrição da "pretensão executória" (também chamada de "prescrição da condenação").

... Não obstante, pode ocorrer a prescrição antes ou durante a ação penal, a expressão empregada pelo CPM dá a entender que a prescrição atinge a própria ação penal, o que é incorreto. (2007, p. 124)

Este também foi o posicionamento manifestado pelo Exmo. Juiz Cel PM Rúbio Paulino Coelho no artigo A Prescrição Retroativa na Justiça Militar Estadual, publicado na Revista de Estudos e Informações nº 21. Sua Exa. esclarece que:

"Do ius puniendi estatal surge a pretensão punitiva e a pretensão executória. A primeira nasce com a prática do delito e se encerra com o trânsito em julgado da sentença, quando, então, passa a ter lugar a segunda, pela qual o Poder Judiciário executa a pena efetivamente imposta no decisum irrecorrível." (pág.14)

Na Justiça Militar de Minas Gerais a expressão prescrição da ação foi mal interpretada na definição que lhe deu a Resolução nº 3.666, de 2 de agosto de 2002, do Comandante-Geral da Polícia Militar o que levou a decisões divergentes e a insegurança na prestação jurisdicional. No entanto, o Tribunal de Justiça Militar conferiu tratamento adequado ao instituto da prescrição da pretensão punitiva da administração, por meio da Declaração Incidental de Inconstitucionalidade nº 01.

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Sobre o autor
Fernando Antonio Nogueira Galvão da Rocha

juiz civil do Tribunal de Justiça Militar, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Fernando Antonio Nogueira Galvão. Competência cível da Justiça Militar Estadual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2707, 29 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17930. Acesso em: 24 abr. 2024.

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