Sumário: 1. Introdução. 2. Impossibilidade de cumprimento de medida judicial pela União. Sistemática de apuração do Imposto de Renda. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO:
Tem-se tornado comum na lida diária das diversas sedes da Procuradoria da Fazenda Nacional o enfrentamento de ações judiciais em que são questionadas exações tributárias retidas na fonte, ou seja, já descontadas antes mesmo do recebimento dos proventos pelo contribuinte.
Nessa senda, sem adentrar discussões jurídicas acerca das diversas espécies submetidas por lei à sistemática da retenção na fonte, cumpre salientar que em muitas ações judiciais tem sido concedida a antecipação de tutela para que a União se abstenha em proceder ao recolhimento do gravame contestado.
Neste trabalho, analisaremos o equívoco em que tem incorrido o Poder Judiciário ao impor à União o cumprimento de medida cuja competência para o exercício é conferida por lei a pessoa diversa, como sói ocorrer quanto à abstenção de retenção de tributos na fonte, sendo a fonte pagadora pessoa jurídica de direito privado não integrante da Administração.
2. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO MEDIDA JUDICIAL PELA UNIÃO. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA:
Exemplo de situação aventada no intróito ocorreu com a interposição de ação judicial por empregado de empresa privada questionando a incidência de Imposto de Renda sobre licença prêmio indenizada.
Deixando de analisar com minúcias o mérito da questão, cumpre assinalar que o juiz do feito concedeu a antecipação de tutela pleiteada, ordenando à União que se abstivesse de descontar o indigitado imposto até o julgamento final do processo, devendo comprovar o cumprimento da decisão sob pena de multa diária em proveito do autor.
Ocorre que a Fazenda Nacional não possui competência jurídica para o cumprimento direto da ordem judicial, haja vista não ser a fonte pagadora daquele contemplado no comando decisório liminar. Sendo assim, a atitude processual mais consentânea com o efetivo adimplemento prático do decisum seria que o Juízo prolator notificasse a fonte pagadora para determinar que esta não procedesse ao desconto do imposto.
E de outra forma não poderia ser, já que a União não possui ingerência ou poder de comando sobre as pessoas jurídicas de direito privado alheias à Administração Pública Federal. Somente o Poder Judiciário é quem ostenta a prerrogativa constitucional de obrigar as partes correlatas ao cumprimento de suas decisões. Portanto, só o Judiciário é quem poderia determinar à empresa que se abstivesse de efetuar o desconto do tributo.
Quanto à União, a única conduta exigível seria a abstenção em autuar a empresa pagadora pelo não recolhimento e conseqüente repasse, em completo respeito à decisão concessiva da liminar.
No episódio narrado, tendo ocorrido o desconto ante a ausência de comunicação à fonte pagadora, a responsabilidade é atribuível apenas ao Juízo, já que não se pode responsabilizar a empresa pelo regular exercício de uma obrigação tributária imposta por lei - a de atuar como substituto tributário do empregado, recolhendo o tributo e repassando-o ao Fisco - e, muito menos, a Fazenda Nacional, que não efetua os descontos combatidos e nem pode coagir a fonte pagadora ao cumprimento de qualquer dever de conduta distinto daqueles previstos ostensivamente em lei.
Certamente, no caso em tela, o grande prejudicado foi o contribuinte, autor da ação, o qual, a despeito de ter logrado êxito na antecipação da tutela vindicada, não usufruiu dos benefícios práticos do pleito concedido.
Ante tal situação, para amenizar a lesão ao direito do demandante, bem como para conferir efetividade à decisão judicial, indaga-se quais atitudes podem ser tomadas.
De início, faz-se imperativo esclarecer que não é possível a restituição imediata, no ano calendário em curso, pela União, dos valores descontados a título de Imposto de Renda incidente sobre licença prêmio indenizada. Isto por conta da sistemática de apuração do imposto em comento, a qual se explica a seguir.
A legislação regente do Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza impõe a observância da tributação em bases correntes mensais, com as retenções pela fonte pagadora no decorrer do ano-calendário e a apresentação da Declaração de Ajuste Anual, ocasião em que será apurado o montante a pagar – se o valor devido anualmente for superior ao total retido – ou o saldo a restituir – caso as retenções superem o valor efetivamente devido.
O eminente Leandro Paulsen [01], ao tratar do assunto, assevera que o Imposto de Renda possui periodicidade anual, mas que:
(...) a legislação impõe ao contribuinte que, durante o próprio curso do ano-calendário, faça antecipações mensais de pagamento conforme a renda e proventos verificados. Encerrado o ano-calendário, o contribuinte deve apurar as rendas e proventos cuja disponibilidade tenha adquirido e calcular o saldo a pagar a ter restituído, se pagou a maior, prestando declaração de rendimentos/de ajuste (obrigação acessória) até 30 de abril posterior ao encerramento do ano-calendário. No mesmo prazo, deve efetuar o pagamento do saldo a pagar (se os recolhimentos antecipados não cobriram todo o montante devido com relação à renda e aos proventos do ano-calendário).
Portanto, já tendo ocorrido a retenção contestada, a solução possível para o caso repousa no artigo 9º, § 1º, da Instrução Normativa RFB 900/2008, segundo o qual o sujeito passivo que promover retenção indevida ou a maior de tributo administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil no pagamento ou crédito a pessoa física ou jurídica, poderá deduzir tal valor do devido em período subseqüente de apuração, relativa ao mesmo tributo, desde que a quantia retida indevidamente tenha sido recolhida.
Em se tratando de pagamento ou crédito realizado a pessoa física, na hipótese de retenção indevida ou a maior de Imposto de Renda incidente sobre rendimentos sujeitos à Declaração de Ajuste Anual, a dedução deverá ser perfectibilizada até o fim do ano-calendário em que realizada a retenção.
A respeito, veja-se o mencionado artigo 9º, da IN RFB 900/2008:
Art. 9º Ressalvado o disposto no art. 8º, o sujeito passivo que promoveu retenção indevida ou a maior de tributo administrado pela RFB no pagamento ou crédito a pessoa física ou jurídica poderá deduzir esse valor da importância devida em período subseqüente de apuração, relativa ao mesmo tributo, desde que a quantia retida indevidamente tenha sido recolhida.
§ 1º Tratando-se de retenção efetuada no pagamento ou crédito a pessoa física, na hipótese de retenção indevida ou a maior de imposto de renda incidente sobre rendimentos sujeitos ao ajuste anual, a dedução deverá ser efetuada até o término do ano-calendário da retenção.
§ 2º Para fins do disposto no caput, consideram-se tributos diferentes o imposto de renda incidente sobre rendimentos sujeitos ao ajuste anual e o imposto de renda incidente sobre rendimentos sujeitos à tributação exclusiva.
§ 3º A pessoa jurídica que retiver indevidamente ou a maior imposto de renda no pagamento ou crédito a pessoa física e que adotar o procedimento previsto no caput deverá:
I - ao preencher a Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf), informar: a) no mês da referida retenção, o valor retido; e b) no mês da dedução, o valor do imposto de renda na fonte devido, líquido da dedução;
II - ao preencher a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), informar no mês da retenção e no mês da dedução, como débito, o valor efetivamente pago.
Em abono da impossibilidade de imediata restituição pela União dos valores descontados, insta salientar que a Secretaria da Receita Federal do Brasil somente terá acesso aos dados do contribuinte – referentes a vencimentos pagos e retenções efetivadas - após a entrega, pela fonte pagadora, da Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte, a DIRF. E tal declaração poderá ser tempestivamente prestada até o último dia útil do mês de fevereiro do ano subseqüente ao do recebimento dos proventos.
Sendo assim, e não havendo substrato jurídico permissivo, incabível a devolução do imposto retido diretamente pela Fazenda Nacional, adstrita que está ao Princípio da Legalidade Administrativa, tão caro à Constituição da República.
Hipoteticamente, ainda que houvesse diploma legal autorizador – ou determinação judicial expressa em tal sentido – de imediata restituição do imposto descontado, pela Fazenda Nacional, tal conduta teria o condão de gerar prejuízo irreparável aos interesses da coletividade, lesando o Erário. Explica-se. É que, em tal caso, poderia haver duplicidade do valor restituído: primeiramente com a emissão da ordem bancária e, uma segunda vez, com o processamento da Declaração Anual de Ajuste do contribuinte – já que, tendo a fonte pagadora informado o desconto do imposto efetivamente realizado, através da DIRF, o contribuinte poderia requerer nova devolução por ocasião do ajuste.
3. CONCLUSÃO:
A inexorável conclusão a que nos levam a situação e os fundamentos jurídicos apresentados é a de que a União não pode ser compelida a cumprir ordem judicial de abstenção de retenção de tributos na fonte quando não for a fonte pagadora do contribuinte insurgente.
É dever do Judiciário notificar a fonte pagadora para implementar, na prática, os comandos decisórios de cessação de descontos, não podendo ser a Fazenda Pública responsabilizada pela inobservância de medida que só a outrem caberia cumprir.
BIBLIOGRAFIA:
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2010.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
Nota
1 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 702.