5. Conclusões
1. O inquérito civil é instrumento de atuação do Ministério público que se constitui numa sucessão de atos administrativos, orientados pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CR, art. 37, caput) e dotado de presunção de legitimidade.
2. Tais atos administrativos são dotados de presunção relativa de legitimidade, que admite prova em contrário, cabendo ao interessado alegar e provar o vício do ato (inversão do ônus da prova).
3. O inquérito civil é instrumento de construção de cidadania, eis que importante meio de colheita de provas para ajuizamento de medidas judiciais ou celebração de termo extrajudicial de ajuste de conduta, com a finalidade de proteger o regime democrático, a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis, objetivos institucionais do Ministério Público.
4. O inquérito civil não contém imputação, motivo pelo qual não exige contraditório, mas tem como um de seus princípios o da participatividade, sendo conveniente a participação da sociedade, de órgãos públicos relacionado ao objeto da investigação e, sempre, do investigado.
5. Fica ao critério do órgão ministerial que preside a investigação a escolha do momento apropriado para esta intervenção.
6. Três são, em resumo, os posicionamentos doutrinários sobre a validade do inquérito civil como prova: a) não tem qualquer valor eis que colhido em procedimento inquisitivo e, portanto, sem contraditório; b) possui valor relativo, a ser aferido pelo juiz segundo o sistema do livre convencimento motivado (CPC, art. 131); c) possui valor hierarquicamente superior, eis que se trata de ato administrativo.
7. O melhor entendimento é o contido no item "b" supra, eis que em consonância com o espírito do CPC (afastando o juízo apriorístico sobre a prova) mas atentando-se para a as características peculiares do inquérito civil, ato administrativo regido por princípios próprios (CR, art. 37, caput) e dotado de presunção de legitimidade, bem como às limitações impostas pela prova legal [38].
8. Em regra, a prova contida no inquérito civil não necessita ser repetida em juízo (CPC, art. 130), devendo ser fundamentada a decisão saneadora que assim não entender.
9. A confissão obtida no inquérito civil só não será admitida em juízo quando alegado e provado o vício que a maculou.
10. O art. 364 do CPC estabelece presunção absoluta de legitimidade no que tange aos documentos públicos, constituindo exemplo de prova legal que excepciona o sistema de livre convencimento motivado, não podendo o juiz decidir contrariamente aos documentos públicos contidos no inquérito civil.
11. A prova testemunhal produzida no inquérito só será repetida em juízo quando se verificar eventual vício ou incompletude nesta.
12. As perícias e constatações produzidas no inquérito não necessitam de repetição em juízo (CPC, art. 427), devendo ser fundamentada a decisão saneadora que assim não entender (CPC, art. 130).
13. Os fatos devidamente demonstrados através de provas reunidas no inquérito civil, após contraditados em juízo, restam judicializados, fazendo prova do fato constitutivo do autor da ação, e impondo ao réu o ônus da contraprova, nos termos do art. 333, incisos. I e II, do CPC.
14. Caso o réu não indique novas provas a serem produzidas em juízo, justificando sua pertinência, o juiz deverá julgar imediatamente o pedido (CPC, art. 330).
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Notas
- O inquérito civil, p. 104.
- Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 127.
- Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, p. 122.
- Ação civil pública: enfoques trabalhistas, p. 175.
- Entretanto, a publicidade é regra que comporta exceção, quando o presidente do inquérito poderá restringi-la por ato expresso e fundamentado (art. 93, IX, da Constituição da República), determinando o sigilo com a finalidade de garantir da ordem pública ou proteger a eficiência das investigações, a intimidade, a privacidade e especialmente o sigilo bancário, fiscal ou de outros dados pessoais.
- Cf. SOUZA, Motauri Ciochetti de. Ação civil pública e inquérito civil, pp. 86-87.
- Cf. ABELHA, Marcelo. Ação civil pública e Meio Ambiente, pp. 105-111.
- Ob. cit., p. 105.
- Ob. cit., p. 106.
- Inquérito civil: dez anos de um instrumento de cidadania. São Paulo: Revista dos Tribunais, MILARÉ, Édis (coord.). Ação Civil Pública: Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, p. 62-69, apud SALGADO FILHO, Nilo Spínola, Inquérito Civil. Dissertação (mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 38.
- Os atos praticados pelos particulares são regidos por normas de direito privado. Assim, enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. Em outras palavras, enquanto o particular tem a faculdade de agir (fazendo qualquer coisa que a lei não proíba), o agente público tem o dever de agir (nos estritos limites da lei).
- BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, p. 159.
- Ob. cit., p. 160.
- Curso de Direito Administrativo brasileiro, p. 141.
- Direito Administrativo brasileiro, p. 191.
- Idem, p. 192.
- Direito Administrativo moderno, p. 155.
- Curso de Direito Administrativo, p. 439, apud SALGADO FILHO, Nilo Spínola. Ob cit., p. 171.
- Ação civil pública ambiental: a experiência brasileira, análise de jurisprudência, in Revista de Direito Ambiental, v. 33, p. 191.
- Curso de Direito Administrativo, pp. 369-370.
- Curso de Direito Administrativo, p. 175.
- Cf. SOUZA, Motauri Ciochetti de. Ação civil pública e inquérito civil, p. 97, inclusive amparado por Hugo Nigro Mazzilli. Contra, entendendo ser possível a obtenção de qualquer tipo de informação: NERY JUNIOR, Nelson; e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1351.
- Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, p. 11.
- Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 431.
- Ob. cit., pp. 350-351.
- Afastou-se assim, pelo menor em regra, o sistema da prova legal (ou tarifada) no qual a lei fixa detalhadamente o valor a ser atribuído a cada meio de prova e o sistema da livre convicção ou da convicção íntima, segundo o qual o juiz não está vinculado a qualquer regra legal, sendo absolutamente livre para apreciar as provas (este segundo não constando de "nenhuma legislação de povo civilizado", conforme afirma Moacyr Amaral dos Santos, ob. cit., p. 358).
- Idem, p. 359.
- Ob cit., p. 481.
- COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual civil, p. 136.
- Idem, pp. 162-163
- CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, p. 350.
- "O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença."
- PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito Civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da ampliação do acesso à justiça, p. 111.
- Idem,p. 117.
- Direito Ambiental, pp. 174-175.
- RANGEL, Rui Manoel de Freitas. O Ónus da prova no Processo Civil, p. 191.
- Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa, O novo processo civil brasileiro, p. 95, para quem não pode o juiz "nesses casos, deixar a seu talante de proferi-la antecipadamente: nenhuma discrição lhe concede a lei a este respeito.".
- "O princípio do livre convencimento motivado do juiz (CPC 131) encontra limite nas provas legais (...) Se a prova legal existir validamente, o juiz não poderá deixar de lhe atribuir o valor probante que a lei lhe confere." (NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 717).