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Natureza jurídica da responsabilidade dos agentes públicos em sede de tomada de contas especial

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3 RESPONSABILIDADE

Cabe asseverar, antes de adentrar-se especificamente na conceituação do que vem a ser responsabilidade, que os doutrinadores não apresentaram conceituações precisas, em face dos inúmeros aspectos que envolvem este instituto jurídico. No entanto, há um consenso doutrinário no sentido de que a responsabilidade está sempre ligada à idéia de reparação.

3.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE

Conforme Dias (2006, p.4), "a palavra contém a raiz latina spondeo, fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos verbais do direito romano".

Corroborando com esse entendimento, Costa (1991) assinala que, inicialmente, esse termo não surgiu para exprimir o dever de reparar. Variou da expressão sponsio, da figura spulatio, pela qual o devedor tinha com o credor uma obrigação, cuja garantia era uma caução denominada responsor.

Esta noção de responsabilidade, como expressão de garantia e pagamento de uma dívida, descartava qualquer ligação com a idéia de culpa.

No âmbito do direito, quando um indivíduo infringe uma de suas responsabilidades impostas pelo convívio social e reguladas pela lei, deve responder pelo seu ato perante o Poder Judiciário.

Em termos gerais, "a responsabilidade é o dever jurídico, imposto a todos, de responder por ação ou omissão imputável que signifique lesão ao direito de outrem, protegido por lei" (GUIMARÃES, 1999, p.482).

Para Holanda (2004, p.703), responsabilidade é a "condição jurídica de quem, sendo considerado capaz de conhecer e entender as regras e leis e de determinar a própria vontade e ações, pode ser julgado e punido por algum ato que cometeu".

Na definição de Lopes (apud DINIZ, 1995, p.29), "a responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva".

Para esta pesquisa, responsabilidade é o resultado de ação realizada pelo indivíduo frente a um dever ou obrigação.

Desse modo, por ser a responsabilidade uma situação que submete o autor da violação de uma norma ou obrigação, à reparação do prejuízo causado, por meio da recomposição do status quo ante ou pela indenização, apresenta-se, quanto à natureza da norma violada, sob duas dimensões: moral e jurídica, esta última podendo ser civil ou penal.

A responsabilidade "moral" repousa na seara da consciência individual, acontecendo quando da violação de uma norma moral, de modo que o ofensor se sentirá moralmente responsável perante sua própria consciência (pode ser, inclusive decorrente da fé). Conforme Diniz (1995, p.15), "o domínio da moral" é mais amplo que o domínio do direito, "de sorte que este não abrange muitos problemas subordinados àquele, pois não haverá responsabilidade jurídica se a violação de um dever não acarretar dano".

Aqui, para além da responsabilidade jurídica, não existe preocupação em saber "se houve ou não um prejuízo, pois um simples pensamento poderá induzir essa espécie de responsabilidade, terreno que não pertence ao campo do direito", tendo em vista que a responsabilidade moral não se exterioriza socialmente, "não tem repercussão na ordem jurídica". Na hipótese de a violação a certo dever moral atingir uma norma jurídica, a responsabilidade moral "acompanhará o agente, que continuará sob o jugo de sua consciência, mesmo quando por um julgamento venha a se isentar de qualquer responsabilidade civil ou penal" (DINIZ, 1995, p.16). Em suma, os pressupostos da responsabilidade moral, de acordo com Diniz (1995, p.16) são: a) que o agente tenha livre arbítrio, eis que uma pessoa só poderá ser responsável por atos que podia praticar ou não; e b) que o agente tenha consciência da obrigação.

Já a responsabilidade jurídica se apresenta apenas quando ocorrer uma "infração de norma jurídica civil ou penal, causadora de danos que perturbem a paz social que essa norma visa manter", isto é:

[...] se houver prejuízo a um indivíduo, à coletividade, ou a ambos, turbando a ordem social, a sociedade reagirá contra esses fatos, obrigando o lesante a recompor o status quo ante, a pagar uma indenização ou a cumprir pena, com o intuito de impedir que ele volte a acarretar o desequilíbrio social e de evitar que outras pessoas o imitem (DINIZ, 1995, p. 15).

Portanto, a responsabilidade jurídica pode ser "penal" ou "civil", cuja "diferença entre responsabilidade civil e responsabilidade penal [...] é a distinção entre direito penal e direito civil" (DIAS, 2006, p.11). Assim, quando um agente público praticar uma infração no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido, está-se diante de uma responsabilidade administrativa ou disciplinar. No enunciado de Luz e Luz (2002, p.256), "a responsabilidade que interessa ao direito administrativo disciplinar é aquela que se refere à coisa pública".

Feitas estas considerações iniciais, adentrar-se-á na conceituação dos termos responsabilidade civil, penal e administrativa ou disciplinar.

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL

3.2.1 Conceito

Partindo da premissa que o ato ilícito causa prejuízo a alguém ou o descumprimento de uma obrigação deve ser reparado, passa-se a abordar várias conceituações de responsabilidade civil.

Pereira (2001) sustenta que o termo consiste na efetiva reparação do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma.

Para ele, reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, enunciado como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

Acerca da expressão em estudo, Diniz (2000, p.40), define a responsabilidade civil como:

[...] aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).

Não se pode olvidar, ainda, a lição de Noronha (2003, p.161), com relação à expressão em comento:

[...] responsabilidade civil é a obrigação de reparar danos antijurídicos, que sejam resultantes da violação do dever geral de neminem laedere (não lesar ninguém) ou, como também se diz, alterum non laedere (não lesar outrem). Ela tem por finalidade tutelar o interesse de cada pessoa na preservação da sua esfera jurídica, através da reparação dos danos causados por outrem.

Nesse norte, Costa (1991, p.37) prossegue, ensinando que:

A regra neminem laedere estabelece que o essencial na reparação é que o ato do autor constitui uma lesão a uma regra, seja ele determinada por lei ou por contrato. No fundamento da regra, subjaz, ainda, a noção de equilíbrio embora já temperada pela noção de culpa [...].

Adiante, ainda conclui que, diante dos conceitos apresentados, a regra neminem laedere permeará toda a problemática da responsabilidade civil, colando-se às duas vertentes, equilíbrio e culpa, porquanto se revelará como um dos princípios fundamentais da ordem social, espraiando-se assim, pelas instâncias metajurídicas.

Do exposto, é de se concluir que a responsabilidade civil constitui-se na obrigação de alguém em indenizar o dano causado a outrem, com o objetivo de reconstituir o equilíbrio patrimonial ou moral causado pelo dano. Não há responsabilidade sem dano. A responsabilidade está caracterizada quando houver violação de um dever jurídico preexistente e, dessa verificação, resultar dano a outrem.

3.2.2 Evolução Histórica

Na concepção atual, a responsabilidade civil independe da responsabilidade penal. No entanto, no passado elas não se distinguiam, sendo vistas como forma de defesa do homem às agressões sofridas.

Gonçalves (2005) relata que nos primórdios da humanidade não se cogitava do fator culpa, sendo que o dano provocava a reação imediata do ofendido. Como não imperava ainda o direito, não havia regras nem limitações, sendo que a vingança privada dominava.

Lima (1938 apud GONÇALVES, 2005) ensina que dominava a vingança privada, cuja forma, embora selvagem, era de reação contra o mal sofrido, eis que era uma solução comum a todos os povos, para a reparação do mal pelo mal.

Com este modo de defesa, pouco racional, chegou-se à Lei de Talião.

Posteriormente evoluiu para uma reação individual, isto é, a vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos sob a égide da Lei de Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas "olho por olho, dente por dente" [...] (grifo da autora) (DINIZ, 2000, p.10).

Dando um salto na história, foi em 468, com a promulgação da Lex Aquilia que se realizou a maior revolução nos conceitos em termos de responsabilidade civil. A ela se prende a denominação de aquiliana para designar a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual.

Pereira (2001, p.4) destaca que "foi um marco tão acentuado, que a ela se atribui a origem do elemento ‘culpa’, como fundamental na reparação do dano".

Destarte, o objeto da indenização foi modificado, sendo que a composição voluntária sucedeu à vingança privada, passando a vigorar a prestação pecuniária dos prejuízos, com base no estabelecimento de seu valor.

Posteriormente, com o desenvolvimento do direito romano, a vítima podia optar entre a aplicação da pena ou a composição, cujo resultado significava receber algumas vantagens, mormente econômicas.

Diniz (2000, p.11) prossegue, ensinando que:

[...] mais tarde, as sanções dessa lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando à vingança.

Continua explanando a mesma autora que:

Como ainda não havia a distinção entre a responsabilidade civil e a penal, essa composição permaneceu no direito romano com o caráter de pena privada e como reparação. Apenas na Idade Média distinguiu-se a responsabilidade civil da penal, mediante a estruturação da idéia de dolo e de culpa strictu sensu, seguida de uma elaboração da dogmática da culpa. (DINIZ, 2000, p.11).

Após a Revolução Francesa de 1789, já na Idade Contemporânea, surge o Código de Napoleão, que previa a responsabilidade contratual e fazia distinção entre a responsabilidade penal e a civil.

Com o Código Civil francês de 1804, ou Código Napoleão, engendrado pelos civilistas de maior peso na época, Domat e Pothier, a noção de culpa como fundamento da responsabilidade civil inseriu-se no direito moderno, disseminando-se posteriormente para as legislações de todo o mundo. Foram os conceitos e ensinamentos do direito romano sobre a responsabilidade aquiliana que serviram de ponto de partida e alicerce inabalável, por longo tempo, das legislações modernas no que tange à responsabilidade civil (OLIVEIRA, 2005, p.1)

Assim, a concepção de pena foi aos poucos dando lugar à idéia de reparação do dano sofrido. Surgiam às distinções entre responsabilidade civil, responsabilidade penal, responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual.

O direito francês influenciou a legislação de vários países, inclusive o Brasil. Foi assim que o Código Civil de 1916 consagrou a teoria da culpa como regra geral na seara da responsabilidade civil brasileira. Porém, o avanço técnico e o desenvolvimento industrial ocasionaram um aumento considerável do número de acidentes, onde muitas vezes era impossível provar-se a culpa, ficando a vítima privada de ver-se ressarcida dos prejuízos sofridos. Nestes casos, a teoria da culpa não oferecia solução satisfatória.

Este contexto favoreceu o surgimento da teoria do risco, que representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de todo risco dever ser garantido e todo dano deve ter um responsável. Esta teoria conviveu, no cenário brasileiro, lado a lado com a teoria da culpa, adotada pelo Código Civil de 1916, substituída enquanto regra apenas recentemente, pelo Código Civil de 2002. Atualmente no Brasil vige a regra da responsabilidade civil objetiva, subsistindo, contudo, em algumas situações, a responsabilidade civil subjetiva.

3.2.3 Histórico da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro

Inicialmente, insta asseverar que o direito brasileiro não foi precursor de nenhuma das correntes doutrinárias, quais seja, subjetiva e objetiva: apenas recebeu-as das legislações mais avançadas.

Com o escopo de identificar como a responsabilidade civil evoluiu no direito brasileiro, identifica-se a existência de três fases, quais sejam: as Ordenações do Reino, o Código Criminal de 1930 e a concentração da satisfação do prejuízo decorrente do delito na legislação civil.

Dias (2006) assevera que as Ordenações do Reino, direito vigente no Brasil colonial, encerraram a confusão entre reparação, pena e multa. Referido autor cita um alvará de 1668, que regulava caso particular, de culpa extracontratual, acatando o princípio da solidariedade na reparação, inspirado no direito romano.

A segunda fase concentrou-se no Código Criminal de 1830, diploma que se antecipou ao que até hoje domina o assunto. Estava ali estabelecidas a reparação natural, a garantia da indenização, a solução da dúvida em favor do ofendido, a integridade da reparação, a contagem dos juros reparatórios, a solidariedade, a hipoteca legal, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros, a preferência do direito de reparação sobre o pagamento da multas etc.

Por derradeiro, tem-se a terceira fase, denominada Consolidação de Teixeira de Freitas que marcou uma fase na evolução do direito brasileiro. Seu mérito foi à distinção entre responsabilidade civil e penal, e ainda a idéia de ressarcimento do prejuízo sofrido concentrada na legislação civil.

3.2.4 Responsabilidade Contratual e Extracontratual

A responsabilidade, como gênero, compreende as denominadas responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, como espécies.

Tem-se a responsabilidade contratual quando o dano a ser reparado decorre da inexecução de um contrato e, portanto, de um dever pré-existente gerado por um compromisso bilateral assumido voluntariamente.

A responsabilidade pode decorrer tanto da violação de um dever legal como, ainda, do descumprimento de um dever assumido no contrato. Tal constatação fez que a responsabilidade contratual se desenvolvesse paralelamente à extracontratual ou delitual (CAVALIERI FILHO, 2004, p.276).

É possível afirmar que há responsabilidade extracontratual sempre que o dano a ser reparado resulte de violação de um dever geral de conduta.

Destarte, a responsabilidade contratual se caracteriza pela existência de uma relação jurídica concreta entre lesante e lesado que precede a própria lesão, ao passo que, na responsabilidade extracontratual, não há relação jurídica concreta entre lesante e lesado anterior à lesão, mas somente a partir desta.

Por derradeiro, conclui-se que na responsabilidade contratual, lesante e lesado já estavam vinculados juridicamente antes do cometimento do dano. Na responsabilidade extracontratual não havia qualquer ligação entre os sujeitos antes da ocorrência do fato lesivo.

3.2.5 Pressupostos da Responsabilidade Civil

Para que surja a obrigação de indenizar, será necessário que alguém tenha sofrido um dano, que este tenha sido causado por fato antijurídico de outra pessoa, que o fato antijurídico possa ser imputado à pessoa que se pretende responsabilizar, a título de culpa ou de risco criado, e finalmente, que o dano tenha cabimento no âmbito da norma violada.

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Stoco (1995, p.50) pontua que não existe responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica, identificando como pressupostos da responsabilidade civil: a ação ou omissão, a culpa ou dolo, e relação de causalidade e o dano.

Pode-se vislumbrar, de acordo com o Código Civil de 2002 que todo aquele que causar dano a outrem é obrigado a repará-lo. Em seu texto, determina que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" (artigo 186). E no artigo 927 expressa que "aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". Parágrafo único "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Dos dispositivos legais apresentados, extraem-se três pressupostos (elementos essenciais) da responsabilidade civil. São eles: a conduta humana, exteriorizada através de uma ação ou omissão; a relação de causalidade ou nexo causal e o dano experimentado pela vítima.

Neste momento importa lembrar que o Código Civil de 1916 trazia a culpa ou dolo do agente como pressuposto ou elemento essencial da responsabilidade civil (considera-se culpa na falta de diligência por parte do agente causador do dano; dolo quando existe à vontade de cometer uma violação de direito), no entanto, a partir do Código Civil de 2002, já não se admite que a responsabilidade civil está sempre interligada à culpa. A responsabilidade subjetiva já não é a regra, mas sim a exceção. Assim, na concepção atual, a culpa:

Não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p.29).

Significa dizer que a culpa deixou de ser elemento essencial para a responsabilidade civil, mas ainda permanece a possibilidade de responsabilidade subjetiva. Como visto, os pressupostos essenciais para a responsabilidade civil são três: a conduta humana; o dano; e a relação entre a conduta e o dano.

Para Lôbo (1999, p.135), no entanto, com a redução do papel da culpa, a responsabilidade civil passou a assentar-se nos seguintes pressupostos fundamentais; de caráter objetivo, comuns às três espécies: a) dano; b) contrariedade a direito; c) imputabilidade e d) nexo de causalidade.

Para este estudo optou-se, apenas de forma didática, pela seguinte classificação quanto aos elementos da responsabilidade civil: conduta humana e imputabilidade, dano, relação de causalidade e contrariedade ao direito. Passa-se agora ao estudo pormenorizado da caracterização de cada um desses pressupostos.

3.2.5.1 Conduta Humana e Imputabilidade

Na doutrina de Lôbo (1999, p. 135-6), a imputabilidade significa aptidão para o papel de paciente da sanção de restituição ou reparação, ou seja, de ser responsável pelo fato ilícito.

Com relação aos sujeitos da ação ou omissão da causa do dano, Iglesias (2003, p. 25) explica que há que se considerar a culpa ou dolo do agente, e em alguns casos, a desnecessidade de tais elementos subjetivos, em razão da teoria da responsabilidade objetiva, que dispensa tais requisitos com relação aos sujeitos.

A conduta humana, para acarretar responsabilidade civil, pode ser na forma de ação comissiva ou por omissão, sendo essa ação, positiva ou negativa, qualificada juridicamente, ou seja, que se apresente na norma como um ato lícito ou ilícito (a responsabilidade civil, quando decorre de ato ilícito, é fundada na idéia de culpa, já a responsabilidade sem culpa, chamada de responsabilidade civil objetiva, baseia-se no risco). Ambas constituem o primeiro momento da responsabilidade civil, quando o agente viola-se a norma jurídica, ou através de uma ação (fazer - comissão) ou de uma omissão (não fazer) (DINIZ, 1995, p.30-1).

Em relação à ação, somente adquire relevância jurídica a ação voluntária, aquela realizada com discernimento, intenção e liberdade. Quanto à omissão, é um não fazer relevante para o direito, desde que atinja um bem juridicamente tutelado. Surge porque alguém não realizou determinada ação. A sua essência está em não ter agido de determinada forma.

Em suma, a conduta humana é "o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado" (DINIZ, 1995, p.32).

3.2.5.2 Dano Experimentado Pela Vítima

Para se falar em reparação, é imprescindível que tenha havido um dano, mas não qualquer espécie de dano, e sim um dano passível de reparação ou sujeito à indenização. Não há obrigação sem que se prove a existência de dano, dele advindo o dever de ressarcimento.

Nesse sentido, Lôbo (1999, p.137) pontifica que a verificação de um dano é elemento complementar de suporte fático da responsabilidade civil, pois não se pode falar em reparação sem prejuízo. O dano pode ser ao corpo, à posse, à propriedade, ao bem incorpóreo, aos direitos de personalidade. Portanto, além do dano material existe também o dano moral.

Para o autor em comento, são geradores de dano o ato ilícito absoluto, o ato-fato ilícito absoluto e o fato ilícito absoluto. O dano pode ser permanente ou continuado. Também pode ser atual ou futuro, ambos considerados "danos certos". O dano é direto, quando alguém o sofre imediatamente, e indireto, quando atinge alguém em virtude do dano sofrido por outrem. O dano é apenas considerado quando o bem continua com valor patrimonial para a pessoa que dele é dono ou possuidor. Existem ilícitos civis que não envolve reparação de danos, como, por exemplo, a ingratidão do donatário. Também não há danos nos atos de crítica social. O direito brasileiro admite a compensatio lucri cum damno, ou seja, a reparação do dano deverá levar em conta o prejuízo menos o benefício (LÔBO, 1999, p.137-9).

Nas palavras de Diniz (1995, p.46), "o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo". Trata-se do pressuposto basilar da responsabilidade civil, haja vista que, sem a existência de dano não existirá a possibilidade reparatória na esfera jurídica. Isto porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir.

Diniz (1995) assevera que, para que o dano seja indenizável, imprescindível a existência dos seguintes requisitos: a) efetividade ou certeza- o dano deverá ser real ou efetivo, sendo necessária sua demonstração e evidência em face dos acontecimentos e sua repercussão sobre a pessoas ou patrimônio desta; b) causalidade - relação entre a falta e o prejuízo causado, ou seja, o dano deverá estar encadeado com a causa produzida pelo agente; c) subsistência do dano- o dano deverá ser reclamado pelo lesado, haja vista que o desaparecimento do momento processual correto para a busca do ressarcimento ou sua reparação pelo responsável, obsta qualquer tipo de ajuizamento pela parte lesada; d) legitimidade- a vítima, para que possa pleitear a reparação, precisará ser titular do direito atingido.

Pode-se dizer, então, que:

O dano é o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento (risco profissional, risco proveito, risco criado [...]), o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p.40).

Conforme Iglesias (2003, p.23) o conceito moderno de dano já não se limita ao dano patrimonial, mas abrange, também, o dano moral, já que não somente os danos patrimoniais se apresentam como prejuízo. Os danos patrimoniais podem ser revertidos de acordo com o status quo ante, através da reparação propriamente dita. O dano dito "moral", de regra, não pode ser desfeito, mas apenas compensado. Atualmente, a doutrina aceita a existência do dano moral a par do dano patrimonial, o que não acontecia antes da Constituição Federal de 1988.

Diniz (1995) conclui, portanto, que o dano, na definição atual, é uma lesão (diminuição ou destruição) que uma pessoa sofre contra sua vontade, em decorrência de certo acontecimento, sobre qualquer bem ou interesse jurídico, seja ele patrimonial ou moral.

Iglesias (2003, p.22) afirma que uma vez verificada uma conduta que gere um prejuízo a terceiro, e este prejuízo pode decorrer de qualquer esfera jurídica (patrimonial ou moral), sob o manto da teoria da responsabilidade civil resultará o dever jurídico de reparar o dano causado.

3.2.5.3 Relação de Causalidade Entre o Dano e a Ação que o Produziu

Além da conduta humana que provoque um dano, figura como elemento da responsabilidade civil a necessária relação causal, eis que, sem ela, o dano não teria ocorrido, seja ele direta ou indiretamente (IGLESIAS, 2003, p.24). Trata-se da necessidade de ligação entre o dano e a ação que o produziu, para que exista a responsabilidade civil, e como tal, deverá ser provado. Designa-se nexo causal o vínculo entre o prejuízo sofrido e a ação que o provocou.

Diniz (2000, p.108) menciona que "tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa". Prossegue ainda, ensinando que:

[...] não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência (DINIZ, 2000, p.109).

O pressuposto da relação de causalidade está previsto no artigo 186, do Código Civil de 2002 que assim dispõe: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Significa dizer que a relação de causalidade é a relação necessária que deve existir entre o danoso e a ação que o produziu.

Na constatação de Lôbo (1999, p.136), a doutrina costuma tratar o nexo de causalidade como pressuposto da responsabilidade civil. No entanto, o autor em comento entende que a responsabilidade é independente do fato causador, porque pode ser imputada a alguém que não o provocou, em virtude de ato de outrem ou de fato de coisa. No caso de pluralidade de autores do dano, resolve-se segundo os princípios da solidariedade, não sendo ônus do lesado definir a proporção de responsabilidade de cada um.

3.2.5.4 Contrariedade ao Direito

A contrariedade do direito resulta da qualificação como ilícito de determinados fatos, atos-fatos ou atos. Satisfaz-se o princípio com a antijuridicidade, para que nasçam o dever e a obrigação de indenizar. A contrariedade do direito deve ter repercussões no âmbito civil, eis que existem fatos que são ilícitos penais, mas não são ilícitos civis (LÔBO, 1999, p.135).

De acordo com Iglesias (2003, p.22), a teoria da responsabilidade civil foi edificada justamente para alcançar as ações praticadas em contrário ao direito. Esse prejuízo, ou dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo.

3.2.6 Modalidades de Responsabilidade Civil: Subjetiva e Objetiva

Visando uma melhor compreensão acerca de cada espécie de responsabilidade civil, apresenta-se a responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva de forma mais detalhada.

Para distinguir as espécies de responsabilidade, inicialmente faz-se necessário asseverar que, conforme o fundamento dado à responsabilidade, a culpa será ou não considerada como elemento da obrigação de reparar o dano.

Chironi (1903 apud Dias 2006, p.133) explica que "para nos inteirarmos da noção de culpa, cumpre partir da concepção do fato violador de uma obrigação (dever) preexistente. Esse fato constitui o ato ilícito, de que é substractum a culpa. Esta o qualifica". Nas palavras de Dias (2006, p.133):

A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expresso na ilicitude, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido estrito e rigorosamente técnico.

Importante salientar a lição de Gomes (2000), para quem tanto a responsabilidade objetiva quanto a subjetiva tem pontos de contato, quais sejam, a obrigação de indenizar e a solução dos problemas da culpa, de causalidade, da extensão do dano e dos modos de repará-lo. Entretanto, distinguem-se no tocante ao ônus da prova e às cláusulas de indenizar.

Venosa (2003, p.15) discorrendo sobre o tema assevera que:

[...] o princípio gravitador da responsabilidade extracontratual no Código Civil é o da responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade com culpa, pois esta também é regra geral traduzida no novo Código Civil, no caput do artigo 927. Não nos parece, como apregoam alguns que o novo estatuto fará desaparecer a responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro.

Quanto à responsabilidade subjetiva, Gonçalves (2005) destaca que é subjetiva a responsabilidade quando se esteira na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável e a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. Aproveitando a lição de Pereira (2001, p.29):

[...] na teoria subjetiva, o que sobressai, o que sobressai no foco das considerações e dos conceitos é a figura do ato ilícito, como ente dotado de características próprias, e identificado na sua estrutura, nos seus requisitos, nos seus efeitos e nos seus elementos.

Continua ensinando o mesmo autor que:

A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos requisitos [...] a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente (PEREIRA, 2001, p.29).

Nesse norte, Noronha (2003) assenta que a responsabilidade subjetiva, ou culposa, também chamada de responsabilidade civil por atos ilícitos, ou aquiliana, é obrigação de reparar danos causados por ações ou omissões intencionais, imperitas, negligentes ou imprudentes, que violem direitos alheios. É ela que constitui o regime-regra da responsabilidade civil, como está claro no artigo 927, caput, do Código Civil de 2002.

No seu âmbito, continua ensinando, em casos especiais não é o lesado que tem de provar o dolo, ou a negligência, imprudência e imperícia do agente, são hipóteses em que incide sobre o agente uma presunção legal relativa (juris tantum) de culpa do agente, e por conseqüência em que este, para se liberar, tem de demonstrar que agiu com todos os cuidados que seriam exigíveis, embora sem ter necessidade de provar que o fato se deveu a caso fortuito ou de força maior.

De outra banda, consagrada em expressos ditames legais no ordenamento, está a responsabilidade civil objetiva, ou pelo risco, que se caracteriza pela obrigação de reparar danos, independente de culpa do agente.

Noronha (2003) esclarece que ela nasce da prática de atos meramente antijurídicos, geralmente relacionados com determinadas atividades. A antijuricidade é dado de natureza objetiva, visto que existe sempre que o fato ofende direitos alheios de modo contrário ao direito, independentemente de juízo de censura que porventura possa estar presente e ser referido a alguém.

Lima (1938 apud GONÇALVES, 2005) por sua vez, acrescenta que esta teoria, denominada objetiva, ou do risco, postula que todo dano é indenizável, cuja reparação deve ser realizada por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.

Noronha (2003) acrescenta que, pelo fato de a modalidade objetiva prescindir de culpa, muitos autores chegam a afirmar que nela não existe nexo de imputação.

Referido autor explica que não é bem assim, porque o nexo de imputação existe, só que de forma diversa: é a imputação do risco criado. Significa dizer que quem exerce determinadas atividades, suscetíveis de causar danos a terceiros, terá, como contrapartida dos benefícios que aufere, de suportar os danos que sejam eventualmente ocasionados a outrem.

Mais adiante, Noronha (2003) insere que, conforme o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, são três os riscos de atividade que fundamentam a responsabilidade objetiva, quais sejam, o risco de empresa, o risco administrativo e o risco-perigo.

[...] quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou distribuição de bens ou serviços, deve arcar com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao produtivo ou distributivo, inclusive os danos causados por empregados ou prepostos; que a pessoa jurídica pública responsável, na prossecução do bem comum, por uma certa atividade, deve assumir a obrigação de indenizar particulares que porventura venham a ser lesados, para que os danos sofridos por estes sejam redistribuídos pela coletividade beneficiada; que quem se beneficia com uma atividade lícita e que seja potencialmente perigosa (para outras pessoas e para o meio ambiente), deve arcar eventuais conseqüências danosas. Na evolução do direito da responsabilidade civil, a idéia de risco-perigo precedeu as do risco de empresa e administrativo, mas, com o desenvolvimento destas, passou a assumir um papel meramente complementar destas (NORONHA, 2003, p.486).

Feitos esses apontamentos, conclui-se que a responsabilidade subjetiva é modalidade de responsabilidade que tem como fato justificador a culpa na atuação do agente, ao passo que a responsabilidade objetiva tem como fato justificador o risco da atividade do agente. O primeiro decorre de dano por culpa caracterizada, enquanto a segunda deriva da ocorrência de um dano que faz parte do risco de uma determinada atividade, prescindindo totalmente da idéia de culpa no sentido jurídico.

3.2.7 Excludentes de Responsabilidade

Em algumas circunstâncias é rompido o nexo de causalidade excluindo a responsabilidade do agente. As excludentes são causas de irresponsabilidade que se consubstanciam em fatores exógenos sancionados pelo ordenamento jurídico que atuam sobre o nexo causal iniciado pela ação ou omissão do agente, possuindo o condão de cindi-lo ou evidenciar a ausência de elo entre o fato do suposto responsável e o dano, e dessa forma, exonerá-lo da responsabilidade pelos danos ocasionados.

Trata-se de atos e fatos jurídicos, que produzem como efeito jurídico a exclusão de responsabilidade do agente em decorrência do desenvolvimento de liame causal atrelado ao dano, liame esse distinto e autônomo ao imputado ao agente.

São excludentes de responsabilidade civil, dentre outras situações: culpa exclusiva da vítima; caso fortuito e força maior; legítima defesa; exercício regular de um direito; e estado de necessidade.

3.2.7.1 Culpa da Vítima

A culpa exclusiva da vítima elide o dever de indenizar, eis que impede o nexo causal. De salientar que a culpa do lesado não é, em si mesma, causa excludente. Deverá ser comprovado que o causador do dano foi a suposta vítima.

A culpa concorrente da vítima é mencionada pelo Código Civil de 2002, no artigo 945: "se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade da sua culpa, em confronto com a do autor do dano".

Venosa (2003, p.40) ensina que "quando há culpa concorrente da vítima e do agente causador do dano, a responsabilidade e, conseqüentemente, a indenização são repartidas, como já apontado, podendo as frações de responsabilidade ser desiguais, de acordo com a intensidade da culpa".

Pereira (2001, p.299) conclui que "a solução ideal, portanto, é especificar matematicamente a contribuição da culpa da vítima para o efeito danoso".

Concluindo, a culpa concorrente compensará os danos quando a lei não faz essa ressalva. Quando se faz presente, a responsabilidade do dano permanece integral, desde que haja mínima parcela de culpa do agente.

3.2.7.2 Caso Fortuito e Força Maior

Nos termos do artigo 393, do Código Civil de 2002:

Artigo 393: o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único: o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Alguns autores defendem que as expressões "caso fortuito" e "força maior" são expressões sinônimas, no entanto Venosa (2003) afirma que não o são, embora ambas as figuras equivalem-se, na prática, para afastar o nexo causal.

De fato, os efeitos do caso fortuito e da força maior são comuns, rompem o nexo causal entre o fato do agente indigitado e o dano, atraindo para si os danos causados e eximindo a responsabilidade daquele.

De acordo com Venosa (2003), a diferença entre as expressões, se dá do seguinte modo: o caso fortuito decorre de forças da natureza, enquanto a força maior decorre de atos humanos. Nas suas palavras:

O conceito de ordem objetiva gira sempre em torno da imprevisibilidade ou inevitabilidade, aliado à ausência de culpa. A imprevisibilidade não é elemento especial a destacar: por vezes, o evento é previsível, mas são inevitáveis os danos, porque impossível resistir aos acontecimentos. Desse modo, desaparecido o nexo causal, não há responsabilidade. A idéia é válida tanto na responsabilidade contratual como na aquiliana. Centra-se no fato de que o prejuízo não é causado pelo fato do agente, mas em razão de acontecimentos que escapam a seu poder (VENOSA, 2003, p.42).

Conforme Gagliano e Pamplona Filho (2003, p.291):

[...] a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode der previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nesta última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, um roubo).

Nas palavras de Stoco (2007), um fato poderá, ou não, ser classificado como forma maior e isentará, ou não, de responsabilidade, conforme se possa caracterizar, ou não, por força do critério misto, quer dizer, pelo pressuposto da inevitabilidade e da ausência de culpa do agente.

Para não se deter em discussões doutrinárias de pouca utilidade prática, entende-se a força maior como sendo um fato imprevisível, resultante da ação humana, que gera efeitos jurídicos para uma ação jurídica, independentemente da vontade das partes. Como preleciona Secco (apud ACQUAVIVA, 1993, p.419):

A força maior evidencia um acontecimento resultante do ato alheio (fato de outrem) que sugere os meios de que dispõe para evitá-lo, isto é, além das próprias forças que o indivíduo possua para se contrapor, sendo exemplos: guerra, greve, revolução, invasão de território, sentença judicial específica que impeça o cumprimento da obrigação assumida, desapropriação, embargo para suspensão de uma obra, etc.

A força maior consiste no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir. É acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes.

3.2.7.3 Legítima Defesa

A legítima defesa constitui justificativa para a conduta, sendo que age em legítima defesa não pratica ato ilícito, não havendo dever de indenizar.

O Código Civil de 2002, no artigo 188, arrola hipóteses em que, inobstante a ação voluntária do agente e a ocorrência de dano, não haverá necessariamente o dever de indenizar:

Artigo 188: não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou a destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoas, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. Neste último caso, o ato será legítimo, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites da indispensável para a remoção do perigo.

Ensina Venosa (2003) que se o ato danoso foi praticado contra o próprio agressor, não há o dever de indenizar, se, porém, no ato da legítima defesa, o agente atinge terceiro ou os bens deste, deve reparar o dano.

Responde também o agente pelo excesso na legítima defesa, isto é, quando sua conduta ultrapassa os limites da ponderação. Deverá responsabilizar-se, proporcionalmente, pelo excesso cometido, pois subsiste a ilicitude em parte da conduta (VENOSA, 2003, p.45).

Ademais, se o agente, ao exercer sua legítima defesa, atingir um terceiro inocente, mesmo assim terá de indenizá-lo, porém, nessa situação, caberá ação regressiva contra o verdadeiro agressor. É o que mandam os artigos 929 e 130, ambos do Código Civil de 2002:

Artigo 929: se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II, do artigo 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. Artigo 930: no caso do inciso II, do artigo 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Parágrafo único: a mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (artigo 188, inciso I).

Em suma, quem age em legítima defesa não pratica ato ilícito, não tendo a obrigação de indenizar. Nesse conceito estão abrangidos tanto os bens materiais quanto valores como a honra e a boa fama.

3.2.7.4 Exercício Regular de um Direito

Na mesma dicção que a excludente supramencionada, atua no exercício regular de um direito reconhecido quem pratica ato no exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal: "artigo 188: não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; [...]" (Código Civil de 2002).

Venosa (2003) ensina que no exercício de um direito, o sujeito deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar ato ilícito.

Ressalte-se que o artigo 187, do Código Civil de 2002 descreve o abuso de direito, dispondo que o comete quem excede manifestamente os limites impostos para o fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes relacionados ao direito em questão.

3.2.7.5 Estado de Necessidade

O estado de necessidade está delineado no campo da responsabilidade civil, especificamente nos artigos 188, inciso II; 929 e 930.

Tem-se, nessa excludente, que o indivíduo, na iminência de ver atingido um direito seu, ofende direito alheio.

O ato, em sua essência, seria ilícito, mas a lei reconhece que há uma excludente. No entanto, a escusabilidade do estado de necessidade sofre os temperamentos do artigo 929 e 930 do Código Civil.

O primeiro dispositivo assegura a indenização ao dono da coisa ofendida, se não for culpado pelo perigo, e o segundo dispõe que se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este deverá ser movida ação regressiva pelo autor do dano, para haver a importância, que tiver ressarcido ao dono da coisa.

Como observa Venosa (2003, p.46), "é bastante restrita a possibilidade de o ofensor, em estado de necessidade, eximir-se da indenização. A situação do estado de necessidade não opera como na legítima defesa".

Conclui-se, destarte, que o direito pode expressamente excluir a ilicitude, em determinados casos, mesmo quando ocorrer dano. O Código Civil de 2002 refere-se à legítima defesa, ao estado de necessidade e ao exercício regular de um direito reconhecido, nos quais o dever de indenizar independe da existência de contrariedade a direito. O sistema jurídico brasileiro tem por excluída a responsabilidade civil, também, quando ficar comprovada a culpa exclusiva da vítima (exclusão total), ou houver culpa corrente da vítima, na proporção respectiva ou, se não puder ser identificada, no equivalente à metade do valor do dano (exclusão parcial).

3.3 RESPONSABILIDADE PENAL E DISCIPLINAR

Segundo Noronha (2003, p. 508) a responsabilidade penal tem por finalidade reprimir as infrações tidas como graves que por isso interessam à sociedade. No seu todo, é responsabilidade perante o Estado e traduz-se na imposição de penas, que são castigos típicos.

Nesse sentido, Stoco (1995) explica que a responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, ou seja, uma lesão aos deveres de cidadão para com a ordem da sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação da norma penal, exigindo para restabelecer o equilíbrio social investigação da culpabilidade do agente ou o estabelecimento da anti-sociabilidade do seu procedimento, acarretando a submissão pessoal do agente à pena que lhe for imposta pelo órgão judicante, tendendo, portanto, à punição, isto é, ao cumprimento da pena estabelecida na lei penal.

Nos exatos termos do artigo 121, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, "o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições".

A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao Erário ou a terceiros (artigo 122). Portanto, a responsabilidade civil do agente público é subjetiva, pois que baseada na culpa.

Ressalte-se que as reposições e indenizações ao Erário, no caso de prejuízo dolosamente causado pelo agente público, só poderão ser parceladas, e a pedido do interessado, "na falta de outros bens que assegurem a execução do débito pela via judicial" (artigo 122, parágrafo 1º, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

Tratando-se de dano causado a terceiros, o agente público responderá perante a Fazenda Pública, em ação regressiva. Ademais, a obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida (artigo 122, parágrafos 20 e 3º, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

Por sua vez, a responsabilidade penal do agente público abrange os crimes e contravenções a ele imputadas enquanto servidor público (artigo 123, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

Já a responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função (artigo 124, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

Para finalizar, "as sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si", sendo que "a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria" (artigos 125 e 126, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

O instrumento destinado a apurar responsabilidade do agente público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido, é o processo disciplinar (artigo 149, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

Em seu sentido lato, o processo administrativo disciplinar abrange a sindicância e o processo administrativo disciplinar, este tido como o sentido estrito do processo administrativo disciplinar.

Enfatize-se que a Tomada de Contas Especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao Erário.

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Sobre a autora
Andréa Grandini José Tessaro

Servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, especialista em Gestão do Poder Judiciário, pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).Professora de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil (ISEPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TESSARO, Andréa Grandini José. Natureza jurídica da responsabilidade dos agentes públicos em sede de tomada de contas especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2776, 6 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18436. Acesso em: 23 abr. 2024.

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