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Melhor interesse da criança: critério para atribuição da guarda unilateral à luz dos ordenamentos brasileiro e português

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08/12/2010 às 09:45
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O melhor interesse da criança deve ser o critério norteador de toda e qualquer decisão. Como se dá a aplicação prática de tal critério? Quais são os vetores que levam à sua concretização?

RESUMO: É fato notório que não apenas na seara da atribuição de guarda, mas em todas as questões relativas a menores, o melhor interesse da criança deve ser o critério norteador de toda e qualquer decisão. Entretanto, não é um preceito genérico. Sua eficácia só está garantida quando referida ao interesse de cada criança.

Neste sentido, questiona-se: como se dá a aplicação prática de tal critério? Quais são os elementos, os vetores que levam à sua concretização? O escopo do presente estudo é evidenciar os fatores predominantemente encontrados na doutrina e na prática judicial, indicando a sua relevância para a materialização genuína do interesse do menor, oferecendo um panorama da temática, numa perspectiva comparada entre os ordenamentos brasileiro e português.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Guarda vs. Exercício unilateral do poder familiar (ou responsabilidades parentais) 2. Guarda unilateral; 3. Critério para atribuição da guarda; 3.1 O melhor interesse da criança; 3.2 Aplicação prática do critério: sub-critérios; 3.2.1 A culpa na separação e no divórcio; 3.2.2 A presunção maternal; 3.2.3 A preferência da criança; 3.2.4 A não separação dos irmãos; 3.2.5 A capacidade educativa dos pais; 3.2.6 A capacidade econômica dos pais; 3.2.7 O progenitor que favorece mais as relações do menor com o outro progenitor; 3.2.8 A qualidade e consistência das relações afetivas da criança com os pais; 3.2.9 A continuidade das relações da criança; 3.2.10 A identidade de sexo entre a criança e o progenitor; 3.2.11 A conduta moral dos pais – em particular, a questão da homossexualidade; 3.2.12 A figura primária de referência; Considerações finais

PALAVRAS-CHAVE: guarda; poder familiar; responsabilidades parentais; direito de família; melhor interesse da criança.


Introdução

A guarda compõe a estrutura do poder familiar, estando inserida naquele conjunto, uma vez que entre os direitos-deveres que a lei civil impõe aos pais em relação aos seus filhos, está a guarda. Os institutos da guarda e do poder paternal ou familiar, no Brasil, não se confundem. Entretanto, na ocorrência de separação ou divórcio em Portugal, muito distinta era a situação. Aquele que não detivesse a guarda, muito embora não perdesse a titularidade do poder paternal, se via privado do exercício do mesmo.

Assim, é fundamental acentuar tal questão, uma vez que em Portugal, na prática, guarda e poder paternal possuíam conteúdo operante igual, havendo uma "confusão" dos institutos, até pouco tempo atrás. Em virtude do advento da Lei n. 61/2008 de 31 de Outubro [01], pode-se dizer que existe, atualmente, uma conexão da guarda física com o exercício unilateral das responsabilidades parentais.

O modelo tradicional, em Portugal é a guarda única. No Brasil, era o modelo clássico até o advento da Lei n. 11.698, de 13 de junho de 2008, que instituiu e regulou a guarda compartilhada, a qual passou a ser o modelo automaticamente aplicável, de acordo com exegese do § 2º do art. 1584, que reza que: "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada." Assim, mesmo não havendo acordo dos pais em relação à guarda compartilhada, a mesma ainda poderá ser o modelo determinado pelo Magistrado, se restar provado que está de acordo com o superior interesse da criança. Entretanto, em última ratio, a guarda unilateral poderá ser deferida pelo juiz, assim como requerida pelas partes.

Complexidade extrema emana quando invade-se uma questão de suma importância na seara da atribuição de guarda, para não dizer a mais importante, a saber: o discernimento crítico para atribuição de tal prerrogativa. É notório que o interesse da criança é o critério norteador de praticamente todas as questões relativas aos menores, dentro do Direito de Família. Entretanto, não é um preceito genérico que valha para todos os casos.

Questiona-se: como se dá a aplicação prática de tal critério? Quais são os elementos, os vetores que levam à sua concretização? No presente trabalho, tenta-se evidenciar os fatores predominantemente encontrados na doutrina e na prática judicial, indicando a sua relevância para a materialização genuína do interesse do menor, oferecendo um panorama da temática, numa perspectiva comparada entre os ordenamentos brasileiro e português exibindo, dentro do possível, toda a problemática que possa ser originada, assim como apresentar o posicionamento jurisprudencial de ambos os países.


1.Guarda vs. Exercício Unilateral do Poder Familiar (ou Responsabilidades Parentais)

O termo guarda teve sua origem nos vocábulos guardare (latim)e wardem (alemão), podendo ser traduzido nas elocuções conservar, vigiar, proteger, olhar. Nas palavras de Guilherme Strenger guarda de filhos seria "o poder-dever submetido a um regime jurídico-legal, de modo a facultar a quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar nessa condição". [02]

Destarte, pode-se asseverar que, guarda de menores ou filhos é o complexo de relações jurídicas entre um indivíduo e o menor, resultantes do fato deste estar submetido ao poder ou à companhia daquele, e da responsabilidade daquele em relação ao infante, no tocante à educação, direção e vigilância.

Deste modo, é manifesto que a guarda compõe a estrutura do poder familiar, que está inserta naquele conjunto, uma vez que entre os direitos-deveres que a lei civil impõe aos progenitores em relação à sua prole, se faz presente a guarda. [03]

A Constituição da República Portuguesa, em seu art. 36º, n. 5, consagra a isonomia entre homem e mulher, uma vez que em tal dispositivo encontra-se a previsão de que o poder paternal é um direito e dever de ambos os pais. Todavia, na ocorrência de uma separação, o poder paternal era, via de regra, confiado ao genitor a quem for deferida a guarda. Aquele que não detiver a guarda, muito embora não perca a sua titularidade, se via privado do exercício assim como da participação das decisões concernentes à educação do filho, de acordo com o disposto no art. 1906º do Código Civil português, que teve sua redação modificada pela Nova Lei do Divórcio.

Em Portugal, com a reforma de 1977 ocorreu aclamação do princípio do exercício exclusivo do poder paternal pelo pai que obteve a guarda do infante, originando, desta forma, ligação instantânea entre exercício do poder paternal e guarda. [04] Tal fato se manteve até o ano de 2008, quando a Lei n. 61/2008 de 31 de Outubro alterou o regime jurídico do divórcio, modificando significativamente tal situação. [05]

Ao progenitor não guardião cabia, até o ano de 2008, unicamente a possibilidade de visitar sua prole, mantendo assim, relações pessoais, bem como a prerrogativa de fiscalizar o modo como estão sendo educados pelo genitor que possui a guarda. Assim, ficava ele desprovido de poderes decisórios em relação aos filhos. Desta forma, cabia ao mesmo, como opina boa parte da doutrina, apenas o papel de "observador passivo". [06]

Atualmente, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, da mesma forma em que eram levadas a cabo na constância do casamento, exceto na ocorrência de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir unilateralmente, devendo informar o outro progenitor assim que possível. [07] Note-se que tais disposições também são aplicáveis aos casais que vivam em união de facto, [08] e também aos que não vivam em condições análogas à dos cônjuges, [09] desde que a filiação esteja estabelecida quanto a ambos.

Considerável é a diferença, nessa seara, em comparação ao ordenamento brasileiro, tendo em vista que a guarda exclusiva, em Portugal, está diretamente conectada ao exercício unilateral do poder paternal. Na prática, guarda e poder paternal possuem conteúdo operante igual. [10] Não obstante a modificação terminológica e substancial trazida pela nova normativa, ainda se observa uma ligação entre a guarda física e o exercício unilateral das responsabilidades parentais, em virtude do disposto no art. 1906º, n. 3, do Código Civil português, onde está disposto que, "o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe aoprogenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente".

O que se busca, segundo os que defendem a postura normativa e ligação entre exercício unilateral das responsabilidades parentais e guarda, é a unidade na educação da criança, além de obstar a presença do filho em ambiente aguerrido, oriundo da altercação entre os pais. Existem também outros motivos de natureza prática, como o de afastar dificuldades do genitor guardião em obter a anuência do outro, relativamente às decisões importantes da vida do infante.

Todavia, os que se posicionam em sentido contrário alegam que esse sistema leva a um rompimento nos laços afetivos da criança com o genitor que não detém a guarda, coibindo-o de participar na educação da criança e cooperar para a formação da sua personalidade e seu brio. Tal entendimento não deixa de merecer concordância, tendo em vista que a limitação da relação entre a prole e o pai ou mãe que não possui a guarda às visitas e à vigilância leva a uma grave confinação de uma relação, que por si só é sublime.

Importante relembrar que as hipóteses, no Brasil, de exercício unilateral do poder familiar são aquelas em que apenas um dos progenitores exerce a função, tendo em vista que o outro se encontra impossibilitado, por falta ou impedimento. Faz-se presente a ocorrência da concentração do exercício desse múnus em apenas um dos progenitores, sem qualquer cooperação do outro. [11]

O ordenamento jurídico brasileiro só se refere a essa modalidade de exercício do poder familiar na ocorrência da falta ou impedimento de um dos progenitores (morte ou ausência judicialmente declarada [12], suspensão ou perda do poder familiar, interdição judicial [13]), quando ao outro competirá o poder com exclusividade. [14] E no caso do filho não reconhecido pelo pai, evidentemente, a mãe deterá o poder familiar privativamente. [15]


2.Guarda unilateral

É fato notório que a guarda única é o modelo clássico e arraigado em muitas das civilizações. Para chegar a tal conclusão, basta uma ligeira análise da prática judiciária ao redor do mundo pois, até mesmo nos Estados onde existem outros modelos de guarda, tal modalidade ainda é a mais praticada.

Por exemplo, em Portugal, desde que a filiação esteja estabelecida em relação a ambos os pais, em caso de divórcio, separação de pessoas e bens, separação de fato e término da união de facto por vontade de um dos partícipes, as responsabiliades parentais poderão ser exercido em comum por ambos os pais, desde que tenha havido acordo entre eles, de acordo com os arts. 1906º n. 1, 1909º e 1912º do Diploma Civil português. [16] Note-se, no entanto, que em virtude da Lei n. 61/2008, mesmo sem acordo, as questões de particular importância são exercidas em comum por ambos os progenitores, a não ser que o Tribunal entenda ser contrário ao melhor interesse da criança.

Entretanto, na ocorrência do divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, a guarda, no aspecto físico, continua sendo uma prerrogativa inevitavelmente privativa. Com a reforma de 77, tal exclusividade foi amplificada, passando a abarcar os outros poderes-deveres contidos no poder paternal. Dessa forma, de acordo com o modelo tradicional, asseverado pela legislação lusitana, a guarda é concedida a somente uma pessoa, podendo ser o pai, a mãe ou uma terceira pessoa, estabelecimento educacional ou assistencial. [17]

No ordenamento brasileiro, na ocorrência de separação ou divórcio, até pouquíssimo tempo atrás, era sistemático o deferimento da guarda a um só dos genitores, justificando assim a unanimidade ainda encontrada na jurisprudência [18]. Todavia, o fim da relação dos pais não possui o poder de trazer modificação de qualquer natureza no poder familiar, relativamente aos filhos. Todos os direitos e deveres resultantes do poder familiar perduram mesmo na ocorrência da separação ou divórcio dos pais. O mesmo se verifica no caso do desfazimento da união estável, caso em que os direitos e deveres dos progenitores em relação aos filhos também persistem.

Como já referido anteriormente, no Brasil, a guarda constitui somente um dos aspectos do poder familiar, sendo um complemento imprescindível dos deveres de educação e criação. [19] O falta de convivência no mesmo ambiente físico não exclui nem limita o poder-dever dos progenitores, salvo em relação à questão de ter os filhos em sua companhia. O que ocorre é uma "graduação de intensidade", não existindo, entretanto, limitação no tocante à titularidade do dever, [20] ou seja, existe uma fragmentação de um dos aspectos do poder familiar. Assim, é mister reafirmar que o deferimento da guarda exclusiva, no Brasil, não implica no exercício unilateral do poder familiar.


3.Critério para atribuição da guarda

3.1Melhor interesse da criança

O critério jurídico unânime, para escolher o indivíduo a quem a guarda do infante será entregue, é o melhor interesse da criança ou superior interesse da criança. Entretanto, conceituar o interesse da criança [21] é tarefa complexa, de difícil concretização. Pode-se dizer que se trata de um "conceito jurídico indeterminado". [22] O legislador concluiu que a letra fria da lei não conseguiria capturar o fenômeno da família na sua vasta variedade e complexidade infindável.

O princípio do interesse do menor obteve tamanha preeminência na seara do Direito de Família que passou a ser o elemento norteador dos ordenamentos, nesse âmbito. Assim, o legislador, tanto no caso brasileiro, como no português indicou que o Juiz e o Tribunal devem solucionar as divergências nesse campo, levando sempre em consideração o melhor interesse da criança. A utilização deste conceito pelo legislador permite um alargamento dos poderes avaliativos do Magistrado e atribui ao mesmo o poderio de julgar convenientemente. [23]

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Vale ressaltar ainda que, tendo em vista o contato intenso com a realidade e a complexidade de se utilizar, na seara do Direito de Família, conceitos rígidos e absolutos, o interesse do menor não é um preceito genérico que valha para todos os casos. Na opinião de Maria Clara Sottomayor "este critério só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças." [24]

Diante de todo o exposto, pode-se tentar delinear o interesse do menor como sendo todos os critérios de avaliação e resolução que possam conduzir à certeza de que estão sendo atendidos todos os propósitos, que levam ao esperado desenvolvimento educacional, ético e de saúde da criança, de acordo com os cânones vigentes.

3.2Aplicação prática do critério: sub-critérios

Em virtude dos conceitos vagos e genéricos que norteiam o Direito de Família, é impossível, nesse campo, não evocar a prática judicial para saber como a matéria é tratada, quais os fatores que orientam os magistrados na procura da concretização desse interesse.

Da análise jurisprudencial dimanam diversos sub-critérios ou elementos que auxiliam como sustentáculo para a determinação do interesse da criança. Tais elementos são tantos e tão dissemelhantes quanto as situações que emergem diante dos Tribunais. Todavia, apesar da diversidade é viável tentar proceder à criação de um rol dos mesmos.

O processo utilizado para determinar o interesse do menor abrange, desta forma, uma pluridade de fatores. Tendo em vista a impossibilidade de determinar, num primeiro momento, um interesse que se aplique para todas as crianças de determinada idade ou sexo, deve se proceder a uma determinação individualizada, para cada infante. Os critérios, que serão discorridos a seguir, não são inalteráveis ou assentes. Aí se encontra o esteio para a manutenção de um espaço decisório, onde o Magistrado poderá arbitrar discricionariamente. [25]

3.2.1.A culpa na separação e divórcio

No ordenamento brasileiro prístino (CC 1916), a questão da guarda vinha vinculada ao comportamento dos consortes na constância do matrimônio. Tal fato era de tamanha relevância que, normalmente, ao cônjuge inocente era conferida a guarda do filho. Tal critério vinha acompanhado de um certo teor punitivo, dada a necessidade de se apontar um culpado pela separação, para que o "prêmio", [26] a guarda do filho, fosse entregue ao outro, "inocente".

Se houvesse culpa recíproca, os filhos poderiam permanecer com a mãe, se o magistrado se certificasse que os infantes não sofreriam danos de natureza moral. Entretanto, se a mãe fosse a única culpada, à mesma não poderia ser concedida a guarda dos filhos, mesmo que se tratassem de crianças de tenra idade.

A Lei do Divórcio também dava preferência ao deferimento da guarda ao cônjuge inocente, todavia, era permitido que, diante das circunstâncias do caso concreto, o juiz decidisse de forma distinta pelo interesse do menor.

O princípio da isonomia entre homem e mulher e a necessidade de proteção, primeiramente, do interesse da criança fizeram com que a doutrina e a jurisprudência abandonassem o rigor excessivo da letra fria da lei. E, assim, passassem a desconectar o deferimento da guarda dos filhos da verificação de culpa de um dos pais pelo processo de separação. [27] Desta forma, de acordo com o Diploma Civil atual, diferentemente do que acontecia no período de vigência do CC de 1916, a culpa pela separação não ensejará a perda compulsória da guarda dos filhos. [28] A mesma será deferida a quem revelar melhores condições de exercê-la, podendo até mesmo ser concedida a um terceiro, inclusive da família do cônjuge culpado pela separação.

Em Portugal, à semelhança do que acontecia no Brasil num passado não muito distante, normalmente a criança era confiada ao cônjuge inocente. Todavia, como também ocorria no Brasil após o advento da Lei do Divórcio, a lei facultava ao juiz decidir em sentido contrário, se fosse em prol do interesse da criança.

A utilização desse critério mostrava conexão com a idéia do divórcio-sanção, com o propósito de penalizar aquele que deu causa à separação. Havia ainda, uma errônea presunção de que o cônjuge culpado não era o mais indicado para obter a guarda do filho, como se a relação dos pais tivesse alguma conseqüência na relação dos mesmos com os filhos. Todavia, com a nova Lei do Divórcio, a perquirição da culpa deixou de existir, passando dos planos dos fatos, para o plano legal, como reza a nova redação do art. 1781º, "d", do CC português, onde está disposto que constitui fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges quaisquer fatos que, independentemente da culpa dos cônjuges demonstrem a ruptura definitiva do casamento.

Com a evolução social, se alastrou o entendimento de que o plano marital não possui conexão direta com o plano das relações paterno-filiais e, assim sendo, desvaneceu a idéia de que a culpa de um dos pais na separação é sinônimo de incapacidade educativa. Também se enraizou a idéia de que a escolha de um dos pais não deve ser entendida como uma sanção aplicada ao outro, mas sim a aplicação prática do interesse do menor.

De maneira alguma, as relações paterno-filiais podem ser confundidas com as relações conjugais. O fato de haver desamor entre os pais não indica que um ou outro tenha mais ou menos capacidade educativa para com os filhos. Salvo, obviamente, nos casos de violência doméstica ou outro tipo de falta grave que, decerto, demonstra que o indivíduo não tem capacidade de cuidar da sua prole.

3.2.2.Presunção maternal

Na época da vigência da Lei do Divórcio no Brasil, na seara da guarda de filhos, era dada preferência à mãe, quando houvesse culpa de ambos os cônjuges. Trata-se de princípio recolhido, inclusive ultrapassado, tendo em vista que, noutros tempos, a mulher, via de regra, era senhora do lar que se devotava à criação dos filhos e também ao lar, razão pela qual poderia ser tida como a mais indicada para cuidar da prole. Todavia, com a evolução social, a mulher assim como o homem exerce uma profissão e divide com o marido as tarefas domésticas, cabendo ao juiz, apreciar o caso concreto para determinar quem possui melhores condições para cuidar dos filhos.

O fato é que, não se pode presumir ser a mãe a pessoa mais indicada para cuidar da prole, de maneira à colocá-la em posição de prevalência em relação ao outro progenitor. Na doutrina, assim como na jurisprudência, este princípio encontra grande acolhimento quando se trata de menor de tenra idade. Nas palavras de Marcial Casabona, "os menores de tenra idade, por uma questão de natureza (amamentação), em princípio devem ficar preferencialmente com a mãe. [29] Existe um entendimento doutrinário de que, na primeira infância, a criança possui maior vinculação com a mãe, sendo esta uma fase da vida em que a personalidade do infante se desenvolve por instintos, devendo o deferimento da guarda fundamentar-se numa valoração de quem poderá ser mais sensível, afetuoso e terno, valores inerentes à maternidade. [30] À primeira vista, a presunção maternal relativamente às crianças de tenra idade possui todas as ferramentas para se transformar em um princípio de aplicação automática. Entretanto, não deverá sê-lo, em nome, mais uma vez, do melhor interesse da criança.

Num mundo "perfeito", presume-se que a mãe de uma criança pequena seja a pessoa mais indicada para cuidá-la. Mas nem sempre é o que acontece no caso concreto. Foi-se o tempo em que apenas as mulheres sabiam trocar fraldas e preparar mamadeiras. [31] Na atualidade, inúmeros são os casos de pais que cuidam dos filhos não só desde a tenra idade como, às vezes, desde o nascimento. [32] Mais uma vez, vale relembrar que se deve levar em consideração o fator idade do menor mas ponderando-o com vários outros critérios, que serão discorridos adiante.

Em Portugal, normalmente, as sentenças contêm os seguintes termos: "a criança de tenra idade não deve, salvo circunstâncias excepcionais, ser separada da mãe." Este princípio possui o poder de uma presunção judicial, contestável através de prova de incapacidade da mãe. Neste caso, pode-se dizer que há um desvirtuamento do "objeto", tendo em vista que se tira a tônica da averiguação da relação afetiva da mãe com o filho e da assistência que a mesma presta à prole, para se voltar para a valoração da capacidade ou incapacidade da mãe, normalmente fazendo essa ponderação pela avaliação do caráter, da suposta moralidade ou imoralidade da mãe. [33]

Pouco importa se a mãe é uma mulher tradicional, pura e casta, importando sim a capacidade que a mesma possui de cuidar da prole, de contribuir para o seu desenvolvimento. Uma valoração de caráter da mulher só teria importância se o seu comportamento fosse de tamanha amoralidade que pudesse prejudicar seus filhos.

Na opinião de Maria Clara Sottomayor [34], esta solução afasta a investigação judicial dos fatores relevantes para o interesse do menor. A mesma autora opina no sentido de que, com o desuso da preferência maternal, resta aos Magistrados decidirem de acordo com a orientação da lei (que faz menção apenas ao interesse da criança), analisando minuciosamente todos os fatores relativos ao caso. [35]

O fato é que, tanto no Brasil como em Portugal, sem sombra de dúvidas, existe um número consideravelmente maior de deferimentos de guarda materna, do que de guarda paterna.

3.2.3A preferência da criança

Este princípio, remete a uma evolução experimentada pelo Direito de Família, tanto no Brasil como em Portugal. Só o fato de se cogitar dar peso às declarações de uma criança, mostra que a mesma deixou de ser tratado como um "objeto" [36], para ser caracterizada como um sujeito de direitos, que possui a prerrogativa de se pronunciar sobre uma questão fundamental na sua vida.

Neste sentido, entende-se que o respeito pela predileção da criança envolve duas faces: a vontade da criança como ato de expressão da vontade e como determinação das afeições, antipatias e vínculos em relação aos progenitores. [37]

Na avaliação do peso a ser conferido às declarações de vontade da criança, a jurisprudência tem levado em consideração determinados aspectos, como a idade do menor [38], a sua maturidade assim como a intensidade com que a sua preferência foi manifestada. Entende-se que a manifestação, neste sentido, de um adolescente seria vinculativa, enquanto a de uma criança de tenra idade não. Vale ressaltar que essa vinculação apenas se daria se o progenitor "preferido" não fosse incapaz ou notoriamente inidôneo. [39]

Na doutrina brasileira, entende-se que é importante que a criança seja ouvida se já tiver uma idade de maior compreensão. Todavia, a participação da criança não pode nem constituir um ônus imposto [40], nem representar a imposição de uma decisão por parte do jovem. [41]

Na doutrina portuguesa [42], encontra-se críticas à possibilidade de o juiz considerar a preferência da criança vinculativa. Entende-se que se trata apenas de um elemento a ser considerado conjuntamente com outros tantos e que se o resultado da análise factual mostrar que a preferência da criança vai contra o seu próprio interesse, o Magistrado poderá decidir em sentido contrário. Não obstante, parece que no caso de um adolescente, o entendimento é um pouco diverso, se considerando a expressão da vontade vinculativa, desde que a preferência não tenha sido manifestada por pressão de um dos progenitores ou ainda de um terceiro. A autonomia do adolescente deverá ser respeitada, salvo nos casos em que a preferência revelar perigo para a segurança, saúde, formação ética ou educacional do mesmo, quando a decisão do juiz poderá e tem por obrigação ser contrária à vontade daquele.

O que se deve ter em mente é que, o menor jamais deverá ser obrigado a comparecer em juízo, para declarar que prefere este ou aquele progenitor. Um ônus dessa natureza, poderia ocasionar sérios prejuízos psicológicos para o infante. Todavia, se o mesmo demonstrar vontade de fazê-lo, tiver uma idade considerável para exprimir a sua vontade e der sinais de relativa maturidade, por que não ouvi-lo? [43] Trata-se de um sujeito de direitos e não de um objeto em disputa. Obviamente, o Juiz não está obrigado ter como sustentáculo do seu juízo a opinião de uma criança de 6, 7, 8 anos de idade. Mas, é plausível o entendimento de que constitui um ponto a ser considerado, ponderado, tendo em vista que, na maior parte das vezes, o progenitor escolhido pelo menor será aquele que lhe deu mais afeto, atenção, acompanhou-o no dia a dia, participou efetivamente da sua vida.

3.2.4.A não separação dos irmãos

Outro ponto que deve ser verificado pelo julgador ao deliberar sobre a guarda é a existência ou não de irmãos. Havendo irmãos, deve o Magistrado, sempre que possível, mantê-los unidos quando sentenciar sobre a guarda. [44]

A jurisprudência assim como a doutrina, parte da máxima de que as relações entre os irmãos devem ser estimuladas de maneira a não obstar a sua convivência diária e o seu amparo recíproco. E a conveniência de não separar os irmãos também possui esteio na intenção de se manter unido o que resta da família. [45]

Todavia, até mesmo este critério deve ser utilizado com cautela pelo Magistrado. Se os irmãos são unidos, vivem juntos há muito tempo, é imperioso que o juiz tente a todo custo não separá-los. Todavia, se existe uma relação perturbada entre os menores, existente previamente à separação dos pais ou ainda, existe uma aversão de um dos menores em relação a um dos progenitores, nada impede que o julgador, excepcionalmente, separe a prole. [46]

3.2.5.Capacidade educativa dos pais

Não é função do Estado atribuir valores a modelos e meios educativos. Assim, tal critério só tem relevância nos casos em que um dos progenitores cometeu, em relação à prole, erros patentes em relação à sua educação, moralidade, como por exemplo, abandono dos filhos, violação culposa da obrigação alimentar, utilização reiterada de castigos físicos, incentivo à aversão da criança pelo outro pai [47], etc. Em casos normais, em que nenhum dos progenitores descumpriu suas obrigações paternais, é trabalhoso e excede a competência do Estado, apontar e atribuir importância às disparidades de habilidade educativa dos pais. [48]

3.2.5.Capacidade econômica dos pais

Outro critério que poderia ser levado em conta, numa disputa judicial relativa à guarda de filhos é a capacidade econômica dos progenitores. Existem aqueles que atribuem, ainda, um certo peso a esse elemento no momento da decisão que determina com quem o menor deverá permanecer. [49]

Ora, importante relembrar que existe uma diferença notória entre interesse material e interesse do menor. A incapacidade econômica de um dos pais não pode dar ensejo a uma perda automática da guarda em favor do outro, ou de um terceiro [50], que possui melhor situação financeira, até porque essa desvantagem econômica pode ser equilibrada com a prestação de alimentos. [51] É mister se proceder a um exame do caso concreto, ponderando a capacidade econômica juntamente com os vários outros fatores que possam satisfazer o interesse do menor. [52]

3.2.6.O progenitor que favorece mais as relações do menor com o outro progenitor

Criação da prática judicial, este princípio se justifica na necessidade que a criança tem de manter vínculos com ambos os progenitores. A jurisprudência [53] que aplica este critério e os doutrinadores que o defendem fundamentam-se na visão de que, a concessão da guarda ao pai que consegue distinguir a altercação com o outro do seu relacionamento com a criança, é o desfecho que fomenta o interesse desta, evitando conflito entre os progenitores e permitindo ao infante o acesso a um e outro. [54]

No Canadá e nos EUA [55] este fator é consagrado legislativamente como critério na determinação do interesse da criança, em caso de guarda exclusiva. Entretanto, entende Maria Clara Sottomayor que tal fator tem apenas um valor relativo, constituindo um dos pontos a serem investigados pelo tribunal, sem eliminar todos os outros elementos relativos ao caso e não devendo nunca ser convertido num critério decisório exclusivo, soberano. [56]

Com o advento da Nova Lei do Divórcio em Portugal, esse parece ser o critério adotado pelo legislador, uma vez que dispõe o n. 5 do art. 1906º do CCP que, "o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro".

3.2.7.A qualidade e consistência das relações afetivas da criança com os pais

Trata-se de um critério de difícil emprego, por diversos motivos. Um deles é o fato de que, para se medir a ligação da criança aos progenitores, seria necessário a intervenção de um verdadeiro batalhão de auxiliares (como psiquiatras, por exemplo) para realização de exames, emissão de pareceres, etc. [57]

Entende-se na doutrina que avaliar a qualidade e a densidade das relações do menor com os progenitores acarreta uma ingerência do judiciário em um âmbito mais do que privado das pessoas. Tal intervenção seria uma verdadeira irrupção nos direitos da personalidade que, o divórcio ou a separação, por si só não autorizam. E também existe a questão de que os vínculos do infante com os pais são alteráveis. [58] Assim, sem mais delongas, pode-se afirmar que é um princípio por demais subjetivo, de aplicação improvável.

3.2.8.A continuidade das relações da criança

Este princípio poderia ser perfeitamente denominado como princípio da manutenção da situação de fato. Na prática judicial, a sua aplicação possui esteio no intuito de preservar o status a quo, ou seja, beneficiando aquele com quem o menor permaneceu durante a fase da separação de fato que habitualmente precede a separação de direito ou o divórcio.

Afirma-se que tal continuidade [59] possui um caráter especial principalmente no caso de crianças que se encontram em período de amamentação ou em idade pré-escolar, quando uma repentina mudança, nesse aspecto, poderia acarretar conseqüências nefastas. [60] Normalmente, o processo de separação dos pais pode ser um período de difícil adaptação em virtude de mudanças no ambiente familiar, do repentino afastamento de um dos pais, enfim, em decorrência de todas as agruras que um filho experimenta quando do rompimento da sociedade conjugal de seus pais. A separação, em boa parte dos casos, por si só é um episódio traumático. Habituar-se à nova situação demanda um certo lapso temporal e produzir uma nova mudança radical na vida da criança, quando a mesma acaba de se acostumar com as novas circunstâncias de vida, pode não ser aconselhável.

Todavia, mais uma vez vale ressaltar que não se trata de um princípio absoluto, uma vez que o juiz pode observar a necessidade de confiar a guarda ao outro genitor, que não estava com a criança durante a separação de fato ou que não irá viver no lugar onde a criança já vivia.

3.2.9.A identidade de sexo entre a criança e o progenitor

Quando utilizado pela jurisprudência ou defendido pela doutrina [61], este critério possui esteio na idéia de que um pai de sexo análogo ao do filho é capaz de perceber melhor as questões com as quais o infante se depara durante o seu crescimento. Observamos o uso desse princípio na prática judicial especialmente quando se trata de crianças mais velhas (particularmente no caso de meninas, que os Magistrados consideram que devem permanecer com a mãe).

Entretanto, a doutrina, em especial Maria Clara Sottomayor, entende que a identidade se sexo entre as crianças e os progenitores não desfruta de um alicerce científico, como fator a ser observado para a concessão da guarda. Tal fato verifica-se por ser um critério de pouca serventia e contrário aos costumes atuais. [62]

De fato, foi-se o tempo em que se poderia afirmar que um homem era incapaz de cuidar de uma menina. Atualmente, os homens preparam mamadeira, trocam as fraldas, banham seus filhos. E, em se tratando de uma adolescente, por exemplo, acabou-se a era em que as meninas apenas recorriam à mãe, para debater certos assuntos ou solucionar determinados problemas. Pode-se dizer que a identidade de sexo é um fator a ser considerado, todavia, juntamente como muitos outros.

3.2.10.A conduta moral dos pais – em particular, a questão da homossexualidade

A disputa pela guarda dos filhos leva, boa parte das vezes, à emersão em juízo, de debates acerca da moral sexual e a apreciações críticas sobre um comportamento adequado. Todavia, ao invés de se inquirir sobre a generosidade do indivíduo, a sua consideração pelos outros, a aptidão para cuidar de crianças, a tônica da "investigação" se dá no seu comportamento sexual (na maioria dos casos, relativamente à mãe). [63]

Atualmente, para além da questão da conduta moral pura e simples, existe uma questão um pouco mais delicada: a homossexualidade de um ou de ambos os pais. Passou a ser mais comum deparar-se com casos em que as pessoas assumem a sua inclinação sexual, mesmo depois de contrair matrimônio e ter filhos. Nas palavras de Guilherme Strenger, "a conjunção homossexualidade e família não está longe de se tornar um fato concreto a desafiar a criatividade da jurisprudência, no afrontamento desses novos impactos que reclamam jurisdição". [64] Se tornar um fato? Pode-se afirmar, indubitavelmente, que já é um fato.

Tais litígios, ao desembocarem nos Tribunais, na maior parte das vezes colocam em risco a neutralidade do Magistrado na avaliação do pai ou mãe homossexuais.Prevalece a questão da orientação sexual do progenitor, e não o exercício da função materna e paterna, que é, ou deveria ser, o elemento mais importante. [65] A intromissão do Judiciário na vida sexual dos pais em virtude das demandas relativas às disputas de guarda é uma verdadeira afronta ao direito dos indivíduos à intimidade. [66]

A homossexualidade, por si só não é fator caracterizador de piores condições para exercer o papel paternal ou maternal. [67] Trata-se de escolha concernente à vida sexual da pessoa humana, que pode ser exercida de forma privada, sem afetar terceiros. [68]

Como já analisado, "o princípio da igualdade ordena que, na maior medida possível, tanto fática como jurídica, evite-se discriminação por motivo de orientação sexual". [69] Já o critério norteador do deferimento da guarda, o interesse da criança, exige que se busque as melhores condições em favor do infante quando da outorga da guarda.

A aplicação prática desse critério se dará mediante a averiguação de todos os fatores relevantes numa querela de guarda, a saber: constatar qual dos pais cuidava do infante no dia a dia, a relação afetiva da criança com seus pais, a continuidade das relações do menor, assim como a manutenção da situação de fato (quando recomendável), a preferência da criança. Se depois de avaliados todos os fatores importantes, restar provado que o progenitor homossexual é o mais indicado para permanecer com o filho, a ele deve ser confiada a guarda, exceto se verificado que o mesmo traz algum perigo para o desenvolvimento ou vida do menor. [70]

Uma decisão [71] que possua como critério norteador a homossexualidade, seja para deferir a guarda do filho ao progenitor com orientação heterossexual, seja para outorgar a guarda a um terceiro [72], no caso de ambos os pais serem homossexuais, fere o princípio da igualdade [73], o da não discriminação por orientação sexual [74] e, ainda, a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais [75].

E existem ainda outros princípios, como o do respeito pela vida familiar. Nessa lógica o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou, Portugal a pagar 350.000$00 por danos morais e 1.800.000$00 a títulos de honorários, no caso Salgueiro da Silva Mouta c. Portugal, de 21 de Dezembro de 1999. O acórdão é considerado pela doutrina um leading case, onde foi reconhecido a necessidade de se resguardar os vínculos afetivos e familiares entre o pai homossexual e o infante, rechaçando argumento homofóbicos e discriminatórios do país, no sentido de conceder o exercício do poder paternal à progenitora, com base em distinções arbitrárias fundamentadas na orientação sexual do pai. [76]

Uma vez que uma decisão que tenha esse fundamento como esteio não é capaz de estabelecer nexo de coerência entre a análise dos fatos e a imputação das conseqüências (por exemplo, a conjectura de a criança vir a desenvolver a homossexualidade pelo simples fato do seu pai ou mãe ser homossexual e, por tal motivo, denegar-se o pedido de guarda). [77]

Neste sentido, uma pesquisa realizada pelo professor Michael Bailey, do Departamento de Psicologia da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, revelou que mais de 90% dos filhos de gays são heterossexuais. Outros estudos não encontraram evidências de que a orientação sexual dos pais influencie a dos filhos. [78] Vale ressaltar também que não existem, no Brasil, registros de abuso sexual contra os filhos, praticados por pais homossexuais.

Assim, diante de todo o exposto, é indispensável reafirmar que o Magistrado, diante da discricionariedade que lhe é conferida, não deve julgar as opções de vida dos progenitores, devendo concentrar-se nas questões que lhe são postas, nos elementos factuais relevantes, a fim de encontrar uma solução que não se distancie de um resultado ajustado.

3.2.12.A figura primária de referência

No intuito de simplificar a sua tarefa, o Judiciário, por vezes, opta por conferir a um certo fator peso especialmente forte ou até mesmo caracterizá-lo como uma presunção. A asserção mais freqüente na doutrina [79] é o propugnáculo de uma presunção em benefício do Primary Caretaker ou figura primária de referência, que seria aquele progenitor que predominantemente cuidou do infante no seu dia a dia, ou seja, que tratou da preparação das refeições, do banho e asseio, das roupas, do transporte para o colégio ou para encontro com os amiguinhos, da preparação para dormir, de atender o filho de madrugada, de acordá-lo pela manha, da orientação de boas maneiras, da disciplina, da instrução ética, etc. [80]

Este critério depende antes de tudo do discernimento objetivo de se evidenciar, por meio de prova testemunhal e pericial (a peritagem pelo psiquiatra infantil), qual dos progenitores exerceu o papel de figura primária de referência de maneira mais apropriada ao seu conteúdo. Além do mais este critério é regularmente neutro, uma vez que não faz alusão ao sexo dos pais nem se refere às capacidades ou incapacidades de cada um deles, nem mesmo de maneira indireta, mas reflete sobre a atribuição da guarda em virtude das ações e dos comportamentos, em relação à criança, no decurso da vida da mesma. [81] Na opinião de Maria Clara Sottomayor, seria uma convergência de diversos fatores decisivos. [82]

Se, todavia, ambos os pais tiverem exercido tal papel de maneira satisfatória, sem que possa determinar, de forma indubitavelmente justa, a quem entregar a guarda dos filhos e se os pais não chegam a um acordo quanto à essa questão, a mesma autora menciona um critério supletivo, segundo o qual, deve-se atentar, num primeiro plano, para qual dos progenitores se mostra mais aberto a permitir o convívio do outro com a criança, qual respeita mais o menor como pessoa que é e não o utiliza como joguete, com o intuito de atingir o outro pai. [83]

Num segundo momento, opina a autora que, se deve atentar para a preferência demonstrada pelo menor, a quantidade de tempo que cada um dos progenitores possui para dispensar à criança, a continuidade das relações afetivas do infante com os outros parentes, a solidez e qualidade do ambiente que cada um dos progenitores oferece ao filho. [84] Assim, diante do exposto, pode-se afirmar que uma vez não podendo se constatar quem foi a figura primária de referência, se esvai a possibilidade de estar caracterizada uma presunção, tendo em vista, que se faz necessária a verificação de uma série de fatores.

Gustavo Monaco corrobora com a posição de Maria Clara Sottomayor, inclusive no que diz respeito ao critério supletivo adotado. Todavia, em sua opinião, tal critério suplementar não deveria ser utilizado para a outorga da guarda a um ou outro pai. Entende o autor que, sempre que ambos os genitores, desempenharem, de forma satisfatória e nítida, o papel de figura primária de referência, deve-se haver uma atribuição da guarda conjunta [85], concedendo-se a ambos o papel de guardiões jurídicos. Desta forma, o critério complementar seria proveitoso para se fixar a guarda física ou seja, para se determinar com qual dos pais a criança passaria a residir. [86]

Tal debate já não pode mais existir na doutrina brasileira, uma vez que, com o advento da lei n. 11.698, de 13 de 2008, uma vez provado que ambos os pais foram figuras primárias de referência, hoje, por determinação legal [87] é óbvio que o Juiz determinará, de pronto, a guarda compartilhada. E os pais, se já exerciam esse papel na constância do casamento, vão querer manter o status a quo da relação parental.

É certo que se trata ainda de guarda jurídica, uma vez que a guarda física do menor ainda ficará apenas com um dos pais. Mas os avanços não pararam, pois o termo visitas foi substituído por convivência, além de haver espaço para a flexibilização do esquema: um final de semana a cada quinze dias, férias, um ou outro feriado, etc., abrindo espaço para o consenso e uma melhor convivência dos filhos, com ambos os pais.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna. Melhor interesse da criança: critério para atribuição da guarda unilateral à luz dos ordenamentos brasileiro e português. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2716, 8 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17985. Acesso em: 24 abr. 2024.

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