3. Interpretação Gramatical do §5º do artigo 477 da CLT.
Por fim, visando elencar os principais pontos argumentativos favoráveis ao empregado que inibiriam a compensação a que pretendemos estudar, não menos importante (e foco do estudo), é o §5º do artigo 477 da CLT. Logicamente que poderiam ser tratados outros princípios e disposições como por exemplo a liberdade de ir e vir do empregado, porém, por hora, demanda discussão apenas desses, uma vez que são raras as manifestações do judiciário nestes casos.
Nitidamente, o parágrafo 4º trata a respeito do pagamento que deve ser efetuado ao empregado pelo empregador no ato da homologação da rescisão do contrato de trabalho. Logicamente, estamos tratando de contrato de trabalho por prazo indeterminado e, em razão da finalidade do presente texto, não entraremos no mérito da questão acerca dos prazos para pagamento e para homologação da rescisão que, diga-se de passagem, tem muita divergência na doutrina e na jurisprudência.
Em verdade, a intenção é demonstrar que, não obstante ao princípio da proteção, bem como o artigo 2º da CLT, o artigo 477, §5º da CLT seria (e é) um bom argumento a ser utilizado pelo empregado no caso em estudo.
É que, de uma leitura gramatical não há duvidas que o legislador quis restringir a compensação a um mês de remuneração do empregado. Isto implica em reconhecer – a priori – que o empregador só poderá realizar descontos de dividas do empregado contraída durante o contrato de trabalho no momento da rescisão no limite de até um mês de remuneração
A respeito do limite da compensação, o TRT 3ª Região manifestou entendimento no RO nº 00659-2007-062-03-00-06 de lavra do Desembargador Luiz Ronan Neves Koury no sentido de que não pode ser feita acima de um mês de remuneração do empregado.
Diante destes pontos suscitados, tornar-se-ia óbice ao empregador realizar compensação de débito do empregado no momento da rescisão se aquele valor devido fosse superior a um mês de remuneração. Lado outro, mister elucidar que a impossibilidade de compensar no ato da rescisão divida do empregado que superem o montante a ser recebido não significa em hipótese alguma perdão da divida, pois caberia ao empregador recorrer aos meios legais para receber o seu crédito e, certamente seria o meio mais difícil que a compensação, senão certeza de frustração.
Daí a proposição da reflexão que está sendo construída neste trabalho, uma vez que não se coaduna no Estado democrático de direito a proteção do devedor em detrimento do interesse do credor, ainda que este devedor seja o trabalhador.
Outrossim, para aqueles que defendem a impossibilidade de compensar qualquer divida acima de um mês da remuneração do empregado, estes são os principais argumentos que podem ser encontrados em defesas trabalhistas e nos mais renomados manuais de direito do trabalho.
4. Interpretação Teleológica do §5º do artigo 477 da CLT
O ultimo tópico acerca da possibilidade de compensação acima de um mês da remuneração na rescisão em se tratando de pacto de permanência é este acerca da interpretação do artigo da CLT, ao qual transcrevemos, in verbis:
Artigo 477 da CLT, §5º - Qualquer compensação no pagamento de que trata o parágrafo anterior não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado
O parágrafo começa com a expressão "qualquer compensação" e, de uma leitura gramatical poderíamos entender que qualquer compensação que empregador fizer, porém, o sentido que a norma quis atingir aparenta ser diferente.
Conforme já tratado em tópico específico, a compensação de que trata o artigo supracitado é a legal, decorrente de lei. Quando o legislador diz "qualquer compensação" o sentido que entendemos que este quis atingir foi o de qualquer débito (qualquer débito que deva ser compensado). Isto é, qualquer débito que por força de lei tenha que ser compensado. Por outro lado, não se pode afirmar que o legislador quis atingir à toda espécie do gênero compensação (legal, convencional, judicial), isto porque esta definição é derivada do direito Civil.
Ademais, como vimos nos capítulos anteriores, a intenção do legislador de limitar a compensação foi evitar o prejuízo e surpresa do empregado no momento da rescisão, justamente em razão da força compulsória que tem a compensação legal. Por outro lado, como já dito alhures, José Serson entende que a limitação da compensação no ato da rescisão é de evitar fraude consistente em constar como pago um valor maior do que o entregue ao empregado, com vistas ao imposto de renda da pessoa jurídica (SERSON, José, 1995, Pag. 115).
De outro norte, estamos interpretando o artigo partindo da premissa que a intenção do legislador foi de proteger o empregado e não a fraude contra o sistema financeiro ou da seguridade social.
Partindo dessa premissa, podemos interpretar o "qualquer compensação" da seguinte forma: Toda divida do empregado a ser compensada; todo o débito do empregado a ser compensado; toda verba devida pelo empregado a ser compensada; a divida do empregado que deve ser compensada.
Desta forma, por ser a limitação do artigo estritamente da compensação legal, afastamos a possibilidade de limitar a compensação na rescisão em se tratando de convenção entre as partes da forma de compensação (compensação convencional).
Como exemplo trazemos à colação a Convenção Coletiva dos Vigilantes de carro-forte7 que estabelece a compensação na rescisão independente do que dispõe o §5º do artigo 477 da CLT.
CLAUSULA TRIGÉSIMA – DIPLOMA – Tão logo requerido e efetuado o ressarcimento conforme dispõe o parágrafo segundo dessa cláusula a empresa ficará obrigada a entregar o diploma do vigilante e/ou de reciclagem a seu titular, após recebido da Entidade competente.
PARÁGRAFO PRIMEIRO – Quando o curso e/ou reciclagem for custeado pela empregadora, os vigilantes ficam obrigados a nela permanecer por 12 (doze) meses, contados da conclusão do curso e/ou reciclagem, a titulo de ressarcimento das despesas custeadas pela empregadora.
PARÁGRAFO SEGUNDO – Na hipótese do vigilante não permanecer na empresa que lhe custeou o curso e/ou reciclagem, seja por pedido de demissão, ou dispensa por justa causa, ser-lhe-á cobrado, a titulo de indenização pelos custeios destas despesas, o valor correspondente ao custo atualizado do curso e/ou reciclagem proporcional ao período trabalhado (1/12 avos por mês trabalhado será a indenização), período esse que será contado após a realização do curso e/ou reciclagem, assegurando-se à empresa, para tal ressarcimento, o direito à compensação sobre a importância devida ao empregado vigilante.
Neste caso, tem uma convenção coletiva estabelecendo uma forma convencional de compensação sem vícios de consentimentos, desta feita, não há que se falar que haverá prejuízo para o empregado ou então surpresa no momento da rescisão. Lado outro, ainda que tratasse de acordo entre empregado e empregador, não cremos que haveria algum empecilho para se fazer a mesma interpretação e possibilitar a compensação na rescisão, uma vez que trata-se de direito disponível do empregado.
Por certo, se o empregador quiser compensar alguma divida do empregado, de natureza trabalhista, que não decorra desta cláusula, haverá o limite da CLT, vez que estaria sendo feita a compensação legal, porém, se a divida a ser compensada na rescisão for esta descrita na cláusula, não haverá óbice algum, por ser esta convencionada pelas partes.
REFERÊNCIAS
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CARRION, Valentim, Comentários à consolidação das leis do trabalho, 28ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003
Convenção Coletiva de Trabalho – 2008/2010 TRASPORTE DE VALORES
DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho , 5ª edição, LTr, São Paulo, 2006
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006.
GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª edição, Forense, Rio de Janeiro; 2005.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 22ª edição, Saraiva, São Paulo, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito Civil, 12ª Edição, Forense, Rio de Janeiro, 2006.
SAAD, Eduardo Gabriel, Consolidação das Leis do Trabalho COMENTADA, atualizada e revisada por JOSE EDUARDO DUARTE SAAD e ANA MARIA SAAD CASTELLO BRANCO, 41ª edição, 2008.
SERSON, José, Curso de Rotinas Trabalhistas, 35ª edição, RT, São Paulo, 1995.
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo , 11ª edição, Malheiros, São Paulo, 1996
SUSSEKIND, Arnaldo, Instituições de direito do Trabalho, 19ª edição, LTr, São Paulo, 2000.
TALAVEIRA, Glauber Moreno, artigo A Função Social do Contrato no Novo Código Civil, consultado em https://www.cjf.jus.br/revista/numero19/artigo11.pdf, disponível para consulta no dia 15 de abril de 2009.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social, Forense, Rio de Janeiro, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 5ª edição, Atlas, São Paulo, 2005
Notas
COMPENSAÇÃO. A compensação é um modo de extinção de obrigação, até onde equivalerem, entre pessoas que são, ao mesmo tempo, devedora e credora da outra. (DINIZ, Maria Helena, 2006 pag.366 – Silvio Salvo Venosa também entende que a compensação tem forma de extinção, justamente em razão de haver o cumprimento de uma obrigação sem que haja a entrega de bem material.
Art. 368. do Código Civil de 2002: Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se até onde se compensarem
"A compensação, na Justiça do Trabalho, está restrita a dívidas de natureza trabalhista".
A compensação, ou retenção, só poderá ser argüida como matéria de defesa
Art. 1.009. do Código Civil de 1916 - Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem
"Quanto aos descontos dos valores adiantados ao reclamante, a Turma entendeu por manter a sentença que determinou a compensação do valor de R$1.800,00, remuneração tida como sendo a última recebida pelo reclamante. Ou seja, qualquer compensação no pagamento a que fizer jus o reclamante não poderá exceder o valor do seu último salário. Processo: (RO) 00659-2007-062-03-00-0 – Fonte: www.trt3.jus.br ", consultado dia 18/04/2009
Convenção Coletiva de Trabalho – 2008/2010 TRASPORTE DE VALORES