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Leis ordinárias e leis orgânicas no sistema constitucional espanhol

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VI – Conclusão

Tratamos de demonstrar que, no sistema constitucional espanhol, não há distinção de natureza, causa ou finalidade entre leis orgânicas e leis ordinárias (exceto os Estatutos de Autonomia e os tratados previstos no artigo 93 da Constituição, pelas razões já expostas). Todas as concepções e características de lei são plenamente aplicáveis aos dois tipos legais. Os procedimentos legislativos também são semelhantes, salvo o quórumqualificado de aprovação das leis orgânicas. Assim, o que verdadeiramente difere uma e outra espécie legal é a competência para tratar de tais e quais matérias, sendo, de todo modo, excepcional a reserva de lei orgânica na ordem constitucional espanhola. Ou seja, a interpretação sobre a existência ou não de reserva de lei orgânica sempre deve pender em favor do princípio democrático da maioria simples, interpretando-se restritivamente as normas constitucionais que requerem a reserva de lei orgânica.

A partir dessas considerações, concluímos que não pode haver hierarquia entre lei orgânica e lei ordinária. Ambas ostentam a mesma hierarquia e natureza normativa. Assim, o conflito entre lei orgânica e lei ordinária deve ser, em primeiro lugar, resolvido com base no princípio de competência. Por isso, a lei orgânica prepondera sempre que a matéria está reservada estritamente a essa espécie legal. Na realidade, nessa hipótese, a lei ordinária que invade a competência da lei orgânica é formalmente inconstitucional. Contudo, se a lei orgânica "invade" o âmbito próprio da lei ordinária, o "preceito não-orgânico" não pode valer como se fosse orgânico. Por razões de segurança jurídica e de respeito ao princípio democrático, não se pode declarar inconstitucional a lei orgânica na parte que trata de matéria ordinária, porém, nessa porção ordinária, a norma incluída na lei orgânica tem o mesmo valor de uma norma de lei ordinária e deve competir com esta pelos meios hermenêuticos ordinários, quer dizer, pelos tradicionais critérios de especialidade ou superveniência.


VII – Referências bibliográficas

BARCELÒ I SERRAMALERA, Mercè: La Ley Orgánica, Ámbito Material y Posición en el Sistema de Fuentes, Barcelona, Atelier, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2003.

DÍEZ-PICAZO, Luis María: "Concepto de Ley y Tipos de Leyes", en Revista Española de Derecho Constitucional, n. 24, 1988.

LAUZE, Jacques: "La Loi Organique devant le Conseil Constitutionnel: une Conformité sous Réserves", en Revue Française de Finances Publiques, nº 76, Paris, 2001.

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MENDOZA OLIVAN, Victor: "Tipología de las Leyes en la Constitución", en Dirección General de lo Contencioso del Estado: La Constitución Española y las Fuentes del Derecho, v. 1, Madrid, Instituto de Estudios Fiscales, 1979.

PEGORARO, Lucio, RINELLA, Angello: "Las Fuentes del Derecho Constitucional Comparado", en Diego López Garrido, Marcos Fco. Massó Garrote y Lucio Pegoraro (coord.): Nuevo Derecho Constitucional Comparado, Valencia, Tirant Lo Blanch, 2000.

PÉREZ ROYO, Javier: Curso de Derecho Constitucional, revisado por Manuel Carrasco Durán, Madrid, Marcial Pons, 2007.

_______: Fuentes del Derecho, 4ªed., Madrid, Tecnos, 1998.

ROUSSEAU, Jean-Jacques: Del Contrato Social y Discursos, tradução de Mauro Armiño, Madrid, Alianza Editorial, 1996.


Notas

[1]    Estatutos de autonomia, no direito constitucional espanhol, são leis aprovadas pelo Poder Legislativo das comunidades autônomas e do Estado espanhol, nas quais são transferidas competências à comunidade e estabelecidas as regras fundamentais de seu funcionamento institucional. Cf. Javier Pérez Royo: Curso de Derecho Constitucional, revisado por Manuel Carrasco Durán, Madrid, Marcial Pons, 2007, p. 880.

[2]    Cf. Javier Pérez Royo: Fuentes del Derecho, 4ªed., Madrid, Tecnos, 1998, p. 34.

[3]    Cf. idem, ibidem, p. 32.

[4]    Cf. Luis María Díez-Picazo: "Concepto de Ley y Tipos de Leyes", in Revista Española de Derecho Constitucional, n. 24, 1988, pp. 51-52.

[5]    Cf. Luis López Guerra et. alli.: Derecho Constitucional, v. 1, Valencia, Tirant Lo Blanch, 2007, p. 79.

[6]    Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 48.

[7]    Cf. Ob. cit., p. 77.

[8]    Cf. idem, ibidem.

[9]    Cf. Jean-Jacques Rousseau: Del Contrato Social y Discursos, tradução de Mauro Armiño, Madrid, Alianza Editorial, 1996, p. 23.

[10]  Cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ªed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 715.

[11]  Cf.  Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 71.

[12]  Cf. idem, ibidem.

[13]  Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 72.

[14]  Cf. Ob. cit., p. 74.

[15]  Cf. Ob. cit., p. 75.

[16]  Cf. Curso de Derecho Constitucional, ob. cit., p. 695.

[17]  Cf. Ob. cit., p. 48.

[18]  Cf. Javier Pérez Royo: Curso de Derecho Constitucional, ob. cit., p. 695; Victor Mendoza Olivan: "Tipología de las Leyes en la Constitución", em Dirección General de lo Contencioso del Estado: La Constitución Española y las Fuentes del Derecho, v. 1, Madrid, Instituto de Estudios Fiscales, 1979, pp. 85-86.

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[19]  A respeito da autonomia regulamentar, cf. Javier Pérez Royo: Curso de Derecho Constitucional, ob. cit., p. 666.

[20]  Cf. Lucio Pegoraro y Angello Rinella: "Las Fuentes del Derecho Constitucional Comparado", en Diego López Garrido, Marcos Fco. Massó Garrote y Lucio Pegoraro (coord.): Nuevo Derecho Constitucional Comparado, Valencia, Tirant Lo Blanch, 2000, p. 139.

[21]  A invenção francesa da "loi organique" influenciou outras constituições europeias, além da espanhola. Assim, tomando de exemplo o caso português, ainda que não se possa declarar absolutamente que a "lei orgânica" portuguesa seja idêntica à francesa, tampouco se pode negar a inspiração naquele texto político de 1958. Cf. J. J. Gomes Canotilho: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 749.

[22]  A Constituição francesa impõe que lois organiques estabeleçam regras sobre as mais diversas matérias. É possível observar a menção a esta espécie normativa nos seguintes artigos do vigente texto constitucional francês: 6º, 7º, 11, 13, 23, 25, 27, 34, 34-1, 39, 44, 47, 47-1, 57, 61-1, 63, 64, 65, 68, 68-2, 69, 71, 71-1, 72, 72-1,72-2, 72-4, 73, 74, 77 y 88-3.

[23]  Cf. Jacques Lauze: "La Loi Organique devant le Conseil Constitutionnel: une Conformité sous Réserves", en Revue Française de Finances Publiques, nº 76, Paris, 2001, p. 169.

[24]  Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 58.

[25]  Cf. artigos 8º, 54, 55, 57.5, 69-2, 87.3, 92, 93, 104, 107, 116, 122 (1 y 2), 136.4, 141.1, 144, 161.1, 162.2 y 165 da Constituição espanhola.

[26]  Cf. La Ley Orgánica, Ámbito Material y Posición en el Sistema de Fuentes, Barcelona, Atelier, 2004, p. 37.

[27]  Cf. Victor Mendoza Olivan: "Tipología de las Leyes en la Constitución", ob. cit., pp. 90-91.

[28]  Idem, ibidem.

[29]  Essa orientação interpretativa foi mantida pelo Tribunal Constitucional em outras sentenças posteriores, como a STC 166/1987, por exemplo.

[30]  Em sentido semelhante, cf. STC 67/1985.

[31]  Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 58.

[32]  Na opinião de Javier Pérez Royo, haveria espaço eventual para o princípio da hierarquia entre lei orgânica e lei ordinária na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Cf. Las Fuentes del Derecho, ob. cit., p. 82. Não estamos de acordo com o eminente constitucionalista. Pensamos que a doutrina do Tribunal é inequívoca no sentido da teoria da competência, ainda que haja alguns deslizes argumentativos e sejam empregadas palavras que podem conotar um sentido hierárquico.

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Sobre o autor
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes

Procurador da República. Mestre e Doutor (cum laude) em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla. Ex-Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. Leis ordinárias e leis orgânicas no sistema constitucional espanhol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2767, 28 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18374. Acesso em: 5 nov. 2024.

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