4 OS ATOS DE COMÉRCIO
O Direito Comercial como um direito profissional e corporativista desaparece quando são editados, na França, os códigos napoleônicos de Direito Civil e Comercial, respectivamente, em 1804 e 1808. Passa, então, a existir um sistema jurídico estatal para disciplinar as relações mercantis em lugar do antigo direito de classe, não mais norteado pela óptica dos comerciantes, mas sim, pelo espírito da burguesia comercial e industrial, valorizando a riqueza imobiliária; e um Código Civil que atendia os interesses da burguesia fundiária, pois estava centrado no direito de propriedade [06].
Diante dessa divisão, cria-se a necessidade de se delimitar, através de critérios claros, a atuação do código comercial que surgiu como um regime jurídico especial para a regulamentação das atividades comerciais. Assim, surge a teoria dos atos do comércio que, segundo Coelho [07], resume-se, rigorosamente falando, a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligação.
Os atos de comércio eram definidos pelo legislador, tendo como uma de suas funções a de atribuir a qualidade de comerciante a quem os exercesse. Dessa forma, tem-se que eram expressos em lei quais atos eram de natureza mercantil e, automaticamente, quem os praticasse era qualificado como comerciante e estava sujeito às regras do Direito Comercial.
Muda-se, assim, o foco da mercantilidade: antes subjetivista, pois se aplicava o Direito Comercial apenas aos comerciantes membros das corporações de ofício; agora objetiva – os atos de qualquer cidadão, independente de ser filiado ou não a uma corporação, desde que tidos como legalmente de comércio, seriam regidos pelo Direito Comercial. Assim, o objeto do Direito Comercial passa a ser a atividade comercial em si e não mais a pessoa que a executava, por isso falar-se em sua objetivação a partir de então.
Com a codificação francesa de princípios do século XIX, o Direito Comercial abandonava o sistema subjectivo – segundo o qual este direito se aplicava apenas a quem estivesse inscrito como comerciante no correspondente registro –, adaptando o sistema objectivo: o Direito Comercial aplica-se a todos os actos de comércio, praticados por quem quer que seja, ainda que ocasionalmente [...]. [08]
Essa objetivação reflete, na verdade, o princípio da igualdade entre os homens oriundo da Revolução Francesa, que se contrapunha ao favorecimento de uma classe em detrimento das demais, como ocorria com o sistema subjetivista dos atos de comércio.
Por se resumir ao estabelecimento de uma relação de atividades econômicas, o sistema francês dos atos de comércio gerou indefinições quanto à natureza mercantil de algumas delas, principalmente, porque quando de sua definição pelo legislador, apenas foi considerada a natureza comercial dos atos que já eram realizados pelos comerciantes da época; ou seja, não existiram critérios científicos para defini-los, mas sim, apenas fatores da tradição histórica. Também foi essa a razão de se ter deixado de fora atividades importantes como a prestação de serviço, a agricultura e a negociação imobiliária, uma vez que essas atividades não eram tradicionalmente desenvolvidas pelos comerciantes.
A inexistência de um critério científico na divisão das atividades econômicas em civis e comerciais e a exclusão de importantes atividades do rol dos atos comerciais constituem os principais motivos para que a teoria dos atos de comércio perdesse prestígio e fosse substituída pelo sistema italiano da teoria da empresa. Vale destacar que tal substituição só ocorre mais de um século após terem sido editados os códigos napoleônicos, tempo mais que suficiente para servirem de inspiração para praticamente todas as codificações que a eles se seguiram, inclusive o Código Comercial Brasileiro de 1850.
5 TEORIA DA EMPRESA
Com a Revolução Industrial e a consequente efervescência econômica por ela trazida, a teoria francesa não conseguiu acompanhar a rápida evolução das atividades econômicas, o que a tornou ultrapassada por não mais identificar com precisão a matéria comercial. Como tal teoria não era mais suficiente para abarcar as inovações do campo mercantil vivenciadas do século XIX para o XX, surge, em sua substituição, a teoria da empresa – uma fórmula para se definir a comercialidade das relações jurídicas.
A teoria da empresa foi inserida no Código Civil italiano de 1942 que, diferentemente do sistema francês, não dividiu as atividades econômicas em dois grandes regimes – civil e comercial, passando a disciplinar os dois num único diploma legal, uniformizando a legislação do direito privado para por fim à diferença de tratamento entre eles existente.
Conforme Coelho [09], apesar dessa teoria ser um modelo mais adequado ao capitalismo dominante, não ocorre a extinção da diferença de tratamento entre as atividades econômicas, ela apenas muda de foco, saindo do tipo de atividade e indo para o nível de importância econômica. Assim, o autor não concorda que ela tenha significado a unificação do direito privado, e sim, que ela seja o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica.
Enquanto a teoria dos atos de comércio exclui da abrangência do Direito Comercial atividades de grande importância como a agricultura e a negociação imobiliária, que ficavam sob o regime do Direito Civil, a teoria italiana deixa fora da jurisdição comercial apenas algumas atividades de menor expressão econômica, como os profissionais liberais e pequenos comerciantes – para essas, é reservada uma disciplina específica.
A teoria da empresa elaborada pelos italianos não se preocupa com o gênero da atividade econômica. O que importa é o desenvolvimento da atividade econômica mediante a organização de capital, trabalho, tecnologia e matéria-prima, que resulte na criação e na circulação de riquezas. Com ela o Direito Comercial passa a ser baseado e delimitado na atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, libertando-se da arbitrária divisão das atividades econômicas segundo o seu gênero, como previa a teoria dos atos de comércio.
Para a teoria da empresa, o Direito Comercial não se limita a regular apenas as relações jurídicas em que ocorra a prática de um determinado ato definido em lei como ato de comércio (mercancia). A teoria da empresa faz com que o Direito Comercial não se ocupe apenas com alguns atos, mas com uma forma específica de exercer uma atividade econômica: a forma empresarial. [...] Fica superada, portanto, a dificuldade, existente na teoria francesa dos atos de comércio, de enquadrar certas atividades na disciplina jurídico-comercial [...] Para a teoria da empresa, qualquer atividade econômica, desde que exercida profissionalmente e destinada a produzir ou fazer circular bens ou serviços, é considerada empresarial e pode submeter-se ao regime jurídico comercial. [10]
Assim, o sistema italiano superou os defeitos da teoria francesa, ampliou o campo de abrangência do Direito Comercial e, a partir de meados do século XX, a tendência das legislações de direito privado é a de não mais fazer a divisão dos empreendimentos em civil ou comercial, com regimes de regulação diferenciados, mas sim, discipliná-los através de um regime geral que deixa de fora apenas algumas atividades com mínima expressão econômica.
6 O DIREITO COMERCIAL NO BRASIL
É possível dizer que a história do Direito Comercial brasileiro se inicia em 1808, com a chegada da família real portuguesa (que se refugiava do domínio napoleônico na Europa) e a abertura dos portos às nações amigas que a ela. Isso ocorreu através da Carta Régia de 28 de janeiro desse mesmo ano. Além deste, outros importantes atos foram editados para disciplinar o comércio, sendo exemplos: o Alvará de 1º de abril, que permitiu o estabelecimento livre de fábricas e manufaturas; e o de 12 de outubro, que criou o Banco do Brasil.
Em 1815, com a paz novamente reinando na Europa, D. João VI retorna a Portugal dando condições para que aqui surgisse o estado brasileiro, o que é concretizado em 1822 com a independência. Mesmo independente, até ser sancionada a Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, que fez nascer o Código Comercial Brasileiro, as relações jurídico-mercantis do Brasil eram regidas pelas leis portuguesas e os Códigos Comerciais da Espanha e da França. Isso acontecia em razão de entre as leis portuguesas existir a "Lei da Boa Razão" a qual previa que, no caso de lacuna da lei portuguesa, fossem aplicadas as leis das "nações cristãs, iluminadas e polidas para dirimir os conflitos [11].
Como o Brasil apresentava grande potencial econômico, surgiu a necessidade de se ter um código comercial próprio em substituição às disciplinas estrangeiras, culminando com a aprovação, pelo então Imperador D. Pedro II, do Código Comercial Brasileiro, inspirado diretamente no Código Comercial francês.
Dessa maneira o direito brasileiro passou a disciplinar a atividade econômica pelos critérios da teoria dos atos de comércio, embora nenhum dos seus artigos apresente a enumeração desses atos, como acontece no Código Comercial francês de 1807 nos artigos 632 e 633. Essa ausência foi proposital e se justificou pelos problemas que a enumeração causava na Europa em relação à caracterização da natureza comercial ou civil de determinadas atividades econômicas constantes da lista dos atos de comércio. Temendo que isso se repetisse no Brasil, o legislador optou por não inserir tal enumeração no Código Comercial Brasileiro.
[...] trouxe para o direito nacional o sistema francês de disciplina privada da atividade econômica. O próprio Código não menciona a expressão "atos de comércio" e tampouco os enumera. [...] Contudo, a despeito dessa proposital inexplicitação, todos os dispositivos do Código são acentuadamente marcados pela teoria dos atos de comércio. E, de qualquer modo, a legislação brasileira não teve como fugir do elenco normativo desses atos, editando-se, ainda em 1850, o Regulamento n. 737, diploma processual de qualidade técnica destacada, em cujo art. 19 definem-se as atividades sujeitas à jurisdição dos Tribunais do Comércio. [12]
A importância da lista do Regulamento 737 só vem a diminuir a partir de 1960 quando o direito brasileiro começa a se aproximar do italiano e de sua disciplina privada uniformizada.
A utilização de um sistema geral para disciplinar a atividade econômica, deixando de fora apenas certas modalidades menos importantes, adotado desde 1942 pelo direito italiano, atraiu muitos países de tradição romanística, entre eles o Brasil. Vigente desde 1850, em muitas das tentativas de reforma do Código Comercial Brasileiro houve intenção de unificar o direito privado.
O projeto Inglês de Sousa do código comercial foi apresentado, em 1912, ao governo Hermes da Fonseca, juntamente com a alternativa de um código único de direito privado. Em 1941, o ministro Francisco Campos recebeu de Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães o anteprojeto de código das obrigações. A mesma orientação unificadora esteve presente no código encomendado a Caio Mário da Silva Pereira em 1961[...]. [13]
A tão buscada unificação do direito privado brasileiro veio a ocorrer, formalmente, apenas em 2002, com o novo Código Civil. Mas, apesar dessa "unificação" ter se consolidado apenas aí, é possível constatar que desde os anos 1970 o sistema italiano da teoria da empresa já vinha sendo considerado pela doutrina pátria; bem como, vinha sendo utilizado em julgados de causas mercantis em razão da teoria francesa não mais abarcar os conflitos que surgiam.
O Direito Comercial brasileiro filia-se, desde o último quarto do século XX, à teoria da empresa. No anos 1970, a doutrina comercialista estuda com atenção o sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica. Já nos anos 1980, diversos julgados mostram-se guiados pela teoria da empresa para alcançar soluções mais justas aos conflitos de interesse entre empresários. A partir dos anos 1990, pelo menos três leis (Código de Defesa do Consumidor, Lei das locações e Lei do Registro do Comércio) são editadas sem nenhuma inspiração na teoria dos atos do comércio. O Código Civil de 2002 conclui a transição, ao disciplinar, no Livro II da Parte Especial, o direito de empresa. [14](grifos do autor)
As dificuldades encontradas na definição da comercialidade das relações jurídicas e a adoção da teoria da empresa para caracterizar determinadas atividades econômicas como comerciais caracterizam o período de transição do Direito Comercial brasileiro. Esse período transitório entre a teoria dos atos de comércio, presente no Código Comercial, e teoria da empresa, já usada no âmbito jurídico-mercantil na doutrina, na jurisprudência e algumas leis comerciais, se vê finalizado com a edição do novo Código Civil brasileiro.
7 O NOVO CÓDIGO CIVIL E O DIREITO DE EMPRESA
As mudanças ocorridas na sociedade, com a evolução cultural e com o desenvolvimento científico, provocaram transformações em todo o planeta no último século. Como não podia ser diferente, diante do caráter social que tem o Direito, essas mudanças exigiram que as normas jurídicas se adaptassem às novas situações existentes nas relações que elas intermediam. No Brasil, merecem destaque as muitas modificações pelas quais passou o Direito Civil, que culminaram com o novo Código Civil.
Promulgado em janeiro de 2002, o novo Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002), entrou em vigor em janeiro de 2003, revogando expressamente o Código Civil de 1916 (Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916) e a Parte Primeira do Código Comercial (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850), que trata do "Comércio em Geral".
É bem verdade que a morosidade é uma das características marcantes da história do novo Código Civil, ao ponto dele já ser considerado um código ultrapassado em alguns aspectos. Isso se deve ao grande tempo que levou para ser editado, uma vez que ele tramitava no Congresso Nacional desde 1975 (Projeto n° 634/75).
Uma das maiores mudanças do novo diploma legal foi a tão aguardada unificação formal (legislativa) do direito privado brasileiro, disciplinando tanto a matéria civil quanto a matéria comercial, a exemplo do que ocorreu na Itália em 1942. Finalmente, depois de décadas de uma nítida aproximação do sistema italiano da teoria da empresa, Código Civil e Comercial são unificados e o direito brasileiro abandona a teoria francesa dos atos de comércio.
Ao afastar-se da antiga idéia francesa da enumeração não criteriosa de atividades econômicas tidas, legalmente, como atos de comércio, o Brasil abandona a prática que excluía, do regime comercial, importantes atividades econômicas por causa do gênero como, por exemplo, a prestação de serviços e a atividade imobiliária. Ao adotar a teoria da empresa, o novo Código Civil brasileiro unifica a legislação nacional do direito privado e consolida o Direito Comercial como o direito da empresa, maior e mais adequado para disciplinar o desenvolvimento das atividades econômicas no país.
O Código possui 2.046 artigos e divide-se, fundamentalmente, em Parte Geral e Parte Especial. A Parte Geral possui três Livros: I. Das Pessoas; II. Dos Bens; III. Dos Fatos Jurídicos. A Parte Especial contém cinco Livros: I. Do Direito das Obrigações; II. Do Direito de Empresa; III. Do Direito das Coisas; IV. Do Direito de Família; V. Do Direito das Sucessões. As disposições finais e transitórias estão previstas no Livro Complementar.
Baseado no Código Civil italiano de 1942 (conhecido pela unificação legislativa do direito privado e, também, por apresentar uma nova teoria para disciplinar as atividades econômicas, a teoria da empresa) o novo Código Civil brasileiro promove a substituição da imprecisa e ultrapassada teoria dos atos de comércio. Isso, consequentemente, culminou com a revogação da Primeira Parte do Código Comercial de 1850, fazendo desaparecer a noção jurídica de "atos de comércio", uma vez que a parte revogada era a que conferia um regime jurídico diferenciado para os atos jurídicos que fossem considerados como "atos de comércio" e para os comerciantes.
O Código Civil de 2002 trata, no seu Livro II, Título I, do "Direito de Empresa". Desaparece a figura do comerciante, e surge a figura do empresário (da mesma forma, não se fala mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresária). A mudança, porém, está longe de se limitar a aspectos terminológicos. Ao disciplinar o direito de empresa, o direito brasileiro afasta-se, definitivamente, da ultrapassada teoria dos atos de comércio, e incorpora a teoria da empresa ao nosso ordenamento jurídico, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o âmbito de incidência do regime jurídico comercial. [15]
Economicamente falando, no entanto, os "atos de comércio" não desapareceram. O que deixou de existir foi apenas sua dimensão jurídica. Dito de outro modo, o ato de comprar e vender algo continua ocorrendo como antes, só que agora sem existir diferença entre uma compra e venda mercantil e uma compra e venda civil, sendo qualquer ato dessa natureza regido pelo novo Código Civil, que agora também engloba, formalmente, a disciplina mercantil.
Além dos atos de comércio, com o advento do novo Código Civil, também sai de cena o termo "comerciante" (que era toda pessoa física ou jurídica que praticasse atos de comércio em nome próprio com habitualidade, profissionalismo, como meio de vida e intuito de lucro), que foi substituído por "empresário".
Tendo o Código Civil de 2002, conforme vimos, adotado a teoria da empresa, restou superado o ultrapassado e deficiente critério do código comercial de 1850, que definia o comerciante como aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Com a edição do Código Civil de 2002, portanto, tornam-se obsoletas as noções de comerciante e de ato de comércio, que são substituídas pelos conceitos de empresário e de empresa. [16]
Dessa forma, torna-se imprescindível compreender o significado de empresário e de empresa, dentro da perspectiva jurídica do novo Código, para se ter uma exata noção do que tais mudanças significam, na prática, para as relações jurídico-mercantis, motivo pelo qual serão tratados em tópico específico que se segue.
7.1 Empresa e empresário: algumas considerações.
O Livro II do Código Civil, que trata do Direito de Empresa, divide-se em Título I – Do Empresário, Título II – Da Sociedade, Título III – Do Estabelecimento e Título IV – Dos Institutos Complementares. Para o presente trabalho, serão expostas algumas considerações apenas acerca do Título I, que compreende os artigos de 966 a 980 e trata, em seu primeiro Capítulo, da caracterização e inscrição do empresário e, no Capítulo segundo, de sua capacidade de exercício.
A figura do empresário é uma novidade trazida pelo novo Código Civil. Nos termos do seu art. 966, "empresário" é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Portanto, quem exercer dada atividade econômica de forma esporádica não será considerado empresário nos termos da lei.
Ressalte-se, por oportuno, que também fica excluído dessa definição quem exerce atividade intelectual, de natureza literária, artística ou científica, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa, nos termos do parágrafo único desse mesmo artigo.
Assim, quem é empresário deve obediência a um conjunto de direitos e obrigações (regime jurídico) diverso de quem não é empresário. Em outras palavras, o empresário tem certos direitos e certas obrigações que o não-empresário não tem e vice-versa. Em se tratando de regras jurídicas, entretanto, nos termos do art. 2.037 do novo Código Civil, o regime jurídico do antigo comerciante continua a ser aplicado ao moderno empresário, senão, vejamos:
Art. 2.037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis.
Depreende-se, então, que no novo Código a figura do comerciante foi absolvida pela do empresário, sendo que os institutos jurídicos que se aplicavam aquele, e que ainda estejam vigentes, passam a ser aplicados a este, o que está disposto expressamente.
Como se vê, nem mesmo o regime jurídico do comerciante desapareceu por completo. O que ocorreu com a adoção da teoria da empresa foi que se esqueceu o confuso conceito de ato de comércio e, a empresa, a atividade econômica em si, passa a ser o novo núcleo do Direito Comercial. O empresário, por sua vez, torna-se o principal elemento, já que ele é o responsável pela atividade empresarial.
Conceituando, tem-se que empresa corresponde à atividade econômica organizada, destinada à produção ou à circulação de bens ou de serviços [17]; e o empresário é aquele que exerce a empresa, a partir da organização dos bens que a integram. Corroborando com tal entendimento, Fábio Ulhôa Coelho assevera que empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços [18].
Observa-se que para ser considerado empresário não basta simplesmente a vontade do indivíduo em sê-lo, pois é preciso obedecer a certos dispositivos pertinentes à atividade e que são legalmente estipulados, como: o exercício precisa ser profissional, com habitualidade com o fim de produzir bens ou serviços; o empresário deve, obrigatoriamente, inscrever-se junto ao respectivo Registro Público de Empresas Mercantis antes de iniciar a atividade (art. 967).
Vale salientar que a atividade empresarial é também econômica, por visar o lucro; é organizada, uma vez que o empresário articula os meios de produção, o capital, a mão-de-obra e tudo o mais que se faça necessário para o devido andamento da empresa.
Entenda-se a idéia de lucro aqui como utilidade. É lucrativa a atividade que produz uma utilidade, e não somente aquela que se traduz em dinheiro. De qualquer forma, o critério de economicidade é essencial. A atividade deve produzir o suficiente para, pelo menos, remunerar os fatores da produção e, dentre eles, o capital investido, de molde a assegurar, por si mesma, a sua sobrevivência. [19]
A empresa é atividade organizada no sentido de que nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. [20]
Além de caracterizar a figura do empresário, o Título I, em seu Capítulo II, trata de sua capacidade de exercício, o que é contemplado nos artigos 972 a 980 do CC-02. De forma geral, fica estipulado que para exercer a atividade de empresário é preciso encontrar-se em pleno gozo da capacidade civil e não ser legalmente impedido – art. 972.
Sobre a capacidade civil, O Código Civil de 2002, em seu art. 3º, dispõe sobre os absolutamente incapazes de exercerem pessoalmente os atos da vida civil, apontando: os menores de 16 anos; os enfermos ou deficientes mentais, desde que tais acometimentos afetem seu discernimento; e os que não possam exprimir sua vontade, mesmo transitoriamente. Na sequencia, no art. 4º, são elencados os relativamente incapazes, que seriam: os maiores de 16 e menores de 18 anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os de discernimento reduzido por deficiência mental; os excepcionais e os pródigos. Acrescente-se que a incapacidade cessará para os menores de 16 anos que se encontrarem emancipados, casados, em exercício de emprego público efetivo, com ensino superior concluído ou tenha economia própria – nos termos do art. 5º, parágrafo único.
Então, da leitura desses dispositivos, depreende-se que fica impossibilitado de exercer a atividade de empresário as pessoas que se enquadrarem nessas situações de incapacidade civil. Em caso de ser impedido e, mesmo assim, exercer tal atividade, a pessoa, nos termos do art. 973, responderá pelas obrigações contraídas.
Os demais artigos referentes à capacidade de exercício tratam da situação dos incapazes e dos cônjuges diante do exercício da atividade empresarial. Quanto ao incapaz, desde que a incapacidade tenha sido adquirida após o início da atividade empresarial, ele poderá continuar a empresa, sendo que para isso deve estar devidamente assistido pelos pais ou pelo autor de herança; os conflitos que por ventura surjam para o devido cumprimento desse dispositivo serão decididos pelo judiciário (art. 974-975).
Em relação ao empresário casado, vale destacar que se faculta a contração de sociedade, entre os cônjuges ou com terceiros, desde que o regime de bens não seja o de comunhão universal nem o da separação parcial; bem como, que é dispensada a aprovação conjugal, independente do regime de bens, para a alienação dos imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real (art. 977-978).