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Natureza jurídica da multa aplicada em razão da prática de infração administrativa ambiental

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Resumo

A penalidade de multa simples aplicada em razão de infração administrativa ambiental não tem por fundamento hipótese legal prevista como crime, uma vez que as multas são aplicadas pelo IBAMA com base nos artigos 70 e 72 da Lei n.º 9.605/98, regulamentados, até 23 de julho de 2008, pelo Decreto n.º 3.179/99, e a partir daí pelo Decreto n° 6.514/08. A competência para a aplicação de multa em razão da prática de conduta descrita nos artigos 29/69-A da Lei nº 9.605/98 é privativa do Poder Judiciário, por se tratar de matéria de natureza penal. Por outro lado, os artigos 70 e 72 da Lei nº 9.605/98 c/c o Decreto nº 6514/08 definem as infrações administrativas ambientais. Enfim, a previsão legal para o enquadramento da ação/omissão dos autuados como infração ambiental tem natureza administrativa, não havendo falar-se em apuração de crime/contravenção penal pela Administração Ambiental.


Fundamentação

De saída, registra-se que o Poder de Polícia Ambiental do IBAMA encontra-se amparado pela Carta Magna de 1988, que em seu art. 225, § 1.º, estabelece:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade". (g.n.).

Como se vê, o Poder Constituinte Originário outorgou à coletividade o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo certo afirmar que, para preservar a efetividade desse direito, concedeu ao Poder Público o poder-dever de fiscalizar a conduta daqueles que se apresentem como potenciais ou efetivos poluidores.

Objetivando concretizar essa fiscalização, o legislador infraconstitucional criou o IBAMA, conferindo-lhe o poder de polícia necessário à consecução deste fim, como se depreende da regra contida no art. 2.º, da Lei n.º 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, com a nova redação dada pela Lei Federal nº 11.516/2007.

"Art. 2°  É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I - exercer o poder de polícia ambiental;

II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e

III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente."

(Redação dada pela Lei nº 11.516, 2007)

Não merece prosperar a tese de que a penalidade de multa simples aplicada em razão de infração administrativa ambiental tem por fundamento hipótese legal prevista como crime. Entender pela suspensão dos efeitos de autos de infração lavrados pelo IBAMA com fundamento legal anularia o Poder de Polícia outorgado à autarquia pela CF/88, art. 225, §1º c/c Lei 7.735/89, art. 2º.

Há evidente distinção entre a sanção de natureza penal ou administrativa, pois, dependendo da instância em que seja aplicada, submete-se aos princípios e regras inerentes a cada um desses regimes.

Então: A sanção imposta em razão do exercício do Poder de Polícia Ambiental tem natureza administrativa e, por conseqüência, submete-se ao regime jurídico próprio do Direito Administrativo, não havendo espaço para a aplicação dos princípios e preceitos do Direito Penal.

Observe-se que as multas aplicadas por esta Autarquia o são única e exclusivamente com base nos artigos 70 e 72 da Lei n.º 9.605/98, regulamentados, até 23 de julho de 2008, pelo Decreto n.º 3.179/99, e a partir daí pelo Decreto n° 6.514/08. Tendo em vista que existe mandamento legal determinando a aplicação de penalidades administrativas, desde que conhecidas a materialidade e a autoria da transgressão aos mandamentos ambientais, é obrigatória a punição na dosagem estipulada pelo Decreto.

Embora conhecida unicamente como "Lei de Crimes Ambientais", a Lei Federal nº 9.605/98 dispôs sobre infração administrativa ambiental, cuja apuração é de competência dos órgãos integrantes do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, previsto na Lei Federal nº 6.938/81, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente.

Assim, não obstante as redações dos tipos administrativos infracionais assemelharem-se aos tipos penais da Lei n.º 9.605/98, a sanção é aplicada pelo IBAMA com fundamento nos arts. 70, caput, e 72 da Lei n.º 9.605/98.

Mesmo que o auto de infração faça referência também ao tipo penal da sobredita Lei, com vistas a abarcar por completo a conduta do infrator e facilitar a notícia-crime junto ao Ministério Público, se a infração administrativa foi corretamente capitulada não há qualquer vício a ser sanado. A conduta do infrator apenas será apurada pelo IBAMA quando configurar um ilícito administrativo ambiental e, nesta qualidade, reprimida à luz dos artigos delineados a seguir:

Lei n.º 9.605/98.

"CAPÍTULO VI

DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total de atividades;

X – (VETADO)

XI - restritiva de direitos."

Representa infração administrativa toda ação ou omissão que viole regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, podendo estas ações ou omissões configurar tanto um crime ou uma contravenção penal quanto um simples descumprimento de exigências administrativas, não imputáveis na área penal. Isso posto, completamente incabível a alegação no sentido de que a aplicação da sanção pecuniária seria privativa do Poder Judiciário, uma vez que a multa administrativa, repita-se, não se confunde com a multa de natureza penal, aplicável em razão da ocorrência de contravenções/crimes.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região já manifestou seu entendimento sobre o assunto, conforme julgados abaixo colacionados:

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"ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA IMPOSTA POR ARMAZENAR MADEIRA SEM COBERTURA DE ATPF FORNECIDA PELO IBAMA. ARTS. 39 e 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.605/98, C/C O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 32 DO DECRETO FEDERAL Nº 3.179/99. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. CAPITULAÇÃO.

1. A competência para a aplicação de multa por infração do caput do art. 46 da Lei nº 9.605/98 é privativa do Poder Judiciário, por se tratar, no caso, de matéria de natureza penal.

2. Contudo, os arts. 70 e 72 da Lei nº 9.605/98, c/c o parágrafo único do art. 32 do Decreto nº 3.179/99, que a regulamenta, definem como infração administrativa ambiental, sujeita a multa simples, a conduta de armazenar produto florestal sem licença outorgada pela autoridade competente e válida até o beneficiamento final do produto.

3. O conjunto probatório dos autos não comprova as alegações do autor de aquisição da madeira lícita e de estar o desmatamento de área de reserva permanente autorizado pela autoridade competente.

4. Apelação do IBAMA e remessa oficial providas. Apelo do autor prejudicado." (TRF 1ª Região. 7ª Turma. Apelação Cível 2001.34.00.030407-1/DF. Rel. Desembargador Federal Antônio Ezequiel da Silva. Decisão: 11/06/2007. DJ 31.08.2007)

"ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA IMPOSTA POR TRANSPORTAR MADEIRA SEM COBERTURA DE ATPF FORNECIDA PELO IBAMA, COM FUNDAMENTO NOS ARTS. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.605/98, C/C O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 32 DO DECRETO FEDERAL Nº 3.179/99.

1. A competência para a aplicação de multa por infração do caput do art. 46 da Lei nº 9.605/98 é privativa do Poder Judiciário, por se tratar, no caso, de matéria de natureza penal.

2. Contudo, os arts. 70 e 72 da Lei nº 9.605/98, c/c o parágrafo único do art. 32 do Decreto nº 3.179/99, que a regulamenta, definem como infração administrativa ambiental, sujeita a multa simples, a conduta de transportar madeira sem licença outorgada pela autoridade competente e válida até o beneficiamento final do produto.

3. Apelo da impetrante não provido."

(TRF 1ª Região. 7ª Turma. Apelação Cível 2001.34.00.011267-9/MT. Rel. Desembargador Federal Antônio Ezequiel da Silva. Decisão: 18/12/2006. DJ 09.03.2006)

Por todo o exposto, outra não pode ser a conclusão senão a de que devem ser mantidos os atos punitivos praticados pelo IBAMA no exercício do seu Poder de Polícia Ambiental. Há previsão legal para o enquadramento da ação dos autuados como infração ambiental, de natureza administrativa, não havendo falar-se em apuração de crime pela Administração.

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Sobre a autora
Mariana Wolfenson Coutinho Brandão

Procuradora Federal e pós-graduada em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Mariana Wolfenson Coutinho. Natureza jurídica da multa aplicada em razão da prática de infração administrativa ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2719, 11 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18015. Acesso em: 25 dez. 2024.

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