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Responsabilidade civil do Estado na ação ou omissão na prestação de serviços públicos

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21/12/2010 às 11:12
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável a necessidade de o direito se preocupar com a responsabilização do Estado pelos danos decorrentes de suas atividades, tendo em vista a garantia da efetivação dos direitos fundamentais e sociais entre os membros da coletividade.

Com efeito, a sociedade só pode subsistir se houver um órgão encarregado pela administração de seus interesses e necessidades, mediante o oferecimento de serviços públicos essenciais à promoção do bem estar e da existência social digna. Contudo, esse objetivo nem sempre é alcançado, fazendo-se necessária a interferência de outro órgão para impor-lhe o cumprimento de suas atribuições, bem como a reparação dos danos decorrentes da inexecução ou da execução danosa de tais incumbências.

Então, é imprescindível o disciplinamento legal, doutrinário e jurisprudencial da responsabilidade, para efeito de concretização de muitos dos direitos garantidos constitucionalmente aos cidadãos, cuja atribuição foi incumbida ao Estado. Essa imposição do dever de reparar acaba surtindo o efeito de fazer com que o agente preste com mais eficiência o serviço público, sob pena se responder civilmente e reparar os danos causados.

Outrossim, se o agente público pratica uma conduta lesiva a terceiro, mediante comportamento comissivo ou omissivo, no exercício de suas funções, caberá ao Poder Judiciário encarregado da justiça coibir tal prática, impondo à Administração Pública o dever de repará-lo ou indenizá-lo, ressalvado o direito de regresso desta contra aquele.

Não há dificuldades no exame da responsabilidade civil do Estado por conduta lesiva comissiva, pois a própria Constituição Federal já prevê a responsabilidade objetiva ao determinar que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos respondam pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (art. 37, §6º).

Da análise desse mandamento constitucional, observa-se que só houve a exigência da demonstração do elemento culpa na responsabilidade do agente público, em ação regressiva. Logo, deixa explícita que a responsabilidade civil do Estado deve ocorrer na modalidade objetiva.

Desse modo, sempre que o serviço público for prestado de forma precária, ocasionando prejuízos aos indivíduos, surge para a administração pública o dever jurídico de repará-los. Mas para que isso seja possível, é necessário que conste a relação de causalidade entre a ação lesiva e o dano sofrido pelo administrado, sendo desnecessária a existência de culpa na atuação estatal.

Contudo, não existe consenso na doutrina nem nos tribunais a respeito da responsabilidade civil por omissão do Órgão Público, fazendo-se, então, necessário proceder a uma análise minuciosa dos fundamentos e pressupostos caracterizadores da responsabilidade do Estado, tomando-se por base, primordialmente, a situação fática em concreto, a fim de que se obtenha a solução mais justa e adequada para o caso apresentado.

Como foi visto no desenvolvimento deste trabalho, existem aqueles que defendem com propriedade a responsabilidade objetiva e outros que, igualmente, sustentam a responsabilidade subjetiva, na hipótese de omissão no serviço público. Ambas as teses são aceitáveis, na proporção em que se direcionam a promover a melhor justiça na solução do caso concreto, porquanto, não pode o Estado responder em demasia por todos os atos que causem danos aos administrados, por ser a própria sociedade quem vai arcar com a reparação desse dano, por meio do pagamento das numerosas e onerosas contribuições tributária.

Então, a admissão da responsabilidade objetiva em caso de omissão deve ser observada de forma moderada, pois seu emprego, em certos casos, em vez de fazer justiça à sociedade, pode trazer-lhe ainda mais prejuízos com a reparação do dano. Ademais, casos há em que se pleiteiam indenizações demasiadamente excessivas em face da Fazenda Pública, onerando mais que necessário o erário público, o que, por sua vez, não pode ser admitido.

O que de fato deve prevalecer é a supremacia do interesse público sobre o privado, e não a imposição de severas punições contra o Estado, quando é a própria sociedade que irá sofrê-la. Isso se justifica até mesmo porque a própria Constituição só prevê a responsabilidade objetiva em caso de conduta ativa do agente, não a passiva, abrindo-se margem para diversas interpretações.

Nesse sentido, a responsabilidade subjetiva parece ser a melhor concepção adotada para a responsabilização do Estado em casos de danos decorrentes de omissão. Portanto, necessita-se examinar se estão presentes os elementos subjetivos na atuação do agente, para, então, inferir-se do dever de indenizar o dano. Nesse caso, só haverá responsabilidade do Estado se ficar demonstrada a existência de culpa ou dolo do agente na omissão do serviço público.

Então, a responsabilidade civil na modalidade subjetiva é a que melhores resultados trazem nas hipóteses de omissão na prestação do serviço público, visto que não basta a existência de nexo causal entre o dano e o comportamento do agente, faz-se, antes de tudo, necessário que exista dolo ou culpa por parte do agente público.

Contudo, há ainda aqueles que sustentam a possibilidade de o Estado responder tanto de forma objetiva quanto subjetivamente na reparação do dano, diferenciando as hipóteses de responsabilidade decorrente de omissão genérica das de omissão específica, na reparação do dano.

Sob essa concepção, sempre que o Estado deixa de executar um serviço a que estava obrigado, responderá de forma objetiva. Porém, se não estava legalmente obrigado a tanto, responderá de modo subjetivo, já que o dano não decorreu diretamente de sua omissão, mas poderia ter agido para impedir sua ocorrência.

Essa concepção é a que melhores resultados pode apresentar na solução dos litígios decorrentes da omissão do Estado, uma vez que permite atenta análise dos fatos ocorridos no caso concreto e proporciona a aplicação da responsabilidade que melhor se adapta à promoção da justiça social e da supremacia do interesse público.


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Notas

01

"Esta trilogia não reflete uma verdade, uma essência, algo inexorável proveniente da natureza das coisas. É pura e simplesmente uma construção política invulgarmente notável e muito bem sucedida, pois recebeu amplíssima consagração jurídica. Foi composta e vista de um claro propósito ideológico do Barão de Montesquieu, pensador ilustre que deu forma explícita à idéia da tripartição. A saber: impedir a concentração de poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos governantes" (MELLO, 2010, p. 31).

02 "O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. - A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos". (RE 109615, Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 28/05/1996. Órgão Julgador: Primeira Turma)

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Sobre a autora
Elisângela Dionísio

Bacharelanda em Direito no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIONÍSIO, Elisângela. Responsabilidade civil do Estado na ação ou omissão na prestação de serviços públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2729, 21 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18076. Acesso em: 10 mai. 2024.

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