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A Lei nº 12.322/2010 e o agravo para admissão do recurso especial e do recurso extraordinário

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V. Agravo contra a decisão do relator.

V.1. O agravo interno.

A Lei 12.322 também alterou a redação do art. 545, que trata do agravo interno, e que passa a viger assim:

"Art. 545. Da decisão do relator que não conhecer do agravo, negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 557."

A primeira hipótese ("não conhecer do agravo") reporta-se ao inciso I do § 4º do art. 544. Porém, a norma mantém a mesma divergência do regime anterior, pois, conquanto seja vedado ao relator não conhecer do agravo por inadmissibilidade não manifesta, este art. 545 não faz distinção sobre os atributos da inadmissibilidade. Desse modo, se o relator não conhecer do agravo por inadmissibilidade não manifesta, essa decisão, embora não autorizada pelo inciso I do § 4º do art. 544 (retro, item IV.3.1.2, item A), é passível do agravo interno do art. 545. Na nossa opinião, o cabimento do agravo interno do art. 545 deveria ser restrito às decisões permitidas ao relator pelo art. 545, ficando qualquer outra passível de agravo regimental propriamente dito (desde que com a devida previsão normativa, naturalmente).

A segunda hipótese ("negar-lhe provimento") corresponde com precisão terminológica aos dizeres da letra "a" do inciso II do mesmo parágrafo.

Já a terceira hipótese do art. 545 ("decidir, desde logo, o recurso") não tem correspondência terminológica exata no art. 544. O legislador poderia ter sido mais claro.

O verbo "decidir" significa, para nós, tanto o exame da admissibilidade recursal quanto o exame de fundo do recurso. Deveras, entendemos que a vontade do legislador foi prever o cabimento do agravo interno contra todas as medidas do relator previstas no art. 544. Assim, se considerarmos que nas alíneas "b" e "c" do inciso II do § 4º do art. 544 existem tanto decisões de admissibilidade quanto decisões de fundo, o agravo interno deverá ser manejável qualquer delas – e também contra eventual decisão do recurso proferida pelo relator fora do permissivo legal (retro, IV.3.1.2, itens B, C e D), e vale, aqui, a mesma observação que fizemos há pouco sobre o agravo regimental.

Além disso, o novo texto do art. 545, assim como o anterior, não prevê o cabimento do agravo interno contra a decisão do relator que dá provimento ao agravo para destrancamento do recurso especial ou extraordinário. No regime anterior à Lei 12.322, dizia-se que uma tal decisão era irrecorrível, na medida em que não estava prevista no CPC e era expressamente vedada pelas normas regimentais do STJ [19] e do STF [20].

Pensamos, porém, que o novo regime legal supera essa questão. Não há mais decisão irrecorrível. De fato, com o novo sistema, não existirá mais a decisão que apenas dá provimento ao agravo para desobstruir os recursos especial e extraordinário: agora, julga-se incontinente o recurso subjacente, naquela situação que ousamos classificar como de provimento tácito do agravo. Trata-se da letra "c" do § 4º do art. 544.

Em resumo, o art. 545 prevê o agravo que poderá ser manejado contra qualquer das decisões do relator, estejam elas previstas, ou não, no § 4º do art. 544.

Por fim, o novo texto do art. 545 continua omisso sobre a oportunidade para resposta do agravado. Permanece atual, então, o ensinamento de Athos Gusmão Carneiro [21] anterior à Lei 12.322:

"Quanto à ausência de previsão no sentido da ‘ouvida da parte contrária’, parece-nos de regra razoável tal omissão, sob o argumento de que o contraditório já ocorrera quando do processamento do recurso objeto do julgamento monocrático do relator; todavia, se o julgamento singular foi ‘de mérito’, não será demasia a abertura de prazo para a manifestação da parte adversa, a exemplo do procedimento habitualmente adotado (com base, a título de isonomia, na praxe forense) nos casos de embargos de declaração nos quais se busque, em caráter excepcional, a obtenção de efeito infringente."

A inteligência do agravo interno prossegue nos §§ 1º e 2º do art. 557, ao qual se reporta, como veremos a seguir.

V.2. O acesso ao colegiado.

Se, por um lado, a redação dada ao art. 544 pela Lei 12.322 adota a regra do julgamento monocrático (pelo relator, isoladamente) para a maioria das situações, por outro lado o agravo interno do art. 545 prevê o "mecanismo destinado a levar ao colegiado a decisão individualmente adotada" [22].

O texto do art. 545 anterior à Lei 12.322 já fazia referência ao § 1º do art. 557, assim vazado:

"Art. 557. (...)

§ 1º. Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento."

Em primeiro lugar, o § 1º indica que o agravo interno será dirigido ao órgão competente "para o julgamento do recurso", aqui entendido o recurso subjacente. Eis, aí, a referência ao colegiado.

Em segundo lugar, o agravo interno continua a permitir ao relator o juízo de retratação. Se advier retratação, pensamos que continua a ser lícito à outra parte manejar seu próprio agravo interno [23]. Se não houver retratação, o relator não poderá negar seguimento a esse agravo: deverá apresentá-lo em mesa [24].

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Em terceiro lugar, se provido o agravo interno, o recurso (subjacente) "terá seguimento", ou seja, será processado e julgado.

Por fim, há referência ao § 2º do art. 557, que dispõe:

"Art. 557. (...)

§ 2º. Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor."

Entendemos que esse dispositivo terá a mesma aplicabilidade já sedimentada na vigência do regime do agravo de instrumento.


VI. Conclusões.

Cremos que o maior mérito da Lei 12.322 será o de racionalizar o fluxo recursal, tornando-o menos burocrático e mais linear por meio da abolição do vaivém que se constatava no regime que lhe foi antecedente.

Ainda é prematuro supor eventuais reveses que possam decorrer das novas regras. Por ora, o fato de não existir mais a anacrônica necessidade de formação do instrumento recursal merece encômios.


VII. Referências bibliográficas.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Poderes do relator e agravo interno – artigos 557, 544 e 545 do CPC. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 25, n. 100, p. 9-32, 2008.

CIANCI, Mirna. A Lei 9.756/98 (CPC, arts. 544, §3º, e 557, §§ 1º a 3º) e a ampliação dos poderes do relator, dez anos depois. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 33, n. 157, p. 165-181, 2008.

DIAS, Maria Berenice. As decisões monocráticas do art. 557 do CPC. Boletim Adcoas – Doutrina, Rio de Janeiro: Esplanada, ano V, nº 8, p. 267-270, 2002.

DINAMARCO, Cândido Rangel. O relator, a jurisprudência e os recursos. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; NERY JR., Nelson (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999.

NERY JR., Nelson. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: RT, 2000.

NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil e extravagante em vigor. 4ª ed. São Paulo: RT, 1999.

RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JR., Fredie. A Terceira Etapa da Reforma Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2006.

SLAIBI FILHO, Nagib. Notas sobre o art. 557 do CPC (competência do relator de prover e de negar seguimento a recurso). Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, vol. 361, ano 98, 2002, p. 95-107.

TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno). In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; NERY JR., Nelson (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 10.352/2001. São Paulo: RT, 2002.


Notas

  1. "Sancionada lei que mudará trâmite de agravo de instrumento". Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=98914&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=12.322> Acesso em: 28 nov. 2010.
  2. "STF calcula impacto da nova Lei do Agravo em termos de celeridade e economia de recursos". Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=161919&tip=UN>. Acesso em: 28 nov. 2010.
  3. "Art. 8º. A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.
  4. § 1º. A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral."

  5. A Terceira Etapa da Reforma Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24-25.
  6. NERY JR., Nelson. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos. 5ª ed., São Paulo: RT, 2000, p. 135 e ss.
  7. Devemos observar que o Supremo Tribunal Federal editou a Resolução nº 427, de 20/04/2010, para regulamentar o processo eletrônico no âmbito de sua competência, cujo texto original previa que, a partir de 1º de outubro de 2010, o agravo de instrumento somente seria admitido na forma eletrônica, nos seguintes termos:
  8. "Do Agravo de Instrumento

    Art. 21. O agravo de instrumento só será recebido e processado de forma eletrônica.

    Art. 22. A petição de agravo será encaminhada à presidência do tribunal de origem por meio de seu sítio eletrônico, na forma do art. 9° desta Resolução.

    Parágrafo único. Não será admitido agravo de instrumento com peça ilegível, incompleta, ou com ausência de peça essencial à sua correta formação.

    (...)

    Art. 33. O agravo de instrumento passa a ser recebido e processado, exclusivamente, de forma eletrônica, a partir de 1º de outubro de 2010."

    No entanto, a superveniência da Lei 12.322 exigiu a revogação desses dispositivos, o que se fez por meio da Resolução nº 442, 05/10/2010.

  9. "Art. 2º. Aplica-se o disposto nesta Lei aos recursos já interpostos por ocasião da sua entrada em vigor."
  10. Até a data de elaboração deste ensaio (final de novembro de 2009), não tivemos notícia de alterações no Regimento Interno do STJ nem no do STF em razão da nova Lei.
  11. Mirna Cianci aponta que o Plenário do STF, no julgamento do Ag. 151.354-3/MG, ocorrido em 18/02/1999, sob relatoria do Min. Néri da Silveira, reconheceu a constitucionalidade da norma que atribui ao relator o poder de decidir monocraticamente, desde que seja assegurado recurso para o colegiado, o que, no caso do agravo sob estudo, se faz pelo agravo do art. 545 do CPC. (A Lei 9.756/98 - CPC, arts. 544, §3º, e 557, §§ 1º a 3º - e a ampliação dos poderes do relator, dez anos depois. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 33, n. 157, 2008, p. 167)
  12. O relator, a jurisprudência e os recursos. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; NERY JR., Nelson (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999, p. 130.
  13. Vide, a esse propósito: AI 467.868-AgR; RE 189.779-AgR; SS 327-AgR; RE 135.977; AI 180.647-AgR; e AI 157.431-AgR.
  14. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada."
  15. A esse respeito: "Processo civil. Agravo com vistas ao processamento do recurso especial obstado na origem. Reprodução das razões produzidas no recurso especial. Agravo voltado contra os fundamentos do acórdão de segundo grau e não contra os do juízo negativo de admissibilidade. Agravo ‘regimental’ que não ataca os fundamentos da decisão agravada. Desprovimento do recurso. Deixando, tanto o agravo quanto o chamado agravo ‘regimental’, de atacar os fundamentos das decisões agravadas, voltando-se a argumentação contra o acórdão de segundo grau, impõe-se o desprovimento dos recursos em face da preclusão dos temas referentes a admissibilidade do recurso especial." (STJ, 4ª T., AgRg no Ag 66788/GO, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 08/08/1995)
  16. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."
  17. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil e extravagante em vigor. 4ª ed., São Paulo: RT, 1999, p. 1072.
  18. NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade, op. cit., p. 1072.
  19. Apud DIAS, Maria Berenice. As decisões monocráticas do art. 557 do CPC. Boletim Adcoas – Doutrina, Rio de Janeiro: Esplanada, ano V, nº 8, 2002, p. 268.
  20. Regimento Interno do STJ (até a data de fechamento deste estudo): "Art. 258. (...) § 2º Não cabe agravo regimental da decisão do relator que der provimento a agravo de instrumento, para determinar a subida de recurso não admitido."
  21. Regimento Interno do STF (até a data de fechamento deste estudo): "Art. 305. Não caberá recurso da deliberação da Turma ou do Relator que remeter o processo ao julgamento do Plenário, ou que determinar, em agravo de instrumento, o processamento de recurso denegado ou procrastinado."
  22. Poderes do relator e agravo interno – artigos 557, 544 e 545 do CPC. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 25, n. 100, p. 9-32, 2008.
  23. TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno). In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; NERY JR., Nelson (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 10.352/2001. São Paulo: RT, 2002, p.184.
  24. "O juízo de retratação, pelo relator, de sua decisão monocrática atacada por agravo regimental, independe de prévia manifestação da parte agravada, que pode, como aqui ocorreu, interpor novo agravo regimental em seu favor." (STJ, 1ª S., AgRg nos EREsp 778099/MG, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 24/10/2007)
  25. SLAIBI FILHO, Nagib. Notas sobre o art. 557 do CPC (competência do relator de prover e de negar seguimento a recurso). Revista Forense, vol. 361, ano 98, mai-jun 2002, p. 100.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Samuel Belluco Silveira. A Lei nº 12.322/2010 e o agravo para admissão do recurso especial e do recurso extraordinário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2752, 13 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18264. Acesso em: 26 abr. 2024.

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