4. Da autoridade competente para aplicação da penalidade de "impedimento" da Lei do Pregão
Do exposto até aqui, podemos estipular as seguintes
premissas: a) o artigo 7º da Leinº
10.520, de 2002, não delimita expressamente qual a autoridade competente para
aplicar a penalidade ali prevista, sendo necessário, assim, interpretar este
dispositivo legal em cotejo com a norma do artigo 87, incisos III e IV, em
caráter subsidiário; b) segundo o posicionamento aqui adotado, em consonância
com o entendimento do TCU e da maioria da doutrina, a penalidade de
"declaração de inidoneidade" inserta no artigo 87, incido IV, da Lei
nº 8.666, de 1993, tem abrangência geral, isto é, para todas
as entidades e órgãos da Administração Pública, de qualquer esfera de
governo (municipal, distrital, estadual e federal), ao passo que a
penalidade de "suspensão" (art. 87, inc. III), menos grave, teria
eficácia apenas no âmbito do órgão ou entidade que a aplicou; e c) a
penalidade de "impedimento" prevista no artigo 7º da
Leinº 10.520, de 2002, tem natureza similar à da
penalidade de "suspensão" prevista no artigo 87, III, da Lei nº
8.666, de 1993.
Diante destas premissas, imperioso concluir que a
penalidade de "impedimento" (Lei do Pregão - artigo 7º),
em razão da sua similaridade com a pena de "suspensão" da Lei de
Licitações e Contratos Administrativos, deve ter tratamento semelhante à
esta, o que permite concluir que será aplicada pelo órgão ou entidade que
realizou o certame licitatório, ou a contratação em que se verificou a
conduta ensejadora da mencionada sanção, nos termos de suas competências
internas delimitadas por lei, Regimentos ou quaisquer normas de caráter
administrativo que definam atribuições deste tipo [18],
não obstante a sua abrangência se estender a todo o respectivo ente Político,
por expressa dicção legal (artigo 7º da Lei do
Pregão).
Os opositores da tese aqui sustentada comumente argumentam no sentido de que a previsão de descredenciamento no Sicaf, inserta no dispositivo legal em estudo, tornaria a penalidade de "impedimento" da Lei do Pregão mais assemelhada à penalidade de "declaração de inidoneidade" da Lei nº 8.6666, de 1993, eis que tal impedimento dirá respeito a toda a União (e também às entidades a ela vinculadas, em face do descredenciamento no Sicaf), e não apenas ao órgão ou entidade diretamente prejudicado pelo descumprimento das obrigações contratuais. Argumentam que, por tal razão, e em vista da aplicação subsidiária dos termos da Lei nº 8.666, de 1993, à Lei nº 10.520, de 2002, se o caso demandar a aplicação da penalidade prevista no art. 7º desta última Lei, a competência, para tanto, seria, com exclusividade, do respectivo Ministro de Estado.
Contudo, o fato de a inscrição da penalidade de impedimento
no Sicaf (ou o descredenciamento) gerar, por vias transversas, em razão da sua
implicância prática, efeitos em toda a Administração Pública Federal, não
tem o condão de afastar a maior proximidade desta pena com a sanção de
"suspensão" da Lei nº 8.666, de 1993.
Com efeito, não pode o intérprete utilizar uma norma regulamentar como premissa para, em razão dela, chegar à conclusão da forma correta de exegese de uma norma legal. O caminho hemenêutico sempre foi o inverso: interpretam-se normas regulamentares com base na lei por ele regulamentada e na Constituição Federal.
Em outros termos, o fato de o Decreto regulamentador do Sicaf prever a impossibilidade de contratação (de quem tiver uma penalidade nele registrada) por toda a Administração Pública Federal, não assemelha a penalidade de "impedimento" da Lei do Pregão com a "declaração de inidoneidade". Trata-se apenas de ordem (vontade) do Chefe do Poder Executivo para que seus agentes e órgãos assim atuem (não contratando quem tiver penalidade registrada no Sicaf).
Aliás, o argumento não procede pelo simples fato de que a
penalidade de "suspensão" (inciso III, artigo 87, da Lei nº
8.666, de 1993) também pode (e deve) ser registrada no Sicaf, o que, por força
do Decreto nº 3.722, de 2001, igualmente teria (se utilizarmos
a regulamentação do Sicaf como parâmetro de interpretação), pelo simples
fato da sua inscrição, abrangência para toda a Administração Pública
Federal, tal como ocorre com a "declaração de inidoneidade", tendo
em vista que o Decreto mencionado não faz distinção entre as duas sanções.
No entanto, tal solução não é aceitável posto que, como anteriormente demonstrado, o entendimento predominante é no sentido de que a penalidade de "suspensão" abrange tão somente o órgão atuante no caso concreto e o simples fato da possibilidade da inscrição desta penalidade no Sicaf não teria o condão de alterar este entendimento fixado por intermédio de interpretação da Lei. Tal situação exemplificativa demonstra, de forma clara, que a abrangência do Sicaf não deve ser levada em conta para a ultimação da correta exegese dos dispositivos legais em questão.
Além disso, como já asseverado alhures, a competência do
Ministro de Estado para aplicar a sanção prevista no inciso IV, artigo 87, da
Lei nº 8.666, de 1993, está prevista expressamente no texto
legal, o que não ocorre em relação ao artigo 7º da Leinº
10.520, de 2002, não cabendo ao intérprete atribuir competências a Ministros
de Estado sem previsão legal que autorize.
5. Conclusão
Diante do exposto conclui-se que a penalidade de
"impedimento" para licitar e contratar com a Administração Pública
inserta no artigo 7º da Leinº
10.520, de 2002, pode ser aplicada por autoridade do órgão ou entidade que
atuou no caso concreto onde ocorreu a eventual falta punível com a sanção em
comento, nos termos de suas competências internas delimitadas por lei,
Regimentos ou quaisquer normas de caráter administrativo que definam
atribuições deste tipo aos agentes públicos.
Notas
- Art. 9
ºAplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da nºLei 8.666, de 21 de junho de 1993. - CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. 2008. p.200/201.
- MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 1987. p. 218.
- MUKAI, Toshio. Sanções Administrativas, a Ausência de Norma Penal
em Branco e a situação do Agente Público em Face da Lei n
º8.666/93, Licitações e Contratos na Administração Pública. Artigo disponível na Revista Consulex, 1996, p. 41-42. - NUNES, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Ed. Renovar, 4ª edição. p. 565.
- SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 1994. p. 118.
- Penalidade de suspensão do direito de licitar e a impossibilidade de extensão aos demais entes políticos. Artigo disponível em: http://licitarjuridico.blogspot.com/2010/04/penalidade-de-suspensao-do-direito-de.html.
- A Correta Extensão da Sanção Prevista no art. 87, inc. III, da Lei 8.666/93: Suspensão do direito de licitar por dois anos. Disponível em http://www.justen.com.br/Informativo25/artigos/nester.htm.
- Como exemplificação: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (MS 51.843-4, Rel. Des. LUIZ PERROTTI, Julg. em 07/08/97) e Tribunal Regional Federal da Primeira Região (AMS 2000.01.00.076244-6/DF; AMS 96.01.46857-9/DF; AMS 2000.34.00.001228-5/DF).
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. 2009. p. 272.
- Vide, ainda, Acórdão 296/2003 – Plenário e Decisões 226/00; 369/99; 352/98 – todos do Plenário.
- MONTEIRO REIS, Paulo Sérgio de. O Art. 7
ºda Lei nº10.520/2002 e as Normas Gerais de Licitação. Disponível em http://institutozenite.com.br. - JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2005, p.193.
- MOTTA, Fabrício. Pregão presencial e eletrônico. Coordenação de Diogenes Gasparini. Belo Horizonte: Fórum, 2006, pp. 155-156.
- NIEBUHR, Joel Menezes. Pregão presencial e eletrônico. 4ª ed., Curitiba: Zênite, 2006, p. 257.
- NUNES, Sandro Luiz. Penalidade de suspensão do direito de licitar e a impossibilidade de extensão aos demais entes políticos. Artigo disponível em: http://licitarjuridico.blogspot.com/2010/04/penalidade-de-suspensao-do-direito-de.html.
- Competências exclusivas, segundo a doutrina mais abalizada, não permitem a delegação de competências.
- Vale registrar o posicionamento em sentido contrário de Ari Sundfeld
e Vera Scarpinella, conforme nos informa Fabrício Motta: "Não se
preocupou o legislador em estabelecer a autoridade competente para a
aplicação da sanção, elemento essencial para estabelecer sua natureza ,
segundo a citada lição de Celso Antônio Bandeira de Mello. Em se tratando de
sanção grave, como o impedimento de licitar e contratar previsto na lei que
disciplina o pregão, parece correta a lição de Vera Scarpinella (2003, p.
165) propondo a utilização supletiva da regra inscrita no art. 87, § 3
ºda Lei nº8.666/93, que determina a competência do agente político para a imposição da sanção de declaração de inidoneidade. Como bem ensina Carlos Ari Sundfeld, citado pela autora, ‘a indicação de agentes políticos como competentes tem dois sentidos. De um lado, reservam-se sanções graves a autoridades de maior porte, com isso protegendo os particulares contratados pela Administração. De outro, viabiliza-se a extensão dos efeitos da sanção a todos os entes da mesma Administração Pública, Federal, Estdual, Distrital ou Municipal, conforme o caso’. (Pregão presencial e eletrônico. Coordenação de Diogenes Gasparini. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 128).