Situação excepcional;
É possível que o veículo apreendido não seja de propriedade do infrator e, nesse caso, tendo em vista que o escopo da apreensão é sancionar aquele que pratica ato lesivo ao meio ambiente, o veículo deve ser devolvido se comprovada a boa-fé do proprietário/possuidor, e desde que ele não tenha concorrido para a infração ou dela se beneficiado. Nesse sentido:
"REMESSA OFICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE VEÍCULO DE TERCEIRO CONTRATADO PARA TRANSPORTE DE MADEIRA POR DESACORDO COM A ATPF. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO QUE NÃO CONCORREU PARA O ILÍCITO. RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO. POSSIBILIDADE.
1. Na hipótese, o auto de infração lavrado por fiscal do IBAMA com fundamento nos artigos 46 e 70 (Lei nº 9.605/98) e 2º e 32, § único (Decreto nº 3.179/99), a despeito de sua legalidade, trouxe como conseqüência a apreensão de veículo de terceiro contratado para o transporte da madeira.
2. Todavia, ainda que o art. 25 da Lei nº 9.605/98 autorize a apreensão dos instrumentos utilizados na prática da infração ambiental, tal permissivo não alcança os bens daqueles que não tenham concorrido para o ilícito.
3. Remessa oficial improvida."
(REOMS 2006.30.00.002078-8/AC, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma,e-DJF1 p.536 de 13/02/2009).
Ressalte-se, porém, que a mera alegação de boa-fé do proprietário/possuidor, por suposto desconhecimento da ação do condutor, a quem emprestara o veículo, não o socorre. Deve ficar demonstrado nos autos que o terceiro não participou direta ou indiretamente do ilícito.
Cabe ao interessado ingressar no processo apuratório da infração ambiental, com fundamento no art. 9°, inc. II da Lei 9784/1999, e comprovar que o bem apreendido lhe pertence ou estava sob sua guarda/detenção quando foi utilizado pelo autuado.
"Art. 9° São legitimados como interessados no processo administrativo:
I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;
II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada;"
Visando evitar futura argüição de ofensa ao contraditório, recomenda-se que o agente autuante, quando da apreensão, confira no Certificado de Registro do veículo ou da embarcação o nome e o endereço do proprietário, a fim de que a Superintendência competente promova sua notificação para prestar esclarecimentos.
E ainda: Como os objetivos dos embargos de terceiro e do procedimento incidental do proprietário/possuidor que teve seu bem apreendido administrativamente guardam similitude, pois visam liberar bem pertencente a estranho à lide, aplica-se por analogia, e no que couber, o Capítulo X do Código de Processo Civil.
"CAPÍTULO X
DOS EMBARGOS DE TERCEIROArt. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer Ihe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos.
§ 1o Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor.
§ 2o Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial.
§ 3o Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação.
(...)
Art. 1.048. Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença, e, no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.
Art. 1.049. Os embargos serão distribuídos por dependência e correrão em autos distintos perante o mesmo juiz que ordenou a apreensão.
Art. 1.050. O embargante, em petição elaborada com observância do disposto no art. 282, fará a prova sumária de sua posse e a qualidade de terceiro, oferecendo documentos e rol de testemunhas.
§ 1o É facultada a prova da posse em audiência preliminar designada pelo juiz.
§ 2o O possuidor direto pode alegar, com a sua posse, domínio alheio.
(...)
Art. 1.051. Julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do embargante, que só receberá os bens depois de prestar caução de os devolver com seus rendimentos, caso sejam afinal declarados improcedentes." (g.n.).
Revogação do Decreto n° 3179/1999;
Faz-se necessário relembrar que o dispositivo que regulava o assunto de maneira diversa, permitindo a devolução do veículo quando houvesse o pagamento da multa ou a apresentação de defesa, foi revogado (art. 2º, §6º, inc. VIII, do Decreto 3179/1999).
"VIII - os veículos e as embarcações utilizados na prática da infração, apreendidos pela autoridade competente, somente serão liberados mediante o pagamento da multa, oferecimento de defesa ou impugnação, podendo ser os bens confiados a fiel depositário na forma dos arts. 1.265 a 1.282 da Lei nº 3.071, de 1916, até implementação dos termos antes mencionados, a critério da autoridade competente;"
Desde a edição do Decreto nº 5.523/2005, que alterou a redação do mencionado inciso VIII, não há mais fundamento legal para a restituição do bem.
"III - os veículos e as embarcações utilizados na prática da infração, apreendidos pela autoridade ambiental competente, poderão ser confiados a fiel depositário até a sua alienação; (Redação dada pelo Decreto nº 5.523, de 2005)"
Desse modo, apenas em se tratando de infrações cometidas antes da vigência do Decreto nº 5.523/2005 é que se cogitará da liberação dos veículos e embarcações utilizados na condução de infrações ambientais, após o pagamento da multa ou o oferecimento de defesa/impugnação, e ainda assim "a critério da autoridade competente".
Ou seja, mesmo em se tratando de delitos praticados antes da vigência do Decreto nº 5.523/2005, estando sua liberação respaldada pelo inciso VIII do § 6º, art. 2° do Decreto n° 3.179/1999, caberá à autoridade competente deliberar e ponderar acerca da devolução, uma vez que, consoante se observa da parte final do inciso VIII, trata-se de Poder Discricionário.
Conclusão
Face às ponderações expostas, se a autuação observou os princípios da legalidade e do devido processo legal, a apreensão deverá ser confirmada com o perdimento definitivo do bem.
Destaca-se o §4° do art. 8° da Instrução Normativa n° 28/2009, para ressaltar a necessidade de motivação da autoridade julgadora quando da manutenção da pena de apreensão.
"Art. 8º Quando do julgamento do auto de infração, deve a autoridade julgadora apreciar a aplicação da sanção relativa à apreensão de animais, produtos, subprodutos da fauna e da flora, instrumentos, equipamentos, petrechos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração ambiental, definida no art. 72, IV da Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998.
(...)
§ 4º Para a aplicação da sanção de apreensão relativa a veículos, embarcações e equipamentos utilizados como instrumentos para a prática da infração ambiental, deve a autoridade julgadora motivar expressamente quanto à razoabilidade e proporcionalidade da sanção frente à infração ambiental praticada." (g.n.).
Evidente que toda e qualquer punição deve ser motivada, o que pretendeu referida normatização foi evidenciar a necessidade de que os motivos da apreensão e futuro perdimento estejam em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois apenas uma finalidade constitucionalmente legítima autoriza uma restrição a determinado direito fundamental (propriedade).
Não se trata de fazer tabula rasa da lei ou de se determinar a apreensão ou não a depender do valor de mercado do bem transportado, não é isso. A autoridade julgadora deverá analisar, na verdade: a) a necessidade da restrição; b) a sua pertinência (adequação), no sentido da possibilidade de atingir o resultado almejado; e c) a proporcionalidade em sentido estrito, que outra coisa não quer dizer senão a observância do equilíbrio na relação entre o meio e o fim.
Útil finalizar com os comentários do constitucionalista Willis Guerra Filho:
"O princípio da proporcionalidade tem um conteúdo que se reparte em três "princípios parciais" (Teilgrundsätze): "princípio da proporcionalidade em sentido estrito" ou "máxima do sopesamento" (Abwägungsgebot), "princípio da adequação" e "princípio da exigibilidade" ou "mandamento do meio mais suave" (Gebot des mildesten Mittels) — a propósito, v., por todos, Paulo Bonavides ("Curso de Direito Constitucional" ["O princípio da proporcionalidade e seus elementos parciais ou subprincípios"], São Paulo: Malheiros, 1993, págs. 318 e segs.). O "princípio da proporcionalidade em sentido estrito" determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o "conteúdo essencial" (Wesensgehalt) de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.
Os subprincípios da adequação e da exigibilidade, por seu turno, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se, assim, "adequado". Além disso, esse meio deve se mostrar "exigível", o que significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.
Sobre essa distinção, vale referir a formulação lapidar do Tribunal Constitucional alemão: "O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado, quando com seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental" ("Entscheidungen der Bundesverfassungsgericht", n. 30, Tübingen: J. C. B. Mohr, 1971, pág. 316).
(WILLIS GUERRA FILHO, texto disponível em [http://bdjur.stj.gov.br/jspui/bitstream/2011/19640/1/O_Princ%C3%ADpio_Constitucional_da_Proporcionalidade.pdf])
Por derradeiro, caso o administrado lance mão da esfera judicial para dirimir a contenda, deverá a Administração dar normal prosseguimento ao feito, proferindo decisão e processando eventual recurso, salvo no caso de decisão liminar no sentido da suspensão do feito. É possível que ocorra a destinação antecipada de bens perecíveis, sendo que a decretação de perdimento depende do transito em julgado administrativo.
Notas
- Veja-se, a título exemplificativo, o art. 66 do Código de Processo Penal, que dispõe que "não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato". No mesmo sentido, dispõe o art. 935 do Código Civil: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".
- Sobre o tema, Hely Lopes Meireles aduz que "A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, a penalidade administrativa correspondente. A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provado, na ação penal, a inexistência penal ou que o acusado não foi seu autor". (In Direito Administrativo Brasileiro, 21 ed. São Paulo, Malheiros, pág. 420 – grifos apostos).
- Edis Milaré salienta que "[...] a danosidade ambiental tem repercussão jurídica tripla, já que o poluidor, por um mesmo ato, pode ser responsabilizado, alternativa ou cumulativamente, na esfera penal, na administrativa e na civil". (In: Direito do Ambiente. 4 ed. São Paulo: RT, 2005. p. 845 – grifos apostos).
- STJ, RESP 539189/SC e RESP 409890/RS.
- TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.
- MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001.
- TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.
- TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.