Resumo: A extinção do direito de punir da Administração Pública vai ocorrer ou não a depender do tipo de sanção; da sua natureza e objeto; da vinculação da sanção à pessoa do autuado e da necessidade de proteção e preservação do meio ambiente. A morte do autuado no curso do processo administrativo que apura o cometimento de infração administrativa ambiental resultará na extinção do direito de punir da Administração Pública em relação às sanções de advertência, multa e restritiva de direito.
Palavras-Chave: Infração administrativa ambiental. Morte do autuado. Processo administrativo em curso. Extinção do direito de punir.
As infrações administrativas ambientais, no âmbito federal, encontram respaldo, fundamentalmente, na Lei n° 9.605/98 e no Decreto n° 6.514/2008, de 22 de julho de 2008, que revogou o Decreto n° 3.179/99.
A Lei n° 9.605/98 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Já o Decreto n° 6.514/2008, dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências.
O art. 3°, do Decreto 6.514/2008, traz um rol de 10 (dez) sanções passíveis de aplicação quando do cometimento de infrações administrativas, quais sejam: advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades e restritiva de direitos.
Cumpre destacar que apenas as sanções de advertência e multa podem ser aplicadas pelo agente autuante no ato da fiscalização restando à autoridade julgadora, após o devido processo legal e contraditório, a aplicação das demais.
Contudo, o agente autuante, no momento da fiscalização, pode imputar ao infrator ambiental as medidas administrativas de apreensão; embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; suspensão de venda ou fabricação de produto; suspensão parcial ou total de atividades; destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração e demolição. Tais medidas administrativas não se revestirão da natureza de sanção, mas se caracterizarão como medidas acautelatórias, que tem como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.
Nesse contexto, a aplicação destas medidas administrativas pelo próprio agente fiscalizador não resulta em qualquer violação do devido processo legal ou contraditório.
A Instrução Normativa nº 14/2009 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, com alterações dadas pela Instrução Normativa nº 27/2009 do IBAMA, regula os procedimentos para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a imposição das sanções, a defesa ou impugnação, o sistema recursal e a cobrança de multa e sua conversão em prestação de serviços de recuperação, preservação e melhoria da qualidade ambiental no âmbito do IBAMA.
Assim, nos termos da Instrução Normativa n° 14/2009 do IBAMA, praticada uma conduta ou atividade que se enquadra como infração administrativa ambiental, possui a Administração Pública um prazo para apurar o cometimento dessa infração, proceder à lavratura do auto de infração e/ou aplicar medidas administrativas e por meio de decisão da autoridade julgadora competente, homologar as sanções e medidas administrativas imputadas.
Deve-se ter em conta que o processo administrativo percorre um longo caminho até que seja possível o seu julgamento, de forma a assegurar o respeito às diversas garantias constitucionais, tais como, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal (formal e material).
Nesse contexto, o auto de infração e termos próprios, acompanhados de outros documentos, necessitam ser cadastrado em sistema próprio; autuado enquanto processo; deve-se dar ciência ao infrator, no caso de ausência do mesmo ou preposto no local da infração; há ainda o prazo de defesa; o prazo para alegações finais e também existe a possibilidade de uma instrução probatória, com eventual produção de prova pericial, testemunhal ou documental.
Cumpre destacar, como nos ensina Curt Trennepohl [01], que auto de infração representa o resultado do exercício do poder de polícia administrativa do Estado, caracterizando-se por ser uma notificação de ilícito, em que se noticia ao autuado que está sendo acusado da prática de um ilícito.
E se a pessoa que teve o auto de infração lavrado contra si morrer no curso do processo administrativo? Dar-se-á a extinção do direito de punir da Administração Pública? É possível a transmissibilidade das sanções imputadas aos herdeiros do autuado?
Tal análise deve se dá, mutatis mutandi, em consonância com o previsto no inciso XLV, do art. 5°, da Constituição Federal que assegura que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
O postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator [02].
Antes de tudo, deve-se observar quais as infrações ambientais foram imputadas, pois a extinção do direito de punir da Administração Pública vai se operar ou não a depender do tipo de sanção; de sua natureza e objeto; da vinculação da sanção à pessoa do autuado e da necessidade de proteção e preservação do meio ambiente.
Vejamos cada sanção de per si, a partir do quanto previsto no Decreto 6.514/2008 e nos normativos do IBAMA, destacando-se, desde já, que a sanção ou medida administrativa imputada não se transmite aos herdeiros, enquanto autores da mesma, mas tão-somente pode-se vincular ao patrimônio deixado pelo infrator ambiental falecido.
-Advertência
A advertência nos termos do art. 5° do Decreto 6.514/2008 poderá ser aplicada, mediante a lavratura de auto de infração, para as infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente.
Consideram-se infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido [03].
No caso da advertência, a sanção assume um caráter estritamente pessoal, pois esta possui um enfoque educativo em face da menor lesividade ao meio ambiente. Assim, ocorrendo a morte do autuado no curso do processo administrativo, dar-se-á a extinção do direito de punir da Administração Pública.
- Multa
A multa simples está prevista como preceito secundário em todos os tipos infracionais. Assim, após a tipificação da infração vem a previsão da multa a ser aplicada, só deixando de imputada quando se puder e quiser aplicar a sanção de advertência.
Já a multa diária, cujo valor mínimo é de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e o máximo é de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) é aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo [04].
No que se refere à sanção de multa, ocorrendo a morte do autuado restará extinto o direito de punir do Estado. Isto porque, se o autuado morre antes da decisão administrativa que homologa o auto de infração, esta sanção não restou consolidada e incorporada ao seu patrimônio.
Assim, não restando confirmado administrativamente o auto de infração, com decisão administrativa transitada em julgado, a sanção de multa perde seu objeto, pois foi imposta ao autuado e não aos seus herdeiros.
Contudo, uma vez definitivamente julgado o processo administrativo, tendo-se confirmado a sanção de multa, só resta a sua execução, passando o patrimônio do autuado a responder por essa dívida.
Nesse sentido, cumpre destacar que a Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA aprovou a Orientação Jurídica Normativa de n° 18/2010 referente morte do autuado, senão vejamos:
"Após a notificação do autuado acerca da prolação da decisão irrecorrível, está encerrado o processo administrativo e formalmente aplicada a sanção, restando apenas a sua execução. Falecido o infrator, seu patrimônio passa a responder pela dívida, que poderá ser cobrada dos herdeiros ou do espólio.
O art. 1.997 do Código Civil regulamenta a questão estabelecendo que os herdeiros do falecido paguem a dívida deixada, mas fazendo uso da herança que lhe fora destinada. Desse modo, se a dívida ultrapassar o valor da herança, os herdeiros não precisarão pagar o excedente.
Em regra o pagamento deverá ser feito antes da divisão dos bens, porém, caso a partilha já tenha sido consumada, a quantia devida poderá ser adimplida por todos ou apenas um herdeiro, que resguarda o direito de exigir dos demais o que exceder a sua cota.".
Cumpre registrar que as Orientações Jurídicas Normativas da Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA representam o entendimento consolidado de uma determinada tese jurídica, sendo que a sua adoção é de natureza obrigatória, podendo, no entanto, o Procurador ressalvar seu entendimento pessoal.
- Apreensão
A sanção de apreensão pode ser aplicada em relação a animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração.
Os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcionalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo [05].
A presente sanção, não se vincula à pessoa do autuado, mas sim aos bens que estavam em seu poder ou que foram por este utilizado.
Assim, ocorrendo a morte do autuado no curso do processo administrativo, tal situação não resultará na extinção do direito de punir da Administração Pública, carecendo o processo administrativo de uma decisão da autoridade julgadora, quanto à apreensão, momento em que se observará a origem e o uso lícito dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração, podendo ou não serem devolvidos.
- Destruição ou inutilização do produto e Suspensão de venda e fabricação do produto
A sanção de destruição ou inutilização do produto é aplicada quando o produto não estiver obedecendo às determinações legais ou regulamentares [06].
Os produtos, inclusive madeiras, subprodutos e instrumentos utilizados na prática da infração poderão ser destruídos ou inutilizados quando a medida for necessária para evitar o seu uso e aproveitamento indevidos, nas situações em que o transporte e a guarda forem inviáveis, em face das circunstâncias, ou, quando possam expor o meio ambiente a riscos significativos ou comprometer a segurança da população e dos agentes públicos envolvidos na fiscalização [07].
A sanção de suspensão de venda e fabricação do produto constitui medida que visa a evitar a colocação no mercado de produtos e subprodutos oriundos de infração administrativa ao meio ambiente ou que tenha como objetivo interromper o uso contínuo de matéria-prima e subprodutos de origem ilegal [08].
No que tange a estas sanções observa-se que as mesmas também não se vinculam à pessoa do autuado, mas sim a um produto que contraria as determinações legais ou regulamentares, não havendo que se falar em extinção do direito de punir da Administração Pública com a morte do infrator ambiental, devendo o processo seguir seu curso, imputando-se estas sanções ou as confirmando, se tiverem a natureza de medida administrativa.
- Embargo da obra ou atividade
O embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas tem por objetivo impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada [09].
O embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas dar-se-á nas quando a obra for considerada irregular, sem licença ou autorização ambiental ou em desacordo com a concedida, ou ainda quando realizada em locais proibidos, bem como, quando a atividade estiver sendo exercida de forma irregular e houver risco de continuidade infracional ou agravamento de dano [10].
Cumpre destacar que quando o autuado, no mesmo local, realizar atividades regulares e irregulares, o embargo circunscrever-se-á àquelas irregulares, salvo quando houver risco de continuidade infracional ou impossibilidade de dissociação [11], só podendo o embargo ser levantado pela autoridade competente para julgar o auto de infração mediante a apresentação, por parte do interessado, de licenças, autorizações ou documentos que certifiquem a legalidade da atividade realizada na área embargada [12].
Ademais, conforme Portaria IBAMA n° 17/2010, a medida cautelar de embargo de obras ou atividades de interesse público, por ato do agente de fiscalização, antes de completada a instrução processual, somente será aplicada quando caracterizado que a sua continuidade representa risco iminente de agravamento de dano para o meio ambiente ou para a saúde pública.
No entanto, tratando-se de obras ou atividades cujo licenciamento ambiental seja de competência do IBAMA, o embargo como medida cautelar somente será efetuado mediante prévia aprovação do Presidente do IBAMA [13].
Vê-se que o embargo da obra ou atividade não se vincula diretamente à pessoa do autuado, carecendo de julgamento o processo administrativo em que essa sanção ou medida administrativa foi imputada, mesmo com a morte do autuado, como forma de preservação e proteção do meio ambiente.
Nesse sentido, cumpre destacar a Orientação Jurídica Normativa de n° 18/2010, em que se admite a manutenção do embargo, conforme excerto abaixo:
"Caso o IBAMA embargue uma obra por falta de licenciamento ambiental, a emissão de licença em momento posterior não basta para suspender o embargo, havendo necessidade de decisão fundamentada da autoridade competente. Do mesmo modo, a extinção da punibilidade em decorrência do óbito não implica em revogação automática da restrição imposta, devendo a autoridade julgadora manifestar-se expressamente sobre a manutenção ou não dos termos, bem como quanto à destinação de bens apreendidos, se for o caso.
Portanto, em se tratando de medida que objetiva impedir que a continuidade da ação resulte em maiores danos ao meio ambiente, há de ser mantido o embargo/interdição, cabendo à autoridade julgadora elaborar despacho saneador, determinando, se for caso, a lavratura de novo termo de embargo/interdição em face do espólio/herdeiros do falecido.
No caso de obras ilegais/irregulares, sem licença ou em desacordo com a mesma, justifica-se a manutenção do embargo porque as atividades devem ser paralisadas independentemente de quem seja o responsável. E mais, até que haja manifestação da autoridade competente, o descumprimento do embargo por qualquer pessoa enseja a aplicação da multa prevista no art. 79 do Decreto 6514/2008, que varia de dez mil a um milhão de reais, sem prejuízo da ação criminal por desobediência."
Desse modo, em face da natureza e objetivo do embargo, seja como sanção, seja como medida administrativa, tem-se que a morte do autuado não resultará na extinção do jus puniendi da Administração Pública.
- Demolição e Suspensão parcial ou total de atividades
A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental quando verificada a construção de obra em área ambientalmente protegida em desacordo com a legislação ambiental; ou quando a obra ou construção realizada não atenda às condicionantes da legislação ambiental e não seja passível de regularização [14].
A demolição de obra, edificação ou construção não habitada e utilizada diretamente para a infração ambiental dar-se-á excepcionalmente no ato da fiscalização nos casos em que se constatar que a ausência da demolição importa em iminente risco de agravamento do dano ambiental ou de graves riscos à saúde [15].
A suspensão parcial ou total de atividades constitui medida que visa a impedir a continuidade de processos produtivos em desacordo com a legislação ambiental [16].
A imputação de tais sanções, por não se vincular à pessoa do autuado, mas a uma obra ou atividade, não interferirá no andamento e conclusão do processo administrativo, caso haja a morte do infrator ambiental, não resultando, neste caso, na extinção do direito de punir da Administração Pública.
- Restritiva de direitos
As sanções restritivas de direito aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas são suspensão de registro, licença, permissão ou autorização; cancelamento de registro, licença, permissão ou autorização; perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e proibição de contratar com a administração pública [17].
Esta sanção refere-se diretamente à pessoa do autuado. Assim, com a sua morte a sua aplicação perde o sentido, pois carece de objeto, sendo inevitável a extinção do jus puniedi da Administração Pública.
Diante do exposto, tem-se que com a morte do autuado no curso do processo administrativo, só haverá a extinção do direito de punir da Administração Pública, em relação à sanção de advertência, restritivas de direito e de multa.
Quanto às demais sanções, a Administração Pública deve prosseguir com o julgamento do auto de infração e/ou medida administrativa, adotando-se a providência, se for o caso, de notificação do espólio ou dos herdeiros do falecido, em face da necessária e indispensável proteção e preservação do meio ambiente.
Notas
- TRENEPOHL, Curt, Infrações Contra o Meio Ambiente – Multas e Outras Sanções Administrativas, Belo Horizonte: Fórum, 2006, pg.38.
- AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-2006, Plenário, DJ de 16-6-2006.)
- Art. 5°, §1° do Decreto 6.514/2008.
- Art. 9° e 10 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 105 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 15 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 111 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 109 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 108 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 27 da Instrução Normativa 14/2009 do IBAMA.
- §1° do art. 28 da Instrução Normativa 14/2009 do IBAMA.
- §2° do art. 28 da Instrução Normativa 14/2009 do IBAMA.
- Art. 2° da Portaria 17/2010 do IBAMA
- Art. 19 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 112 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 110 do Decreto 6.514/2008.
- Art. 20 do Decreto 6.514/2008.