6.Considerações finais
Uma vez concedida a guarda única a um dos progenitores, tem-se a sensação de que o outro resta completamente preterido da relação paterno-filial. Todavia, não é o que se verifica. Com as devidas ressalvas das divergências nos Diplomas Civis e Processuais do Brasil e de Portugal, pode-se afirmar que o papel do progenitor não guardião é quase o mesmo, em ambos Estados.
Note-se que o sistema português passou de uma lógica de conexão automática e total, via de regra, entre a guarda única e o exercício unilateral do poder paternal, para um panorama de responsabilidades parentais compartilhadas, com o advento da Lei n. 61/2008. Entretanto, é imperioso ressaltar que tal compartição se restringe às questões de especial importância na vida da prole. No âmbito das questões diárias, comuns, da vida dos filhos ainda se observa uma prevalência da "autoridade" do progenitor guardião em relação ao não guardião.
Destarte, pode-se concluir que existe uma correlação entre a guarda físca da criança e o exercício unilateral das responsabilidades parentais. Pode-se afirmar também, diante da preponderância da "autoridade" do genitor-guarda, que existe uma responsabilidade parental compartilhada mas, ao mesmo tempo, limitada.
Note-se que, apesar da boa vontade do legislador, a nova normativa poderá ser fontes de um excesso evitável de conflitos. Explique-se: no regime anterior, as responsabilidades parentais compartilhadas, em relação às decisões de particular importância na vida dos filhos, estavam sujeitas a um acordo que deveria ser homologado judicialmente. Atualmente, o exercício conjunto é imposto, tanto no casos de separação, divórcio, término da união de facto, como no caso em que os progenitores não vivam em condições análogas aos dos cônjuges. Como impor o exercício comum das responsabilidades parentais a quem nunca viveu com o filho? Não será uma fonte desnecessária de conflitos?
Para a determinação da residência do infante – que, por sinal, será a seara para onde se mudará a tônica dos litígios – o legislador pareceu dar especial importância para a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. Proposta louvável, entretanto, poderia-se ter ido mais longe, incluindo uma preferência pela figura primária de referência, que seria aquele que predominantemente cuidou do infante no seu dia a dia, ou seja, que tratou da preparação das refeições, do banho e asseio, das roupas, do transporte para o colégio ou para encontro com os amiguinhos, da preparação para dormir, de atender o filho de madrugada, de acordá-lo pela manha, da orientação de boas maneiras, da disciplina, da instrução ética, etc. [47]
Quanto ao direito de convivência, no Brasil e em Portugal observa-se uma certa omissão legislativa em relação aos seus contornos. Recentemente, no Brasil, emergiram decisões que aplicam multas com a finalidade de obrigar o progenitor não guardião em cumprir com a sua obrigação de estar com o filho. A doutrina portuguesa também comunga com a idéia da aplicabilidade de astreinte para criar uma forma de pressão ao exercício positivo do direito-dever de convivência, em prol do interesse da criança.
O direito de fiscalização (ou vigilância, como denominado em Portugal) constitui outra prerrogativa do progenitor não guardião. No ordenamento brasileiro prístino, possuía um escopo nitidamente econômico, que era o de fiscalizar o emprego da pensão alimentícia destinada ao menor. Hoje possui um caráter distinto, devendo ser enxergado como o exercício indireto, pelo pai não guardião, da sua autoridade parental, que fica encoberta e só se revela quando o pai guardião atua com irregularidade, omissão, desmazelo. Sempre que houver um desempenho anômalo da função, pode o genitor que não detém a guarda opor-se e exigir a reparação do lapso. Entretanto, como bem assevera a doutrina portuguesa, assim como a brasileira, tal direito deve ser levado a efeito com seriedade e ponderação, de forma a não se assinalar como imiscuição perturbadora no exercício das responsabilidades parentais pelo genitor guardião, no âmbito da vida corrente da prole.
Quanto à obrigação de alimentos, pode-se afirmar que é primordial e de cunho irrestrito a obrigação de os pais proverem o sustento de seus filhos. Tal dever, quando os mesmos não vivam juntos converte-se no dever legal da prestação alimentícia. Genericamente, o pai guardião será responsável não apenas pela criação e educação da prole como pelo sustento, dentro das suas possibilidades, competindo ao outro prestar alimentos no valor determinado pelo Magistrado.
Nesta seara, diversos debates são originados - quantificação dos alimentos, suspensão do direito de visitas em virtude do incumprimento da obrigação de alimentos, entre outros. Quanto à quantificação, há uma convergência do critério norteador nos ordenamentos brasileiro e no português, que é o princípio da proporcionalidade, ou seja, quanto mais ganha o pai, mais recebe o filho.
Grande inquietação se apresenta na doutrina quando do tratamento da questão da suspensão da visitação em virtude do não pagamento da pensão. Discussões e teorias à parte, parece ser de considerar posição intermediária, ou seja, defender a suspensão do direito de visitas somente quando evidenciado que o pai, que pode arcar com tal incumbência, reiteradamente se nega, culposa e voluntariamente, em cumprir com a sua obrigação.
Referências
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COELHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família. Vol I: Introdução ao Direito Matrimonial. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
DIAS, Cristina M. Araújo. Uma análise do novo regime jurídico do divórcio: Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro. Coimbra: Almedina, 2008.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito da Família e das Sucessões, vol. II: Direito da Filiação: Filiação biológica, adoptiva e por consentimento não adoptivo. Constituição, efeitos e extinção. Lisboa: AAFDL, 2005.
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SOTTOMAYOR, Maria Clara. "Exercício do poder paternal nos casos de divórcio", em Direito da família e política social / coord. Maria Clara Sottomayor e Maria João Tomé. Porto: Publicações Universidade Católica, p. 143-162, 2001.
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_________________________. Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio.4.ed. 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2005.
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TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental.Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
NOTAS
- Cfr. CASABONA, Marcial Barreto. Guarda compartilhada, p.99.
- STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos, p. 21.
- Cfr. SOTTOMAYOR, Maria Clara. Exercício do poder paternal, p. 59.
- De acordo com a nova redação do art. 1906º, n. 1 do CC.
- Cfr. art. 1911º do CC.
- Cfr. art. 1912º do CC.
- PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito da Família e das Sucessões, Vol. II, p.82. No mesmo sentido se manifesta Cristina Dias, para quem designação anterior era manifestamente inadequada, num tempo em que se reconhece cada vez mais os infantes como sujeitos de direitos. Cfr. DIAS, Cristina M. Araújo. Uma análise do novo regime jurídico do divórcio, p. 36-37.
- SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulação do exercício do poder paternal. cit., p. 20.
- Neste sentido, Cfr. SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulação do exercício do poder paternal,p.117.; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental, p. 114.
- Atual redação do art. 1906º do CC.
- Neste sentido, consultar TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental, p. 115.
- Art. 1981º
- Art. 1875º
- Por exemplo, a escola a ser freqüentada pela criança, intervenções cirúrgicas, viagens ao exterior, práticas religiosas, etc. Neste sentido, consultar PINHEIRO, Jorge Duarte. O Direito da Família contemporâneo, p. 316; SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulação do exercício do poder paternal, p. 194.
- SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulação do exercício do poder paternal, p. 75.
- Art. 1906º
1.É necessário para a adopção o consentimento:
c) Dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o poder paternal, desde que não tenha havido confiança judicial.
2.A escolha do nome próprio e dos apelidos do filho menor pertence aos pais; na falta de acordo decidirá o juíz, de harmonia com o interesse do filho.
3.Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
1.A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres.
6. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
1.Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2.Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Sobre tal questão, complementa Regina Beatriz Tavares da Silva, em seus comentários ao Art. 1694 do Código Civil brasileiro que, "o instituto dos alimentos entre parentes compreende a prestação do que é necessário à educação independentemente da condição de menoridade, como princípio da solidariedade familiar". BRASIL. Novo Código Civil comentado, p. 1503.
1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfazer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte:
a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição o tribunal dirigida à entidade competente;
b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2 - As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.
1 — Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias.
2 — A prática reiterada do crime referido no número anterior é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
3 — Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
4 — Quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
5 — O procedimento criminal depende de queixa.
6 — Se a obrigação vier a ser cumprida, pode o tribunal dispensar de pena ou declarar extinta, no todo ou em parte, a pena ainda não cumprida.