1. INTRODUÇÃO
A partir do desenvolvimento da tecnologia e o acesso cada vez maior da população às suas facilidades, alguns aspectos na vida cotidiana sofreram algumas profundas transformações. Grande parte do trabalho humano foi absorvido pela automatização em vários setores da indústria e demais setores de produção.
Até mesmo os afazeres domésticos foram modificados e hoje expõem sua nova face, diferenciada de algumas décadas atrás. O homem, enquanto executor de tarefas, encontra-se delimitado pela diminuição da importância de seu trabalho, gradativamente desvalorizado pelos gastos reduzidos e elevada produção proporcionados pelas máquinas.
Fica impossível imaginar como seria o passar dos dias sem a integração das pessoas com a informática. Praticamente todo o desenvolvimento econômico de uma nação está baseada na tecnologia produzida em seu território e exportada para os demais consumidores.
A corrida tecnológica permitiu, também, a evolução dos meios de comunicação, que se consolidaram como imprescindíveis ao mundo globalizado. As pessoas têm à sua disposição diversas maneiras de se comunicarem, fazendo das distâncias meros obstáculos superáveis.
A combinação informática e comunicação abriu fronteiras através da transmissão de dados de um computador para outro e que, atualmente, demonstra sua força maior na grande rede mundial, a Internet.
Os caminhos da liberdade de expressão, tão perseguidos pelos idealistas de uma sociedade livre, foram alcançados e hoje a Internet oferece incontáveis modalidades para sua utilização. Eis alguns dos recursos: correio eletrônico (e-mail), movimentação de dados (FTP), páginas eletrônicas (home pages), entre outros.
Uma nova mentalidade emergiu desta nova via de comunicação. As pessoas hoje podem enviar mensagens em tempo real para outras, conversar em grupo, como se estivessem em reuniões, expressar suas idéias sem censura, comprar sem aparecer na loja, e praticar atos inimagináveis no passado.
A partir dessa nova cultura instalada pelo casamento entre tecnologia e comunicação, novas maneiras de praticar atos ilícitos também vieram com a correnteza. Crimes anteriormente realizados com armas, pelo contato pessoal, agora encontram meios alternativos, onde as distâncias não representam barreiras, os agentes permanecem sentados diante de um computador e a violência é dispensada.
Os prejuízos causados à sociedade continuam e, por isso, existe a necessidade de combater essa nova modalidade criminosa. As dificuldades são outras, já que a técnica intelectual fala muito mais alto e o anonimato permitido pela Internet atrapalha na identificação da autoria.
Alguns dos delitos são passíveis de tipificação pela atual estrutura normativa penal, outros ainda são desapercebidos. Faz-se necessário que haja uma reforma na legislação criminal, nos âmbitos nacional e internacional, e os órgãos de investigação precisam ser estruturados de maneira a fluírem seus trabalhos no melhor caminho.
2. UM NOVO PERFIL DA CRIMINALIDADE
Os crimes de informática apresentam-se em duas vertentes: a) crimes contra a propriedade intelectual e b) crimes contra a integridade física e tecnológica. O primeiro grupo encontra-se na lei 9609/98, que tutela a propriedade imaterial, enquanto não há legislação para o segundo grupo. Há, sim, o projeto de lei n.° 84/99, em trâmite no Congresso Nacional.
O agente criminoso da informática revela-se diferente dos demais pela utilização plena do intelecto e dos conhecimentos técnicos. Não há emprego de armas tradicionais e inexiste contato com a vítima, pois todos os procedimentos acontecem à distância. São as seguintes as nomenclaturas para distingui-los:
a) "hackers"- dominam o conhecimento da informática e apenas buscam ampliar sua sabedoria a respeito;
b) "crackers" – são especializados em quebrar senhas;
c) "lammers" – fazem o uso anti-social da rede, apenas para perturbar;
d) "phreakers"- utilizam-se de meios de comunicação através de fraudes, sem pagar pelos serviços.
3. OS DELITOS PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET
Encontram-se diversificados os atos ilícitos possíveis por via da grande rede, por isso o trabalho visa restringir a observações inerentes àqueles que acontecem com maior freqüência e dispõem de maior potencialidade de danos.
3.1. FRAUDES
As fraudes de maior freqüência na Internet são leilões, compra e venda de mercadorias, uso de senhas alheias na conexão com provedores de acesso, pirâmides, trabalhos em casa com promessa de altos ganhos e utilização de senhas falsas na utilização de serviços "on-line" pagos.
Muitas das fraudes partem de propagandas difundidas por "spam", grupo de mensagens distribuídas a uma grande quantidade de destinatários de forma indiscriminada (o mesmo "spam" pode servir para a propagação de vírus).
3.2. PORNOGRAFIA INFANTIL
A pornografia infantil talvez seja o crime que mais provoque a repulsa da sociedade. Não há qualquer forma de se aceitar as situações constrangedores a que crianças são subordinadas, para saciar as fantasias de pessoas desequilibradas.
A pedofilia é um fenômeno fora dos padrões comuns toleráveis pela sociedade, encontrando na Internet um veículo para satisfazer virtualmente os seguidores dessa prática.
Esta modalidade aparece na Internet de duas maneiras: pelas "home pages" e por correio eletrônico. Na primeira opção, os gerenciadores das páginas recebem uma quantia dos usuários (através de depósito ou cartão de crédito), que dispõem de um acervo de fotos e vídeos. Na segunda opção, o material é distribuído de um usuário a outro, diretamente.
3.3. CRIMES CONTRA A HONRA
Consistem nos atos que denigrem a integridade moral das pessoas através da injúria, da calúnia ou da difamação, utilizando a Internet como maneira de difusão de ofensas, seja por imagens, seja por palavras.
3.4. RACISMO
Outra modalidade criminosa que encontra na Internet as facilidades do anonimato. O racismo é a divulgação da aversão a determinados grupos de pessoas, muitas vezes incitando à violência, seja pela etnia, pela religião, pela nacionalidade, através de "home pages" ou correio eletrônico.
São características do racista o ódio, a desumanização do próximo, a construção do inimigo. Existe a teorização da superioridade em relação a outros grupos.
As "home pages" e os "e-mails" racistas geralmente são identificadas por grupos racistas organizados, nunca pelo nome da pessoa que a criou, já que o racismo é crime em quase todos os países.
3.5. INTERCEPTAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA
Consiste este ato no desvio de "e-mails" de uma conta para outra, sendo possível a leitura, a modificação e o uso dos dados contidos, além de impedir que o verdadeiro destinatário possa utilizar-se destes.
A interceptação de correspondência eletrônica é polêmica principalmente quando esta poderia servir como prova e meio de instrumento de investigação de outros crimes.
3.6. PIRATARIA DE "SOFTWARES"
É a difusão de programas de computador pela grande rede, sem a autorização dos detentores de direitos sobre eles. Tornou-se comum a prática de "download" de arquivos por meio de "sites" que os oferecem aos seus visitantes, ou por FTP (canal de transmissão de arquivos da Internet).
3.7. VIOLAÇÃO DE DIREITOS ARTÍSTICOS
Pode-se dizer que se trata de uma modalidade específica entre os crimes de pirataria. Enquadram-se nesses crimes a difusão de obras literárias, jornalísticas, musicais, entre outras.
Como exemplo, podem ser citados os arquivos de formato MP3, os textos das agências de notícias, os "e-books" (livros eletrônicos), as fotografias artísticas retiradas de uma página e utilizadas em outra etc.
4. PRINCIPAIS PROBLEMAS DA CRIMINALIDADE NA INTERNET
O combate à criminalidade na Internet encontra diversos problemas relacionados não somente às lacunas legislativas, mas também aos reflexos que podem causar na restrição à liberdade de expressão e ao acelerado desenvolvimento tecnológico.
O anonimato permitido pela estrutura virtual, que caracteriza a rede, dificulta a identificação do autor. Ocorre essa barreira porque o trabalho fica restringido à manipulação dos dados digitais.
Mais um problema converte ao flagrante, praticamente impossível de ser obtido, pois o resultado vem muito depois do início da execução ou a vítima toma conhecimento do fato após longo intervalo de tempo porque não experimenta o prejuízo instantaneamente.
O amplo acesso da população à Internet em paradoxo à falta de conscientização da importância da prevenção através de medidas de segurança reflete outra fragilidade da Internet. Quer dizer, muitas pessoas fazem uso da rede sem se preocupar com o perigo de invasão ao computador, sem a utilização de anti-vírus, sem verificar a credibilidade de uma empresa que oferece serviços "on line" no momento de efetuar um pagamento ou de emitir dados pessoais.
Podem ser citadas como problemas as leis arcaicas, em especial no Brasil, que regulamentam o sistema normativo penal, o que acarreta na falta de tipificação de vários atos que não poderiam ser previstos há várias décadas.
Também há uma barreira por parte de muitos grupos organizados que acreditam que uma repressão muito forte inibiria a liberdade de expressão e a democracia, característica da grande rede. Entramos em um dos pontos mais polêmicos da Internet, já que não se pode determinar o limite que separa a liberdade de expressão e o dano social.
A falta de limites estabelecidos na jurisdição gera problemas relacionados à soberania nacional nos casos em que mais de um país estivesse envolvido. Aparece aqui o problema relacionado ao princípio da territorialidade, ou seja, definir se a jurisdição se encontra no país de onde partiram os dados, onde estes dados estão armazenados ou onde o dano foi causado.
A determinação dos lugares em que o crime foi executado e gerou resultados, assim como a definição da materialidade, da autoria e da culpabilidade acabam por dificultar ainda mais os procedimentos investigatórios.
O criminoso da informática é um estudioso e está sempre buscando novos horizontes para aplicar seus conhecimentos. Apesar de cada vez mais a tecnologia aumentar a segurança na rede, os criminosos ultrapassam essas barreiras de acordo com o desafio.
O procedimento investigatório não se apresenta trajado de provas irrefutáveis e contundentes do crime cometido. Isto acaba por ser um sintoma decorrente da falta de preparo dos agentes de investigação e da estrutura disponível;
Em solidariedade às dificuldades anteriores, os documentos eletrônicos (arquivos de computador) são provas facilmente modificáveis, permitindo adulterações comprometedoras a seu conteúdo probatório. Portanto, há grandes dificuldades na comprovação da veracidade desses documentos, que geralmente são as únicas provas do crime.
Vale ressaltar que não é complicado identificar a máquina utilizada para o crime, mas sim a identificação da pessoa que a manuseou em determinado momento. Cada vez é mais fácil localizar o emitente das informações, o problema é saber quem estava no seu comando.
5. MEDIDAS DE REFORMAS LEGISLATIVAS
Há a necessidade da legislação brasileira acompanhar a evolução da criminalidade, já que seu Código Penal data de 1940. A solução é a reforma desse instituto ou a elaboração de leis extravagantes.
Primeiro ponto importante é a tipificação de determinadas condutas. Por princípio do Direito Penal, só é crime o que está previamente definido em lei. Portanto, as pessoas que praticaram atos pela Internet e que não sejam tipificados, apesar de toda sua reprovação, não poderão ser condenadas.
Mister se faz o acréscimo de uma agravante na Parte Geral do Código Penal. Os crimes cometidos por meio da tecnologia, dificultando as investigações, teriam um aumento nas mesmas regras atuais.
Outro ponto a ser discutido é a pena aplicada a esses crimes. Como em qualquer momento do Direito Penal, a sanção deve ser proporcional à conseqüência do ato. Entre as penas alternativas, poderia ser inclusa a participação do condenado nas investigações de outros delitos tecnológicos (utilização de seu conhecimento no combate ao crime).
6. PROJETO DE LEI N.° 84/99
O Código Penal brasileiro foi elaborado em 1940, época impossível de se pensar em formas delituais relacionadas à informática. Na tentativa de recuperar o atraso, está em processo de votação parlamentar o projeto de lei 84/99, que disciplina o assunto.
Eis aqui os principais tópicos relacionados ao projeto de lei em questão, previsto para ser aprovado até o final do ano 2000:
Os crimes de informática serão abrangidos não apenas pela Internet, mas também pelas intranets (redes internas de computadores);
Qualquer rede poderá ser usada por quaisquer pessoas, desde que não esteja proibida por lei;
Até o momento presente, só constituem crime as invasões seguidas de danos. Pelo projeto de lei, a simples invasão já poderá incriminar o autor;
O acesso indevido a redes de informações e a violação de segredos passam a constituir crime;
Passam a ser crimes a criação, o desenvolvimento e o armazenamento de vírus;
As penas variam de 1 a 4 anos, com agravantes no caso de computadores pertencentes ao Estado;
Os crimes são de ação pública condicionada, mediante representação da vítima, exceto quando forem órgãos públicos.
7. MEDIDAS NÃO-PENAIS DE PREVENÇÃO
Medidas de caráter alheio ao Direito Penal, abaixo expostas, podem ser muito úteis na prevenção à criminalidade virtual:
Cooperação entre os órgãos de investigação (polícia, Ministério Público) com institutos de tecnologia para a investigação desses delitos – o profissional do Direito não está apto a examinar os aspectos técnicos do crime;
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Adoção de sistemas de segurança por parte dos usuários de computadores, tanto nas residências como nas empresas;
A cooperação da vítima na notificação das ocorrências;
Elaboração e promoção de uma conduta ética por parte dos usuários de computadores, a fim de tornar o respeito aos demais parte dessa nova cultura que vem emergindo com a tecnologia;
Imposição de certas medidas de segurança nos setores mais sensíveis (sistema financeiro, órgãos de segurança nacional, autarquias etc.) através de leis;
Participação de "hackers" no desenvolvimento dos sistemas de segurança para computadores – ninguém melhor do que eles para detectar as lacunas que permitem a execução do crime.
Desenvolvimento de "softwares" para controle de conteúdo de "home pages" com materiais impróprios a determinadas faixas etárias, a fim de que os pais possam controlar o contato de seus filhos com a pornografia ou violência.
Desenvolvimento e utilização em larga escala da criptografia. Mensagens criptografadas são escritas em códigos ou cifras, onde somente determinadas pessoas possuem a chave para a sua compreensão. Essa tecnologia aumenta a segurança dos dados transmitidos, garantindo a privacidade das pessoas envolvidas.
8. CONCLUSÃO
A Internet é um meio de comunicação jamais vista. Por isso a importância de dar à rede uma atenção especial no âmbito legislativo. Até mesmo por questões metodológicas de aplicação do Direito nesta nova fase da História.
A evolução da informática proporcionou uma dimensão da criminalidade. A tecnologia trouxe um "modus operandi" até então inimaginável para os operadores do Direito. O contato direto entre autor e vítima tornou-se apenas virtual e os meios de execução foram simplificados a um simples aparato eletrônico.
Os crimes praticados por meio da Internet aparecem basicamente de duas formas: através de "home pages" e por uso do correio eletrônico. Há alguns casos em que outros meios são utilizados, como o FTP ou os programas de rede de computadores.
É mais do que notável que a criminalidade tecnológica evolui, assim como a preocupação que ela causa em todos os setores da sociedade. No entanto, as autoridades competentes não acompanham essa caminhada por falta de diversos recursos. Faz-se necessário investir em tecnologia e capacitação pessoal.
Ainda há o problema de arcaísmo das leis vigentes, elaboradas em épocas em que não se imaginavam o estágio em que a criminalidade poderia chegar. Portanto, as leis devem se adaptar à realidade e às necessidades que a modernidade impõem. Deve-se ter cuidado para não criar uma lei específica demais, já que novos delitos surgirão com o progresso tecnológico.
O problema da jurisdição só poderá ser resolvido por uma cooperação entre os países, por meio de tratados internacionais que regularizem o uso da Internet. As leis de vigência interna em um país não serão suficientes a um mundo onde as barreiras da informação foram eliminadas.
Apoiando a lógica do Direito Penal mínimo, defende-se aqui a proporcionalidade na aplicação das leis e, sempre que possível, a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito (por exemplo, diminuição da pena quando houver negligência por parte da vítima ou a punição somente os crimes dolosos). Ainda mais, é preferível investir nas medidas não-penais, aplicando o Direito Penal apenas nos casos em que realmente for preciso.
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