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A advocacia no Supremo Tribunal Federal

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Que quer dizer "grande advogado"? Quer dizer advogado útil aos juízes para ajudá-los a decidir de acordo com a justiça, útil ao cliente para ajudá-lo a fazer valer suas razões.

Útil é aquele advogado que fala o estritamente necessário, que escreve clara e concisamente, que não entulha a audiência com sua personalidade invasiva, não aborrece os juízes com sua prolixidade e não os deixa suspeitosos com sua sutileza – exatamente o contrário, pois, do que certo público entende por "grande advogado".

(PIERO CALAMANDREI)


I. PRESSUPOSTOS DE COMPREENSÃO

Toda decisão judicial é construída a partir ou da consciência ou dos interesses do magistrado. Mas qual consciência? Quais interesses? Consciência moral, religiosa ou jurídica? O certo ou o errado em que plano? Interesses legítimos e confessáveis ou ilegítimos e inconfessáveis? Como advogar perante magistrados que julgam as causas a partir de seus próprios interesses? É possível advogar nessas situações? Como advogar perante magistrado que julga a partir de sua consciência jurídica?

Por consciência jurídica entendo a idéia do que seja certo ou errado a partir do ordenamento jurídico, do estabelecido nos textos normativos e nos precedentes jurisprudenciais.

Em relação ao magistrado interesseiro o papel do advogado é o de informar ao seu cliente acerca do caráter do julgador ou chamar a atenção pública para o caso, de modo a criar constrangimentos para o juiz.

Quanto ao magistrado que age de acordo com a sua consciência, de acordo com o seu juízo sincero acerca do que seja o certo ou o errado à luz do ordenamento jurídico, o papel do advogado é o de procurar convencer ou de influenciar o julgador em sua decisão.

Essa é a missão do advogado: influenciar o magistrado para que este decida de acordo com os seus interesses.

Tenha-se que se o magistrado age ou de acordo com a sua consciência ou de acordo com os seus interesses, o advogado sempre age de acordo com os interesses que representa. Com efeito, no momento em que o advogado assume o patrocínio de uma causa, ele deve defendê-la independentemente de sua consciência pessoal. Se o advogado não quiser agir contra a sua consciência ou contra os seus interesses, ele deve renunciar ao patrocínio da causa, pois, não raras vezes, mesmo o mais vil dos clientes, que cometeu o mais abjeto dos crimes, tem apenas o seu advogado.


II. O CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO

Como convencer o magistrado e o Supremo Tribunal Federal em particular de que a sua postulação deve ser acolhida?

Toda causa ou controvérsia pressupõe uma adequada compreensão do fenômeno jurídico. Uma adequada compreensão do fenômeno objeto de uma demanda judicial requer o conhecimento dos textos normativos (Constituição, Tratados, Leis, Decretos e tantos quantos textos prescritivos existam), das circunstâncias fáticas, dos paradigmas coletivos (valores e verdades compartilhados pela comunidade) e dos prismas individuais (valores e verdades da própria pessoa).

É aquilo que o insuperável mestre Miguel Reale denominou de "Teoria Tridimensional do Direito": as circunstâncias fáticas, os valores coletivamente compartilhados e os textos normativos. Eu acrescentaria os prismas individuais (a ciência, a consciência e a experiência de cada pessoa humana).

O advogado deve ter pleno domínio do Direito, em todas as suas dimensões, para tentar convencer o juiz. É preciso que o advogado tenha absoluta ciência de que do outro lado há um outro advogado procurando a mesma coisa, querendo o mesmo objetivo.

Em uma democracia com instituições e pessoas sérias, o direito é construído mediante o convencimento. E para convencer é preciso dominar a palavra. A advocacia é uma arte, a arte de convencer, de influenciar. Portanto, para convencer o magistrado o advogado deve ter pleno domínio da causa e deve estar tão bem preparado quanto o seu adversário e mais bem preparado que o próprio magistrado.

O magistrado não necessita de ter o mesmo conhecimento jurídico do advogado, o magistrado deve ter antes de tudo bom senso e deve agir com prudência e imparcialidade, ou seja, deve levar em consideração o esforço dos advogados. Juiz bom é juiz imparcial, no sentido de permitir-se convencer pela força dos argumentos jurídicos.


III. A COMPREENSÃO JUDICIAL DO FENÔMENO JURÍDICO

Como o Supremo Tribunal Federal tem julgado as causas ou como deveria julgar as demandas sob sua responsabilidade?

Todos sabemos que os textos normativos (e o texto constitucional em particular) são "obras abertas", são textos repletos de enunciados ou palavras com múltiplos significados, como soe acontecer com os termos "igualdade", "dignidade", "democracia" dentre outros.

Se os "enunciados" ou "termos" constitucionais não têm sentidos unívocos, mas plurívocos, como o Tribunal deve decidir ou atribuir força normativa a essas palavras? Qual a metodologia que o Tribunal tem utilizado ou deveria utilizar?

O primeiro passo é o de respeitar as palavras contidas no texto constitucional. O Tribunal não pode ignorar o que está escrito no texto. O Tribunal não pode dizer o que não estava escrito nem deixar de dizer o que estava escrito. O texto e o respeito ao texto é o ponto de partida para uma adequada solução da causa posta ao conhecimento do Tribunal.

A partir do texto, o Tribunal deve considerar as circunstâncias fáticas e os valores e verdades coletivamente compartilhados. O Tribunal não deve desprezar a sociedade e o mundo exterior, mas deve considerar essa sociedade e o restante do mundo. A Corte não deve se isolar para julgar.

O STF de 2010 pode julgar temas socialmente delicados que outrora seriam inimagináveis, como os temas do aborto, de cotas raciais, de pesquisas com células-tronco, de demarcação de terras indígenas, de união civil de homossexuais. E o STF de 2010 tem de julgar essas causas de acordo com a sociedade de 2010. Se estivéssemos em 1910 outro era o Tribunal e outra era a sociedade. Outras seriam as decisões.

Isso quer dizer que as palavras contidas no texto constitucional podem mudar de sentidos, pois as palavras são convenções lingüísticas coletivas e variam ao sabor das circunstâncias sociais.

Sempre cito os termos "igualdade e dignidade" na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA no tocante à questão racial e à clivagem entre negros e brancos naquele País. Com efeito, a Suprema Corte daquele País já decidiu que a pessoa de cor negra não possui a mesma dignidade da pessoa de cor branca (caso Dred Scott, 1857). Posteriormente, meio século depois, a Suprema Corte evoluiu e reconheceu a igualdade entre os negros e brancos, mas desde que ficassem separados (caso Plessy v. Ferguson, 1896). Mais meio século, e finalmente decidiram que a pessoa de cor negra é tão digna quanto a pessoa de cor branca, merecendo, ambas, conviverem juntos (caso Brown, 1954).

Nessa perspectiva, a eventual imutabilidade das palavras contidas nos textos não implica a imutabilidade dos sentidos dos textos. O Direito é "organismo vivo", é permanente experiência social e para sobreviver deve se adaptar. Quem não se adapta, quem não se movimenta, não sobrevive, morre.

O Tribunal deve se movimentar deve se adaptar aos novos tempos e a nova sociedade cada vez mais complexa, mais plural, mais posmoderna, onde as verdades e as certezas são fluídas e os valores estão menos sólidos.

Nessa linha, o advogado, para convencer o magistrado e o Tribunal, deve conhecer o texto normativo, deve conhecer os precedentes do Tribunal e conhecer as manifestações individuais do magistrado.

Para vencer uma causa, o advogado deve apelar para a coerência da Corte e para a coerência individual do magistrado. Essa é a principal garantia e o maior patrimônio de um Tribunal e de um juiz: a respeitabilidade e a coerência, inclusive nos "erros" e nas "injustiças".

O Tribunal (ou o magistrado) pode evoluir? Pode mudar de entendimento? Sim, pode, mas deve convencer e justificar adequadamente as razões de sua mudança ou de sua evolução.

A jurisprudência não pode ter a estabilidade das nuvens. O Tribunal deve ser coerente, deve passar uma mensagem de certeza, de previsibilidade e de segurança, pois deve permitir que as pessoas e as instituições "calculem" as conseqüências de suas escolhas normativas.

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IV. A ATUAÇÃO JUDICIAL DO STF E O PAPEL DO ADVOGADO

Segundo Antonio Umberto de Souza Jr., o STF deve superar a "síndrome de gata borralheira para vivenciar o sonho de Cinderela". Ou seja, para o Tribunal participar "do baile" das grandes causas, deverá agir como "gata borralheira" e julgar a imensa e azafamática pletora de Habeas Corpus e Agravos.

Com efeito, no Informativo 591 do STF (www.stf.jus.br), o Tribunal apreciou uma decisão do STJ que apreciou um acórdão do TJ que apreciou uma decisão de Juiz Monocrático se um cigarro de maconha se caracteriza como uma falta média ou grave de um reeducando. Ou seja, quatro instâncias judiciais por algo irrelevante.

Nada obstante o enxame de questões irrelevantes, o STF tem sido convidado a atuar em questões importantes. Essa atuação enseja um ativismo ou um arbítrio judicial? Se o Tribunal julgar de acordo com o ordenamento jurídico é ativismo. Se julgar fora do ordenamento jurídico é arbítrio.

Caso de ativismo judicial: mudança de orientação no mandado de injunção (MMII 670 e 718).

Caso de arbítrio: precatório judiciário de empresas públicas e sociedades de economia mista (RREE 220.906 e 599.628), a despeito do disposto nos artigos 100 e 173, § 2º, CF.

Como deve proceder o advogado para vencer uma demanda no STF?

Deve fazer uma análise minuciosa de precedentes similares. Deve analisar com atenção as manifestações dos Ministros em temas ou questões similares. Bater, com firmeza, nas seguintes "teclas": (a) da indispensável obediência ao texto normativo; (b) do indispensável respeito aos precedentes e à coerência da Corte (certeza, segurança e previsibilidade) e; (c) da homenagem ao uma metodologia constitucional adequada para a solução do caso concreto, tendo em perspectiva a sistematicidade constitucional

Deve o advogado argumentar, com vigor, levando em consideração: (a) as circunstâncias fáticas; (b) os valores sociais institucionalizados e protegidos no ordenamento jurídicos; e (c) os enunciados prescritos no texto constitucional e nos demais diplomas normativos, bem como nos precedentes jurisprudenciais. Deve o distribuir memoriais (breve, sintético, analítico etc.), pedir audiências com os Ministros e defesa oral na Tribuna da Corte. Também deve ter absoluto respeito e consideração pela parte adversária e pelos outros colegas advogados adversários na demanda.


V. MENSAGEM FINAL DE ESPERANÇA REALISTA

Apesar de todas as dificuldades e de todos os eventuais dissabores, a advocacia requer paixão e entusiasmo, no sentido de absoluta dedicação à causa e devemos acreditar na força dos nossos argumentos e devemos ter fé em nosso trabalho.

E ainda que o advogado saiba que os seus argumentos sejam infrutíferos, ele não pode abandonar o seu cliente nem a causa que abraçou e jurou defender.

Peço licença para finalizar recordando o que disse Evandro Lins acerca de Sobral Pinto (dois monstros da advocacia brasileira), nos períodos sombrios da ditadura Vargas em defesa dos presos políticos: "Nas horas agudas da repressão política, o arbítrio é ilimitado e é irracional a ação dos verdugos. O papel do advogado é muito importante e não apenas ilusório, nesses momentos, com a simples ação de sua presença. É conforto para o preso, esperança para a família e temor para o carrasco".

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; Orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A advocacia no Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2737, 29 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18154. Acesso em: 5 nov. 2024.

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